Capítulo 8 – Esperas Vazias

749 Palavras
O cheiro de alecrim e manteiga se espalhava pela cozinha da cobertura. Elisa, de avental e rosto levemente corado do calor do forno, mexia os últimos toques no risoto de parmesão com filé ao molho de vinho. Dona Célia, como sempre, era sua aliada silenciosa. Está perfeito, senhora Elisa ... disse a governanta, provando com uma colher de p*u. Ele vai adorar. É o prato favorito dele. Elisa sorriu, mas havia algo contido naquele sorriso. Um brilho discreto nos olhos. Aquela noite era especial para ela, mesmo que ninguém soubesse o motivo. Naquela tarde, ela havia vendido sua primeira composição. Uma partitura original para um quarteto de cordas, sob o pseudônimo de Clara Vianna. O comprador, um professor respeitado do Conservatório Villa-Lobos, elogiara sua técnica e sensibilidade musical. Elisa havia sentido o coração vibrar de orgulho. Uma parte de si renascia ... não a esposa invisível, mas a artista esquecida que ainda morava dentro dela. Sem contar nada a Eduardo, decidiu comemorar com um gesto simples: um jantar feito com carinho. Não por obrigação. Mas por desejo de partilhar algo, mesmo que pequeno. Às 19h45, ela enviou uma mensagem: Preparei o jantar hoje. Espero você às 20h. Poucos minutos depois, ele respondeu: Ok. Estarei em casa. Elisa sentiu o estômago revirar, de ansiedade. Como sempre fazia quando ele prometia algo. Vestiu um vestido leve de linho bege, fez um coque solto e colocou um perfume discreto. A mesa foi posta com velas baixas, taças de vinho e uma travessa aquecida. Tudo simples, mas elegante. Tudo com cuidado. Às 20h10, ela ainda esperava. Às 20h30, tentou convencer-se de que o trânsito poderia ser o culpado. Às 21h10, a comida começava a esfriar. Dona Célia a observava com pena, as mãos apertadas sobre o avental. Talvez tenha se atrasado, senhora. Os compromissos dele costumam mudar... Elisa apenas assentiu, tentando manter o rosto sereno. Mas por dentro, a frustração começava a latejar. Às 22h, ela apagou as velas da mesa, tirou os pratos e subiu para o quarto em silêncio. Sozinha, mais uma vez. ------ Na manhã seguinte, Eduardo desceu para o café. Já vestido para o trabalho, com a mesma frieza impecável de sempre. Encontrou Dona Célia arrumando a cozinha. Bom dia ... disse ele, sem desviar os olhos do celular. Bom dia, senhor. O senhor gostou do jantar de ontem? A senhora Elisa se empenhou tanto... Eduardo parou. Ergueu lentamente os olhos. Jantar? Sim... ela preparou tudo com carinho. Foi uma noite especial pra ela. Esperou o senhor até tarde. Disse que o senhor havia confirmado. Ele franziu o cenho, confuso. Vasculhou a memória. A resposta rápida. O “ok” automático. E então lembrou. O jantar com o investidor. O convite de última hora. E o esquecimento total de Elisa. Engoliu em seco. Mas não disse nada. Subiu as escadas com passos firmes. Bateu à porta do quarto dela com o punho. Ela abriu minutos depois, ainda com os cabelos molhados do banho e um robe claro. Ao vê-lo, se aprumou com surpresa. Aconteceu alguma coisa? Ele cruzou os braços. Não me use como desculpa pra encenar a boa esposa. Esse teatrinho de jantares, perfumes e pratos preferidos não vai mudar nada entre nós. Elisa congelou. Como é? Você está tentando me seduzir com essas tentativas vazias de "ser a mulher ideal". Ele se aproximou, o olhar duro. Mas isso aqui não é um conto de fadas. E eu não estou interessado em fingir i********e. Ela respirou fundo. O rosto ainda úmido do banho não escondia a dor que começava a tomar conta dos olhos. Eu não estava tentando te seduzir, Eduardo. Estava apenas comemorando algo… e quis dividir um momento. Só isso. Comemorando o quê? Ela hesitou. Quase contou. Mas mudou de ideia. Nada que importe pra você. Ele franziu a testa, confuso com a firmeza súbita dela. Então, por favor, pare com isso. Viva sua vida tranquila. Não preciso de mimos. Nem de esposa de vitrine. Eu sei ... respondeu, com a voz embargada. Já está claro há muito tempo. E antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela fechou a porta suavemente. ------ Sentada na cama, Elisa deixou as lágrimas caírem com controle. Não por fraqueza. Mas por exaustão. Por estar sempre tentando preencher um vazio que não era dela. Por tentar alcançar um homem que só enxergava nela o que queria desprezar. O jantar ainda estava na cozinha. A partitura, na mesa da varanda. E o coração dela… cada vez mais distante de Eduardo Castro.
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