CAPÍTULO 2

2092 Palavras
NORA  Se me pedissem para descrever Isadora Drummond em uma frase, eu diria que posso descrevê-la em apenas uma palavra : Imprevisível. Enquanto, os olhos azuis de gato me fitam atravessar a rua, aproveito para escanear todo o perímetro e checar quantos dos seus seguranças estão nos vigiando hoje. Lhe dou um olhar interrogativo quando não encontro nenhum e ela simplesmente sorrir, a bandida sorrir. Ok, ela definitivamente tem um ponto. — Onde estão os seus seguranças? — Questiono assim que estamos próximas o suficiente. Ela joga o cabelo pra trás, ajeita a alça da bolsa no punho e torce o nariz em uma careta desgostosa. — Ocupados. — Ergo uma sobrancelha, olhando-a de cima pra baixo e concluo que essa é toda a resposta que vou obter. — Você está atrasada. — Acrescenta após segundos de silêncio. — Estava no hospital, visitando minha mãe e aproveitei para conversar com o médico. — Explico e sua expressão é suavizada. Ela gostava da minha mãe. — Alguma melhora? — n**o com a cabeça, sentindo meu peito apertar. — Nenhuma novidade, mas ela é forte e vai nos surpreender. Ela assente, aperta meu ombro evita comentários. O clima fica estranho quando o silêncio se instaura, sorrio e limpo a garganta. — Certo, vamos acabar logo com isso. Você tem certeza que a garota está com o diário? — Indago, olhando direto para a casa que frequento desde a infância. — Eu o vi entre as coisas da pirralha da última vez que estive aqui, mas quando tentei pegar ela entrou no quarto e tive de inventar uma história qualquer. — Explico e a encaro tensa, sentindo o sangue correr mais rápido por minhas veias. — Está me falando que Tilly leu ... — Não. — Ela me corta, deslizando os cantos dos lábios em um sorriso arrogante. — Ela não tem as chaves. Suspiro aliviada, mas uma pulga surge atrás da minha orelha. — Qual o sentido de Ariel ter deixado o diário com a irmã se não deixaria as chaves junto? — Indago em voz alta, revelando meus pensamentos sem intenção. — É um jogo, Ariel sempre gostou de levar as pessoas para testar seus limites. Está jogando conosco. De novo.— A estudo com cautela, notando a ruga entre suas sobrancelhas. — Existe algo que eu não saiba? — Ela não me olha, adotando uma postura mais rígida quando a toco no braço. — Ela está morta. — Fala. — Você não respondeu minha pergunta. Seu olhar se torna vago e as íris claras se arrastam pelas amplas janelas fechadas até chegaram em mim. — Eu só achei que os jogos tinham acabado. — Confessa. — Isadora. — Não vamos perder mais tempo, Talía está internada e estou no limite hoje por razões pessoais. — Balanço a cabeça concordando e nós duas seguimos até a entrada principal. — Senhoritas, vieram visitar a Senhora Bragantino? — Elena, uma canadense naturalizada brasileira e a empregada mais antiga dos Bragantino pergunta, assim, que abre a porta. Um sorriso extremamente largo moldando o rosto quadrado. Abro a boca para falar, mas Isa me corta e inicia um diálogo simpático com a mulher, elogiando o cabelo escuro e curto para logo depois informar que viemos ver Tilly. A estranheza no rosto de Elena é visível e por um segundo a mulher não consegue disfarçar sua expressão. — A menina está na aula, infelizmente, acabou de iniciar. Creio que as senhoristas não terão paciência para esperar. — Aula? Ela não está de férias? — Isadora questiona ao passar pela mulher. A sigo, pedindo perdão pela falta de modos da minha amiga. — Aula de piano. — Elena esclarece. — Hum...piano. Existe julgamento no tom de Isadora que passa despercebido pela mulher, mas não por mim, basta um olhar para entender que seu pensamento é o mesmo que o meu. Ariel tocava piano. Ela também costumava falar que sua irmã era sua pequena sombra adorável. — Onde é a aula? — Me pego falando ao fitar a escada que dar acesso ao andar de cima. — No salão de festas, onde fica o piano. — Fala como se fosse óbvio. — É claro, vamos dar um oi, sabemos o caminho.