Capítulo 3: Presa ao Medo

1292 Words
ISABELA OLIVEIRA O despertador tocou às 6h em ponto, mas eu já estava acordada há um tempo, encarando o teto do meu apartamento. Cansada, como sempre, e tentando reunir forças para mais um dia. A vida que escolhi, entre faculdade de jornalismo e um trabalho exaustivo como assistente de produção, parecia um ciclo interminável. Mas era o preço da minha ambição. Eu não tinha ninguém para bancar meus sonhos, então, ou eu corria atrás, ou eles morreriam. Levantei-me, tomei um banho rápido e fiz um café forte, o único luxo que me permitia de manhã. Com minha mochila cheia de anotações e um caderno que eu considerava quase um diário profissional, saí de casa em direção à faculdade. Por mais que fosse desgastante, estar ali era um alívio. Pelo menos naquele ambiente, eu sentia que estava construindo algo. Minhas ideias tinham espaço, minhas palavras eram ouvidas, e a dedicação que eu colocava em cada trabalho me fazia acreditar que o futuro não seria tão c***l quanto o presente. No trabalho, as coisas eram bem diferentes. Assistente de produção. Um título bonito que, na prática, significava ser a primeira a chegar, a última a sair, e aquela que resolvia tudo que ninguém mais queria fazer. Organizava camarins, lidava com cronogramas, a paciência dos artistas, e até problemas que surgiam do nada, como fornecedores desaparecidos. Era caótico, estressante, mas eu sabia que estava aprendendo. Mesmo que ninguém reconhecesse, eu sabia que fazia a diferença. E então, tinha o Ryan. Ele era como um raio de sol quando apareceu na minha vida. Bonito, charmoso e carinhoso, ele me fez sentir especial de um jeito que eu nunca tinha experimentado. Mas foi só questão de tempo até o brilho se apagar. O carinho deu lugar ao controle, o charme à agressividade, e o amor... bem, não sei se aquilo era amor. — Quem era aquele cara ontem? — ele perguntou uma vez, depois de um evento. A voz dele estava baixa, mas carregada de raiva. — Ryan, ele é só um fornecedor. Eu estava fazendo meu trabalho. — respondi, tentando manter a calma. — Seu trabalho. — ele repetiu, sarcástico. — Eu não sou i****a, Isabela. Era sempre assim. Ele explodia, me acusava de coisas absurdas, mas depois... depois vinha com flores, pedidos de desculpa, promessas. Eu queria acreditar que ele podia mudar. Às vezes, até acreditava. Mas, no fundo, sabia que estava presa a um ciclo que eu não tinha forças para quebrar. Não ainda. *** Naquela tarde, cheguei em casa exausta. Ryan já estava lá, sentado no sofá com aquela expressão de desaprovação. — Demorou. — ele disse, sem nem me olhar. — Tive aula até mais tarde. — respondi, tentando não soar defensiva. Eu sabia como aquilo terminaria se começássemos a discutir. Então, só fui para o quarto, larguei minha mochila e me joguei na cama. Ele me seguiu. — Claro, você sempre tem uma desculpa. — ele retrucou. — Só espero que não esteja me fazendo de i****a. — Ele saiu batendo a porta. Eu estava no limite, mas não tinha energia para brigar, para discutir ou até mesmo para me defender. Então, quando ele entrou no quarto minutos depois, com a voz mais suave e um pedido de desculpas pronto, eu só fiquei em silêncio. Ele se sentou ao meu lado, a mão quente deslizando pela minha perna. — Desculpa, Isa. Eu me preocupo demais. É só... eu não quero te perder. — ele disse, como sempre fazia. Aquele toque. Aquelas palavras. Por mais que eu soubesse que eram parte do ciclo, elas sempre me desarmavam. Talvez fosse a carência, talvez o cansaço, mas eu me deixava levar. Quando ele me beijou, todo o peso do dia pareceu se dissolver. Por alguns momentos, eu deixava de lado as mágoas, a raiva, a frustração, e me agarrava ao pouco de carinho que ele ainda me oferecia. — Você sabe que eu te amor, né? — Ele murmurou entre os toques, seus dedos agora traçando linhas suaves pelo meu braço. Apesar de tudo, eu senti meu corpo relaxar sob o toque dele. Era como se, naquele instante, as mágoas tivessem ficado de lado, e só sobrasse a necessidade de se sentir querida, desejada. Ele me virou de frente para ele, seus olhos se encontraram com os meus e antes que eu pudesse protestar ou dizer algo, ele me beijou com intensidade. Os beijos logo se aprofundaram, e Ryan, com o cuidado que raramente mostrava fora desses momentos, me deitou sob ele. As mãos dele exploravam o meu corpo com familiaridade, enquanto ele sussurrava palavras que me faziam sentir-se única, mesmo que soubesse que aquele carinho era passageiro. A paixão tomou conta do momento, e nos entregamos um ao outro com fervor. Era como se, naquele instante, Ryan quisesse mostrar que o amor que dizia sentir por mim era real, mesmo que suas ações muitas vezes provassem o contrário. E era sempre assim. Um alívio momentâneo, seguido pelo silêncio enquanto ele adormecia e eu ficava olhando para o teto, me perguntando como tinha chegado ali. Eu sabia que não podia viver assim para sempre. Sabia que merecia mais. Só ainda não tinha encontrado forças para sair. *** Entrei no banheiro com passos lentos, sentindo o peso do mundo nos ombros. Fechei a porta atrás de mim com cuidado, como se aquele gesto fosse suficiente para me isolar de tudo e todos. Ali, naquele espaço pequeno e abafado, eu podia me permitir sentir sem precisar me explicar. