Capítulo 6

1834 Palavras
Os alunos começaram a andar pelas ruas de Uberlândia cabisbaixos, não queriam acreditar, na verdade, principalmente porque era uma verdade absurda. Quem vai acreditar neles, ainda mais agora que ninguém os reconhece? — n******e ser verdade — repetia Fernanda consigo própria quando ela e os seus colegas decidiram cada um ir para a sua casa, não tinham mais o que fazer. — Vamos combinar assim — disse Octávio —, se ninguém se lembrou da gente até agora, significa que nas nossas casas ninguém se lembrará também. São quase onze horas da manhã, então às treze horas a gente se encontra na Praça Tubal Vilela — ele olhou para Fernanda. — E cala essa boca, menina. Fernanda parou de repetir a frase e encarou o garoto. — Você não entende? Fizeram macumba para a gente perder as nossas vidas e está acontecendo muito rápido. Isto é surreal! Por que comigo, Senhor? Maria, rogai por nós — ela fez o sinal da cruz. — Meu Deus! — exclamou Andrei. — Macumba? — Indagou Renata. — Como você sabe que isso tem a ver com rituais de matrizes africanas? — Sei lá, isso não é importante — disse Fernanda. — Me parece que vocês estão muito bem com toda essa doideira. Eu não posso passar por isso. — Você não está sozinha nisso, Fernanda, e não estamos bem, estamos calmos — disse Demétrio. — Você pelo menos ouviu o que combinamos? — Sim, ouvi. Encontro na praça há uma hora da tarde... Ah! Não quero, não posso, não vou. Eu sou uma mulher delicada, vocês são mais brutos, são acostumados a ficarem na rua, eu não... — Certo, galera — falou Octávio para não darem muito atenção para a garota a*******e. — Eu me despeço aqui e que tudo isso acabe logo. Os outros se despediram de Octávio que seguiu caminho, e cada um foi para um canto. A única que ficou foi a Fernanda, mas não ficaria sozinha, olhou para os lados e apressou-se para partir. ••• Era meio-dia e mais uma vez Octávio mexeu no seu aparelho celular da Nokia, mas o objeto eletrônico não funcionava, não só o dele, o de todos os outros também não. Renata e Fernanda foram as que ficaram mais aflitas, não podiam viver sem as suas ligações e mensagens. Quando chegou à porta de onde deveria ser a da sua casa, Octávio apertou a campainha na parede cheio de esperança no coração, tinha as chaves, mas nesse caso seria invasão já que provavelmente era um desconhecido, e um homem veio atender. Era o pai dele e parecia-se com ele um pouco, porém, bem mais velho, era mecânico e estava no horário de almoço. — Posso ajudar, filho? — disse o homem ainda atrás do portão a limpar as mãos num lenço. Por um segundo, Octávio pensou que o seu pai se lembrou dele, mas como o conhecia muito bem, analisou os fatos: ele chamava todos os jovens de filho ou filha, ele não abriu o portão e parecia desconfiado. — Pai eu… — Octávio interrompeu-se, entendia que, no momento, não podia referir-se aos seus parentes como tais para que não os confundisse. — Desculpa, senhor Décio eu só queria um pouco de água para beber, se puder me conceder... — Senhor Décio? — o homem riu. — De onde me conhece, filho? Octávio parou no tempo, precisava pensar rápido se queria descobrir mais coisas. — Sou filho de Agnaldo — Octávio sabia do que falava, conhecia todos os amigos do seu pai e até mesmo sobre as suas vidas. Octávio sabia que o seu pai não gostava nem um pouco do seu estilo e nunca quis que ele fosse cantor e sim mecânico como ele, poderia nem mesmo ser bem-recebido, mas decidiu arriscar. — Agnaldo tem um filho deste tamanho? Nem sabia — o homem riu mais outra vez, era muito simpático e abriu o portão. — Entra aí, garoto — Octávio obedeceu. — Como se chama, meu jovem? Onde estuda? — Daniel, senhor. Estudo na Escola Estadual de Uberlândia — respondeu rápido, teve que mentir, já que era um desconhecido, qualquer história poderia ser a verdade para quem ouvia. — Tão longe! Você toca, Daniel? — perguntou o senhor Décio devido ao violão nas costas do garoto. — Sim senhor, eu tenho uma banda... Tinha, na verdade. — Tinha por quê? — Não deu certo. — E esse cabelo? Octávio gelou, ficou com medo de ser reprovado, já que sempre fora reprovado pelo pai a vida toda. — É só um estilo — ele falou com tranquilidade, tentou não ficar tenso e tentou parecer mais humilde para não assustar o homem. — Legal, gostei do seu estilo — disse Décio e abriu a porta. Octávio não podia demonstrar fraqueza, mas naquela hora sentiu v*****e de chorar. O seu pai sempre detestou tudo o que o filho escolhia ou fazia, então não sabia se ele estava a ser gentil ou se realmente gostou dele, apesar de sempre terem se dado bem, mas brigar era de praxe. — Entra — ordenou Décio —, pode colocar as suas coisas ali — ele apontou para um canto da sala. — Fique à v*****e. Octávio fez-se de tímido, na sua "própria" casa e esperou que o dono o convidasse a se sentar, ele convidou e Octávio acomodou-se. — Quem está aí, Décio? — perguntou uma voz feminina. Era a sua mãe Edna, a mulher veio da cozinha com o avental salpicado de