CAPITULO 13

1166 Palavras
Donna congelou. O ar ao redor pareceu rarefeito, como se a atmosfera do escritório tivesse sido sugada por um vácuo de realidade inesperada. Seus olhos, antes firmes, agora tremiam em confusão. — Como é que você... — começou ela, mas não conseguiu concluir. Vittorio finalmente se virou. Seus olhos estavam injetados, a raiva crescendo sob a pele como fogo preso atrás de uma represa. O homem que encarava a filha agora não era apenas um pai: era o Don Vittorio Amorielle. Era o chefe da família. O chefe da Cosa Nostra. — Como eu soube? — ele completou, com uma risada seca e vazia. — Eu recebo relatórios diários. Às vezes até de madrugada, Donna. E você quer saber qual foi a minha surpresa essa madrugada? Ao abrir um deles e ver que a minha filha — a minha filha — havia se inscrito para uma universidade nos Estados Unidos. E para quê? Direito. O mesmo curso que você teve a audácia de dizer, hoje mesmo, que só havia escolhido porque eu obriguei. E, no entanto... ali estava você. Escolhendo. Novamente. E sozinha. Donna recuou um passo. O nome falso. A inscrição secreta. O sonho que ela achava que tinha guardado apenas para si, longe da sombra da família. Ela sentiu o estômago se contrair, mas manteve o olhar fixo nele. — Você... você hackeou o meu computador? Vittorio deu uma risada curta, seca, sem humor. — Todos os computadores da casa sempre foram monitorados. Desde que você e seus irmãos começaram a usar tecnologia, Donna. Isso é segurança básica. Ela fechou as mãos em punhos, os dedos tremendo de indignação. — Isso é o cúmulo, Don Vittorio! — gritou, agora sem conseguir chamá-lo de “pai”. — O cúmulo! Você não pode me cercar assim. Eu não sou um dos seus alvos, eu sou sua filha! — Justamente por isso! — berrou ele, batendo com força na mesa, fazendo um porta-canetas de prata tombar. — Justamente por isso você não deveria ter feito o que fez! Você acha que isso aqui é o quê? Um jogo? Acha mesmo que pode forjar documentos, mudar de nome, sair do país... e que ninguém vai perceber? Você tem ideia de quantos olhos estão sobre nós? Sobre você? Cada rival da nossa família, cada verme que espera uma brecha, monitora cada passo que damos. Você é uma Amorielle, p***a! Tudo o que você faz tem consequências. A tensão se condensava no ar, quase palpável. Donna sentia o calor subindo pelo pescoço, pelas bochechas, uma mistura de raiva, medo e frustração que ameaçava explodir. — Eu não pedi para nascer uma Amorielle! — disse, a voz falhando por um instante. — Se eu pudesse escolher sem dúvida eu não... Mas ela parou. A frase morreu entre os lábios. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Vittorio piscou lentamente. Parecia que algo dentro dele havia rachado, uma fratura fina, mas fatal. Donna desviou o olhar, como se não conseguisse sustentar o peso do que tinha acabado de dizer. Era um corte profundo demais. Uma confissão envenenada. Ele se aproximou dela com passos lentos, controlados, como um predador que ainda não decidiu se atacará. — Você pode até não querer carregar o nome — disse, a voz baixa e letal — mas ele corre nas suas veias. Você foi feita disso. Do meu sangue. Não adianta querer fugir, se revoltar, ir para o outro lado do mundo. No fim, todos saberão quem você é. E todos sempre saberão o que você representa. Ela não respondeu. Não podia. Sabia que qualquer palavra ali seria pólvora. — Diante disso — prosseguiu Vittorio, dando um último passo até a beirada da mesa — eu vou pedir para interceptarem sua inscrição para a NYU. E não falaremos mais sobre esse assunto. Donna recuou um passo, o sangue fervendo. — Isso é um absurdo! — gritou, a raiva enfim transbordando. — Eu tenho vinte e cinco anos! Não sou mais uma criança pra você me tratar como se fosse! Você não pode... Vittorio avançou. Estava tão perto que ela podia sentir o cheiro de charuto impregnado em sua pele, o calor da fúria vibrando no ar entre os dois. — Então pare de agir como uma! — rugiu ele. — De todos os seus irmãos, você sempre foi a que mais entendeu o que significa ser uma Amorielle. Você foi criada para carregar a nossa história para os seus filhos. E agora age como se fosse uma menina de doze anos fugindo de casa por birra. — É exatamente por isso — disse ela, com a voz fria — que eu não quero mais ser uma Amorielle. Vittorio a encarou. O silêncio voltou, mas dessa vez era um silêncio sombrio, cheio de rachaduras invisíveis. Ele deu um passo para o lado. Depois outro. Lentamente, se afastou dela. Quando enfim parou, abriu espaço com um gesto seco. — Então está na hora de entender a responsabilidade que isso exige. Donna respirou fundo. O peito subia e descia com dificuldade. A mente latejava. Ela deu dois passos na direção da porta. Mas antes de girar a maçaneta, ouviu a voz dele novamente. — Assim que você sair por essa porta — disse Vittorio, a voz firme e sem hesitação — você não terá mais o meu apoio. Nem o apoio da família. Nada. Nem o nome. Nem o dinheiro. Nem a proteção. Ela parou. O mundo girou por um instante. Seus dedos ainda estavam na maçaneta, mas o restante do corpo parecia paralisado. Aquilo era real. Era definitivo. Era... a ruptura. Mas ela não se virou. Não hesitou. Abriu a porta. Passou por ela. E fechou atrás de si — sem bater, sem pressa. Com dignidade. Vittorio permaneceu sozinho no escritório. A respiração pesada, as mãos trêmulas. O silêncio agora era diferente. Era um silêncio que ecoava vazio. Um silêncio que gritava. Então, num gesto repentino, ele pegou o copo de cristal ao lado do decanter e o arremessou com força contra a porta que Donna acabara de fechar. O som do vidro se estilhaçando cortou o ambiente como um disparo. O homem mais poderoso da Itália... talvez fosse também o mais impotente diante da vontade da própria filha. A raiva que sentia não era só por ela. Era por si mesmo. Por ter criado alguém com coragem suficiente para enfrentá-lo. Para dizer não. Para sair. Ele caminhou lentamente até a cadeira atrás da mesa e se sentou, apoiando os cotovelos nos braços do móvel. Passou a mão pelo rosto, como se tentasse apagar as últimas palavras dela da memória — mas elas ecoavam. “É por isso que eu não quero mais ser uma Amorielle.” A frase ardeu como ácido. No fundo, ele sabia: Donna era a única que realmente entendia. A única que tinha alma de comandante. E era justamente por isso que doía tanto perdê-la. Mas também era por isso que ele não cederia. Porque, para Vittorio Amorielle, ceder nunca foi uma opção.
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