— Isadora agarra minha mão e me puxa pelo corredor, enquanto olho para trás e vejo a mulher sem reação. — Qual o plano? — Indago, já avistando as duas portas brancas fechadas. — Não estou ouvindo nenhuma música. — Comenta. — Bata. — Coloco minha mão sobre a sua, impedindo que gire a maçaneta. Ela para, me olha e volta sua atenção para a porta, batendo três vezes antes de obter qualquer permissão. As portas são abertas e meus olhos caem de imediato sobre a pequena garota sentada na ponta do banco de frente para o piano, ela está de cabeça baixa e o cabelo desarrumado. A gola da blusa tem três botões abertos e um suéter feminino xadrez nas cores salmão e preto está caído ao chão. Meu cérebro analisa a cena e meu estômago embrulha quando giro a cabeça na direção do homem. Uma avaliação rápida me diz que ele possui mais de trinta e leu os livros errados na faculdade. — Quem são vocês e quem deu permissão para entrarem? — O homem nos questiona em tom elevado, olhando diretamente pra mim. Pisco uma, duas, três vezes até processar suas palavras. — Você está bem? — É Isadora que pergunta, ajoelhando ao lado de Tilly. — É claro que ela está bem, estávamos no meio da aula! — O homem diz e recebe um olhar mortal da minha amiga. — Ande, levante a cabeça e olhe dentro dos meus olhos para responder. — Isa toca no queixo da menina e ergue seu rosto com delicadeza. As íris também de tonalidade azul são quase transparentes mediante as lágrimas. — Sim.— Ela murmura e meu corpo enrijece. — Mentirosa. — Isadora rosna e a garota treme. — Ela falou que está bem, vocês estão atrapalhando a minha aula e vou comunicar a Sra. Bragantino. — Ele tenta puxar Isa pelo braço, mas ganha um olhar como aviso. — Tente tocar em mim e você será um homem morto antes do cair da noite. — Eu não arriscaria se fosse você. — Falo, apertando o pequeno crucifixo dourado que mantenho no meu pescoço desde que mamãe foi internada. Ele me olha incrédulo, descendo os olhos pelo meu corpo, percebendo pela primeira vez as roupas caras. — Estou no meio da aula. — Argumenta, empurrando a armação dourada do seu óculos de graus em um tic nervoso. Dou um passo em sua direção, bato meu dedo indicador contra o vidro do relógio em meu pulso e seu cenho franze. — Seu tempo acabou. — Ele engole a seco e vira para pegar uma série de papéis jogados pelo piano e depositar tudo dentro de uma pasta velha e marrom. — Temos um encontro marcado semana que vem nesse mesmo horário, Tilly. Lembre-se que sua mãe não gosta de distrações. Entro em seu caminho. — Acho que você não entendeu, eu disse que seu tempo acabou. — Eu já estou indo. — Reforça. — Você quer vê-lo semana que vem, Tilly? — Indago, não desviando os olhos dos do homem. São verdes, mas nem chegam perto de ser algo bonito de se olhar. — Minha mãe... — VOCÊ quer vê-lo? — Sou mais ríspida no meu tom, desvio meus olhos para ela e noto o sorriso de Isadora. Sim, eu também sei jogar. — Não. — Sussurra em tom baixo e posso afirmar que há um choro reprimido em seu peito. — Seus serviços foram dispensados, seu tempo acabou. Não volte. A expressão no rosto do homem se transforma. — O quê? Você não tem autoridade para isso, foi a mãe dela quem me contratou e só ela pode dispensar meus serviços.— Se exalta, me obrigando a sentir seu hálito quente contra meu rosto. — Ah, você ainda não entendeu? — Modifico minha voz, adotando um timbre mais fino e típico de desenho animado. — Quem está decidindo cair fora é você...