comida. Ela usava uma touca na cabeça e luvas nas mãos, a típica dona de casa de classe média da década de oitenta. — É o filho do Agnaldo. Ele passou por aqui e pediu um copo de água — respondeu Décio. Dona Edna pediu que ele aguardasse, pois, ela já voltaria com a água. A coisa mais incrível para Octávio foi que parecia que tudo não passava de uma atuação. Não era possível que dezoito anos da vida do casal foram apagados tão rápido. Ao olhar para a sala, ele percebeu que todos os retratos ainda estavam na sala, mas onde era para estar as suas fotos, não havia nada, ou alguma coisa aleatória o preenchia. Não foi só isso, ele observou tudo, todos os detalhes, os pormenores, a macha no carpete que ele causou não existia mais, a marca na parede que ele fez com o martelo ao tentar pregar um prego não existia mais, os seus rastros também foram apagados, as consequências das suas ações, tudo. Era como se ele nunca tivesse existido, e o mundo seguia bem. Nada podia reparar isso? — Interessante — disse Octávio, ele pensou em voz alta. — O que é interessante, filho? Os retratos? — questionou Dona Edna, bem simpática, ao chegar com o copo com água e o entregar ao garoto. — Sim, vocês estão há muito tempo casados? — Vinte anos. — Muito legal. Dona Edna o analisou da cabeça aos pés. — Desculpa, meu jovem, acho que te julguei. Os jovens de hoje não falam em casamente e nem se interessam. — Eu sou diferente. Só me visto assim porque me identifiquei com este estilo, também sou apaixonado por Rock And Roll. — Ah! Entendo e não olho para isso, quando tinha a sua idade me vestia exatamente como você. Também adorava rock, mas aí tive que casar e cuidar da casa. Ainda não tive nenhum filho, mas não é tarde, uma hora eu vou conseguir. Octávio quase se engasgou, foi uma coisa que ele ouviu da sua mãe e não fazia ideia de que pudesse ser verdade. A sua mãe sempre foi pacata, delicada, pacífica. A verdadeira modelo de uma dona de casa, segundo a convenção social, mas, na verdade, ela era assistente de dentista e estava de folga naquele dia. Após conversarem um pouco, e metade do que Octávio falou sobre a sua vida era mentira, o senhor Décio e a senhora Edna convidaram-no para almoçar, já que estava lá, não tinham filhos e uma companhia a mais durante a refeição seria muito agradável para eles. Essa foi a parte em que o tocou profundamente. Ele não imaginou que conheceria os seus pais dessa maneira, pareciam outras pessoas também, e se intrigou. Será que o livro mágico havia mudado aquilo ou sempre esteve ali, mas ele era infantil demais para perceber e só percebeu devido à necessidade que sentia deles? Octávio tentou puxar assunto sobre ter filhos, mas era sempre ignorado, como se não estivessem a ouvir, qualquer assunto que levasse a conclusão de que ele era parente era ignorado como se ele não tivesse falado nada. A refeição acabou e Octávio teria que ser mais esperto, se despediu no mesmo momento para não chegarem a uma conclusão de que ele era um completo desconhecido e que não era filho de um dos amigos da família. Perguntavam o que ele fazia por ali, já que morava tão longe, ele respondeu que veio procurar uma amiga, mas ela não estava em casa e o resto da história, deixou que especulassem. Antes de ir embora, o senhor Décio sensibilizou-se com o rapaz e deu-lhe dinheiro, mais que o necessário, para que ele pudesse pagar um ônibus, ou táxi, de volta para casa. ••• — E aí, gente! — cumprimentou Octávio ao chegar na praça. Foi o último do g***o, pois, os dois meninos e as duas meninas já estavam lá, sentados num banco comendo sanduíche, a Renata estava com os olhos vermelhos e o rosto molhado. — Não deu certo, não foi? — Foi h******l — relatou Renata. — Eu cheguei lá e eles me trataram como um completa desconhecida. — Comigo, ameaçaram até de chamarem a polícia — disse Andrei. — Os meus amigos da vizinhança nem sequer me desejaram "bom dia". — Eu não tive coragem de falar com ninguém — falou Demétrio. — Os meus pais estavam saindo com os meus dois irmãos mais novos, me viram e me ignoraram como se eu fosse um cão. Ser indigente é r**m demais. — E eu que tentei fazer com que me reconhecessem, foi humilhante. A pior parte é que vamos ficar o dia todo com esta farda da escola — falou Fernanda. — Sério Fernanda? — indagou Renata. — Essa é a pior parte? — Ué! — Fernanda deu de ombros, depois olhou para Octávio. — E você? Por que demorou tanto? — Eu pedi um copo de água e eles me convidaram para almoçar — respondeu Octávio com toda a simplicidade que ele não tinha. Os outros começaram a reclamar e a julgá-lo, a dizerem que com ele tudo era mais fácil, que ele tinha sorte por ser bonito, entre outras coisas desnecessárias, porém, ele não se atreveu a respondê-los, para ele não valia a pena. De repente, alguém cutucou o Octávio nas costas. Ele se virou para saber de quem se tratava e teve uma surpresa. — O que está fazendo aqui? — era Talita, a sua namorada.
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