CAPITULO 27

1103 Palavras
Ela obedeceu. Rompeu o selo com cuidado, como se rasgar aquele envelope pudesse acordá-la de um sonho que não queria terminar. O som do papel denso se partindo ecoou na cozinha silenciosa. Dentro, encontrou uma carta de aceitação no Master of Laws em Direito Internacional da NYU. O brasão da universidade vinha estampado em dourado na parte superior, e logo abaixo, seu nome — Donna Smith — escrito com precisão acadêmica, mas com a força de um novo começo. A carta vinha acompanhada de brochuras com fotos dos campus, cartões de boas-vindas e uma lista de orientações sobre matrícula, datas de chegada, e o calendário acadêmico. Tudo real. Oficial. O coração dela batia tão alto que abafava o som do mundo. Donna ergueu os olhos para o pai, sem palavras. Vittorio a observava com aquele olhar contido, frio, mas familiar. Um orgulho que ele jamais verbalizava em frases triviais, mas que ela conhecia bem — estava nos olhos, na inclinação levemente protetora do corpo, nas mãos escondidas nos bolsos do paletó como quem guarda impulsos. — Você tem uma vaga no LL.M. — ele disse, a voz firme, sem celebração, como se fosse apenas um dado a ser comunicado. Ela apenas o encarou, sem conseguir se mover. — Curso de um ano. Especialização em Direito Internacional. Começa em setembro. Conseguiu uma bolsa parcial — ele continuou, como se cada palavra fosse parte de um relatório, como se não fossem elas que, naquele momento, redesenhavam a vida de Donna. Ela piscou, finalmente respirando. — Bolsa? — conseguiu dizer, a voz rouca. Vittorio assentiu com um meio sorriso. — Embora você não precise. — disse, seco, como sempre — mas eles acharam adequado. Eu me certifiquei de que você pudesse ficar no apartamento da família. Perto da universidade. Segurança, conforto. Eu cubro tudo. Ela ergueu a mão, num gesto hesitante, como se pedisse ao mundo que parasse por um instante. — Espera. Espera. — A voz dela finalmente saiu. — Só… para. Um momento. Ele franziu o cenho, surpreso com a interrupção. — O que foi? — perguntou, inclinando-se levemente à frente. Donna respirou fundo e o encarou, os olhos ainda arregalados, mas agora afiados, inquisitivos, sérios. — Como você fez isso? Vittorio ergueu uma sobrancelha, inclinado a não entender. — Fez… o quê? — Não finge. — Ela soltou uma risada sem humor, amarga. — Você mexeu os pauzinhos. Não foi? Ele inclinou a cabeça, como quem pondera se vale ou não admitir. — Mais ou menos. — Eu sabia! — exclamou, voltando a encará-lo. — Fui recusada! Você foi lá e colocou a mão, não é? Não aguentou me ver falhar! Ele ergueu um dedo, em um gesto tranquilo de interrupção. — Antes de começar a me crucificar, escuta. — disse, a voz baixa, firme, cortante como uma navalha bem afiada —eu não mexi exatamente os pauzinhos para que você fosse aprovada. Ela arqueou as sobrancelhas, sarcástica, abrindo os braços. — Não? Então o que foi isso? Um milagre? Claro. Me conta outra. Ele inclinou levemente a cabeça, olhando para ela como quem olha para uma criança impetuosa. — Como Juris Doctor, você realmente não tinha chance, Donna. E precisamos ser honestos: Donna Smith não tinha absolutamente nada a oferecer à NYU. Nem histórico escolar, nem referências americanas, nem participação em projetos nos Estados Unidos. Nada. Um nome vazio. — Obrigada pela humilhação — retrucou ela, com os lábios trêmulos. — De nada — respondeu ele, sem alterar o tom, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ela bufou, passando a mão pelos cabelos, os olhos marejados, mas mantendo a postura ereta. — Eu não vou aceitar essa aprovação! — exclamou, apontando para o envelope ainda aberto sobre a bancada. — Você está fazendo tudo parecer que eu conquistei isso, quando não…Foi você, mais uma vez… se envolvendo, botando o nome da família, sua influência. Deve ter ligado pra alguém, ameaçado alguém... — Não ouse a continuar, Donna— interrompeu ele, firme, calando-a imediatamente.— Eu não manipulei nada. Eu contribuo com a NYU há décadas. Muito antes de conhecer sua mãe. Assim como eu fiz com sua mãe, eu só enviei o seu histórico acadêmico como formada na Università di Bologna, com o foco em Diritto Penale, para ser avaliado por Sarah L. Ziegler, diretora de admissões de pós-graduação. Ela ficou… impressionada. Donna franziu os lábios ao ouvir o nome. Sabia quem era. Já tinha lido sobre ela em fóruns acadêmicos. Uma mulher rigorosa. Exigente. Intocável. Ela o encarou, desconfiada. — Impressionada? — Muito. A ponto de pedir que eu fizesse o contato com você. Que a convencesse a se inscrever no Master of Laws. Como não estávamos em nosso melhor momento, eu fiz por você. Donna balançou a cabeça, ainda desacreditada. — Você quer mesmo que eu acredite nisso? — Quero — disse ele, com firmeza. — Porque é verdade. Ela riu, sarcástica. — Desculpa, mas é difícil de acrediar que uma graduada italiana qualquer, sendo aceita assim, de repente? — Não foi de repente. — A voz dele ganhou peso. — Você se formou na universidade mais antiga do mundo. Com as melhores notas. Foi a primeira da turma. Trabalhou no maior escritório de advocacia da Itália, gerenciou casos de alto nível, assumiu responsabilidades que muitos advogados com décadas de experiência não teriam coragem de assumir. Donna tentou rebater, mas ele ergueu a voz acima dela: — E antes que você diga que tudo isso só foi possível porque você é minha filha, deixa eu te lembrar: eu não sentei naquela sala de aula no teu lugar. Não virei noites em claro estudando legislação penal comparada. Não foi o meu nome que defendeu réus em Bolonha, que redigiu pareceres impecáveis. Eu não enfrentei juízes, clientes, nem arrisquei minha vida pelo escritório.Foi você. Ela engoliu seco. Um silêncio tenso caiu entre os dois. — Aquilo foi você. Só você. — A voz dele suavizou. — Eu não manipulei nada do que você fez. E isso, Donna, é o tipo de coisa que nem eu consigo comprar. Conhecimento, dedicação, coragem... isso só você tem. Ela olhou para o envelope novamente. Para o brasão. Para as palavras. Era como se finalmente permitisse que o significado as tocasse de verdade. — Então... — sussurrou — é verdade? Eles realmente... me quiseram? Eles não me aceitaram por ser sua filha? Vittorio assentiu. — Eles não aceitaram a filha do Vittorio Amorielle. Aceitaram a advogada formada em Bolonha. A mulher que, apesar de tudo, construiu uma trajetória impecável. Isso é seu. Você venceu. E eu queria que você aceitasse isso.
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