— Desço meus olhos até encontrar o que procuro gravado no couro falso de sua pasta. — Estevão Guimarães. — Sua v***a louca, não vou pedir demissão. — Então, prefere conversar com a polícia? O que acha que acontecerá depois do meu depoimento sobre te encontrar forçando uma garota de quinze anos? Suas pupilas dilatam surpresas e o cheque estampa seu rosto redondo e marcado por uma barba bem feita. — Eu não... Ela. Não aconteceu nada! — Rosna e volto a mirar o rosto pálido da garota. — Não foi o que vi. — Você está inventando coisas. — Vocifera, mostrando os dentes como um animal pronto para o ataque. — Diga para Samantha que surgiu uma oportunidade em outro estado e suma, não tente voltar a se comunicar com Tilly ou qualquer outra menina menor de idade desse condomínio, porque estarei de olho e não serei misericordiosa na próxima vez. — Isso não ficará, assim! — Grita e mudo minha bolsa de mão, enquanto o encaro. Ele está me cansando. — Não, não ficará. Saia. — É Isadora quem fala. O homem nos olha uma última vez, profere algumas ameaças em tom vingativo e sai. Quando seu perfume deixa o ambiente as batidas do meu coração desaceleram junto da minha respiração, me agacho ao lado de Tilly e toco seu cabelo liso, liberando a presilha presa entre o emaranhado. — Volto, já. — Isa diz e se distancia. — Pra onde ela vai? — A garota ainda com lágrimas nos olhos indaga assustada. Fito as costas da minha amiga e volto o olhar para a caçula Bragantino. — Não se preocupe, Isa sabe o que faz. O que estava acontecendo aqui quando entramos? Ela abaixa as vistas e enrola o punho das mangas de sua blusa branca. — Ele foi meu primeiro beijo. — Confessa com o rosto corado. Cretino. — Você gosta dele? Ela balança a cabeça, castigando o lábio inferior com os dentes até ele ficar extremamente vermelho. — No início, sim. Ele me dava carinho e atenção, mas o cheiro dele era... Barato. — Enjoativo. — Completa. — Eu sei que o nosso relacionamento era desigual pela diferença de idade, a experiência dele me deixava em desvantagem em vários quesitos, inclusive, para manipular minhas emoções. No entanto, estava bem até beijá-lo e descobrir que era horrível. — Vocês só se beijaram? — Questiono apreensiva. — Sim. — Respiro aliviada e sinto o corpo de Isadora se aproximar. Arqueio uma sobrancelha em sua direção e ela dar de ombros. — Não vamos avisar seus pais para não causar escândalo, mas se voltar a se relacionar com aquele sujeitinho vou te colocar em todas as mídias sociais e sua vida acabará. — Isadora. — Fique avisada. — Ameaça e a menina se encolhe. — Só fique longe dele, ok? Sujeitos como Estevão só querem uma coisa e você é boa demais pra ele. — Não sou criança. — Mas é burra, deveria ter avisado seus pais. — Isadora diz, apertando uma tecla aleatória do piano. — Eles não teriam acreditado. — A menina argumenta, aparentando uma fragilidade perigosa. Capturo aquela informação e a observo com mais atenção, os ombros caídos e o olhar distante me diz que algo está errado. —Por que? — Questiono e fica de pé. — Sou uma sombra, ninguém me nota. Minha pequena sombra. — Bom, hoje é o seu dia de sorte. Nós notamos você, pode nos procurar, se precisar. — Isa diz, ainda concentrada em tirar som do piano. Não a encaro, mas sei que de alguma forma o plano mudou. — Não precisam fazer isso, estou bem sozinha. — Coloque seu número. — Estendo meu celular e ela o encara sem entender. — Vamos, anote. Ela o faz, discando os números com agilidade e me entregando em seguida. Lhe dou um sorriso e sou retribuída. — Precisamos ir, mas voltaremos em breve. — Falo e ela assente. — Suba, tome um banho e apague o i*****l da sua mente. — Isa diz ao virar as costas, antes do primeiro passo, sorrio para a menina, colocando uma mecha loira atrás de sua orelha. — Sabe onde moro? — Questiono e ela acena. Sorrio. — Use minha casa como esconderijo, se precisar. — Obrigada. — Até breve, pequena sombra. — Pisco e saio, não sabendo ao certo o porque da oferta que acabei de fazer.
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