Karen caminhava lentamente pelo corredor do hospital, segurando um envelope branco com força entre os dedos. O ar-condicionado gelava sua nuca, mas sua pele ardia em ansiedade. Por mais que tentasse se distrair, o turbilhão de pensamentos dentro de sua cabeça era incontrolável.
Voltou no tempo por alguns instantes: aos últimos dias, às náuseas inesperadas, à tontura no meio de uma reunião importante, ao teste escondido que fizera em casa sem contar a ninguém — nem mesmo a David. E agora ali estava, diante de uma confirmação oficial.
Sentou-se em um banco do saguão e respirou fundo antes de abrir o envelope. A primeira linha do exame saltou diante de seus olhos:
Beta HCG: Positivo.
Ela não sabia se ria ou chorava. O coração batia tão rápido que parecia querer escapar do peito. Fechou os olhos e encostou a cabeça na parede. Era real. Estava grávida.
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David mexia em esboços e gráficos quando Karen entrou no escritório de casa. Ele levantou os olhos e sorriu ao vê-la.
— Você sumiu hoje — disse. — Heitor ligou duas vezes perguntando se você ia na reunião sobre a exportação para a Colômbia.
Ela se aproximou devagar, tirou o envelope da bolsa e o entregou a ele.
David franziu a testa.
— O que é isso?
— Lê.
Ele abriu e percorreu as linhas com os olhos. Ao chegar à parte central do exame, sua expressão mudou. Primeiro, surpresa. Depois, silêncio. E então... emoção.
— Isso é sério? — perguntou, com a voz embargada.
Karen assentiu.
— Eu ia esperar mais um pouco pra contar, mas... não consegui.
David passou as mãos no rosto, como se tentasse organizar o que sentia.
— Meu Deus... nós vamos ter um filho?
— Sim.
Ele deu um passo à frente e a abraçou forte, como se estivesse segurando o universo nos braços.
— Você acabou de me dar o maior presente da minha vida, Karen.
Ela sorriu contra o peito dele.
— Eu também estou assustada, sabia?
— A gente vai aprender juntos. Eu prometo estar com você em cada passo. Prometo ser o pai que o nosso filho merece. Prometo cuidar de vocês dois com a minha vida.
Karen olhou nos olhos dele.
— Três.
— O quê?
— São dois batimentos, David. Dois corações.
O silêncio que seguiu foi tão intenso que quase se podia ouvir o próprio tempo parar. Ele piscou, confuso.
— Você tá dizendo que são...
— Gêmeos.
David levou a mão à boca, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Isso é inacreditável.
— Pois acredite — disse ela, tocando o próprio ventre. — Nosso amor cresceu mais do que a gente imaginava.
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Nos dias seguintes, a notícia se espalhou apenas entre os mais próximos. Heitor, ao saber, derramou uma lágrima escondida no banheiro antes de voltar para a sala de reuniões. D. Lourdes, a governanta de Karen desde que ela era adolescente, quase desmaiou de emoção.
David, por sua vez, não conseguia parar de sorrir. Levava frutas, vitaminas e flores para Karen todos os dias, fazia questão de aprender receitas saudáveis e lia artigos sobre gravidez enquanto ela dormia ao seu lado.
— Está parecendo mais ansioso que eu — brincou ela uma noite.
— É que quero ser o melhor pai possível.
— Então começa deixando eu comer chocolate em paz — disse ela, rindo, com uma barrinha na mão.
— Justo — respondeu ele, entregando um copo de leite com um guardanapo que dizia: “Para os três corações que eu amo”.
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Mas nem tudo era tranquilidade.
Uma noite, Karen acordou com uma sensação estranha. Foi até o escritório e ligou o computador para rever contratos pendentes. Ao acessar o servidor da empresa, notou algo incomum: uma pasta com arquivos criptografados, recém-criada, mas sem assinatura digital válida.
Chamou Heitor pela manhã, e juntos rastrearam a origem.
— Alguém tentou acessar nossos dados de produção e fornecedores — disse ele. — Mas não conseguiram copiar nada. Só que isso mostra que estão tentando de novo.
Karen fechou os olhos por um instante. Aquela sensação de ameaça voltava a se aproximar como uma sombra fria.
— Tem ideia de quem possa ser?
— Ainda não. Mas quem for, está mais ousado do que antes.
Ela olhou pela janela, com os braços cruzados.
— Agora não estamos mais sozinhos, Heitor. Eles não vão tocar na minha família.
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Em meio à descoberta da gravidez e às ameaças veladas, David também enfrentava seus próprios desafios. O novo empreendimento que estava abrindo, chamado “Valente Orgânicos”, começava a ganhar vida. Com foco em produtos sustentáveis, comércio justo e transparência, ele montou uma pequena sede em São Paulo e chamou antigos colegas de confiança para começar a estruturação.
Karen foi visitar o espaço pela primeira vez em um sábado de manhã.
— É pequeno, mas cheio de potencial — disse ele, enquanto mostrava cada cômodo com orgulho.
— Tem cheiro de recomeço — respondeu ela, passando a mão por uma bancada ainda empoeirada.
— E esse recomeço só é possível porque você acreditou em mim.
Ela se aproximou e segurou o rosto dele.
— Eu acredito em quem enfrenta os próprios fantasmas. Você os enfrentou... e venceu.
— Ainda estou vencendo. A cada dia. A cada escolha.
Karen sorriu.
— Que bom. Porque agora somos quatro.
David a puxou para um abraço, sentindo o mundo girar mais devagar ao redor deles.