Capítulo 2. Infância dos herdeiros

1062 Palavras
Desde muito pequenos, os encontros entre as famílias Montreuil e Ashbourn eram frequentes. Ora em Genebra, ora em Nova York, ora em alguma viagem de negócios que acabava virando férias improvisadas. Entre reuniões, eventos e jantares elegantes, havia sempre duas crianças explorando o mundo a seu modo. Adrian era um menino sereno. Enquanto outras crianças corriam descontroladas, ele se mantinha próximo, atento, quase sempre segurando um pequeno carrinho em mãos. Observava tudo: o jeito como o pai apertava a mão de um investidor, como os mecânicos desmontavam motores, como os adultos falavam com cuidado quando ele estava por perto como se ele entendesse mais do que aparentava. Richard costumava dizer: — Meu filho vê o mundo antes de falar sobre ele. E era verdade. Adrian não falava muito, mas quando falava… fazia sentido. Eleonora, por outro lado, irradiava energia. Falante, curiosa, sorridente ela transformava qualquer ambiente. Adorava conversar com os funcionários, colocava laços nos cabelos antes de entrar na oficina e dizia que queria “deixar tudo bonito”. Amelia ria, ajeitando os fios loiros da filha: — Ela nasceu com estética nos olhos, Jean. Eleonora gostava de escolher cores, imaginar designs, trocar os adesivos dos carrinhos miniatura.Ela dizia que um carro precisava “ter alma por fora”. Primeiras Diferenças Em uma tarde chuvosa em Nova York, quando tinham cerca de cinco seis anos, aconteceu a primeira demonstração clara do contraste entre eles. Jean-Pierre e Richard estavam na oficina principal, mostrando aos filhos um novo modelo de esportivo que seria lançado no ano seguinte.Enquanto os adultos conversavam, Eleonora ficava encantada com o brilho do verniz, com o formato das lanternas, com a combinação de vermelho vivo e detalhes em preto. — Parece que o carro está sorrindo!— ela dizia, rindo sozinha. Adrian, ao contrário, não tirava os olhos do motor aberto. Ele se inclinou para observar as peças, como se tentasse memorizar cada engrenagem. — Isso é o que faz ele respirar— murmurou, quase inaudível. Quando Eleonora percebeu o interesse dele, aproximou-se com a curiosidade infantil que lhe era natural. — Você não achou bonito? Adrian deu de ombros, sincero: — Bonito? Talvez. Mas isso aqui é mais importante. — apontou o motor. Ela franziu o nariz, divertida: — Você não entende nada de charme. E ele, com a calma madura demais para a idade: — E você não entende nada do que realmente faz um carro ser bom. Os pais riram. Era um contraste perfeito. O Começo de uma Dupla Inigualável Com o tempo, essa diferença virou rotina. Eleonora adorava escolher roupas, inventar histórias, conversar sem parar com quem quisesse ouvir. Adrian preferia ficar perto dos adultos, observar, aprender com o silêncio. Mas uma coisa era certa: não importava a diferença, os dois se procuravam o tempo todo. Mesmo que para discutir. Eles tinham sete anos quando decidiram, sem pedir permissão entrar na área restrita da oficina principal em Genebra. Eleonora queria ver um modelo recém-chegado da Itália, Adrian queria entender por que aquele carro tinha recebido tantos elogios dos engenheiros. Segurando a mão dele, ela arrastava o menino para dentro, o sorriso malicioso estampado no rosto. — Se alguém ficar bravo, eu digo que foi ideia minha — ela sussurrou. — Isso não devia ser ideia de ninguém — Adrian murmurou, já calculando riscos. Lá dentro, o carro parecia uma joia exposta. Eleonora tocou a lataria com os dedos delicados, encantada com o cintilar do metal. Adrian nem olhou o exterior, foi direto aos detalhes técnicos, as rodas, o sistema de freio, o painel interno. De repente, um mecânico entrou. — Ei! Vocês não podem estar aqui! Eleonora prontamente colocou as mãos na cintura, encarando-o: — Meu pai disse que eu posso olhar qualquer modelo que eu quiser. Adrian arregalou os olhos. O mecânico hesitou… e acreditou. Quando saíram correndo, Eleonora ria alto. Adrian, mesmo tentando parecer sério, deixou escapar um sorriso discreto o tipo raro que só ela conseguia arrancar dele. Apesar de ser falante e corajosa, Eleonora tinha um medo terrível: trovões. Durante uma tempestade em Zurich, ela se escondeu atrás do sofá da sala enquanto os adultos conversavam. Adrian a encontrou ali, tremendo. — Não precisa ficar com medo.— ele disse simplesmente, sentando ao lado dela. — O barulho dói meus ouvidos— ela confessou. Ele não disse nada por alguns segundos. Apenas encostou o ombro no dela, o jeito mais discreto possível de oferecer conforto. — Eu fico com você até parar. O trovão seguinte fez Eleonora agarrar o braço dele. Adrian nem se mexeu. Foi a primeira vez que os pais perceberam: por trás do jeito reservado de Adrian, com Eleonora ele conseguia se abrir. Aos sete anos, aconteceu a primeira briga de verdade. Eleonora queria decorar a bicicleta dele com fitas azuis brilhantes “para combinar com os olhos dela”, como ela mesma disse. Adrian recusou imediatamente: — Não quero isso no meu guidão. — Mas vai ficar lindo! — Eu não quero lindo. Quero simples, normal. Eleonora ficou magoada, virou o rosto e passou a tarde toda sem falar com ele uma tortura silenciosa muito pior do que qualquer grito. No jantar, Adrian comeu calado, claramente desconfortável. Ele nunca soube lidar com emoções. Depois, foi até o quarto dela. Ele parou na porta, segurando algo nas mãos. — Você deixou cair isso, disse,— entregando uma das fitas que ela havia usado de brincadeira no cabelo. Eleonora cruzou os braços. — Você não gosta de nada do que eu gosto. Adrian franziu a testa, pensativo, e respondeu: — Eu gosto de você falando. Gosto quando você fica feliz. Só… não gosto de enfeites no meu guidão. A sinceridade dele desarmou qualquer mágoa. Ela deu um sorrisinho pequeno. — Então você gosta de mim? Ele revirou os olhos. — Eu gosto de ficar perto de você. Ela o abraçou com força, e ele ficou rígido no começo mas depois retribuiu, tímido. Pouco depois dessa reconciliação, criaram um pacto infantil: — Eu prometo te mostrar o lado bonito das coisas.— disse Eleonora. — E eu prometo te mostrar como elas funcionam— respondeu Adrian. Aperto de mãos. Selado. E a partir daquele dia, era comum vê-los juntos: Eleonora explicando combinações de cores, inventando nomes para carros imaginários, enfeitando até caixas de ferramentas… E Adrian desmontando brinquedos para mostrar a ela como as peças internas se encaixavam.
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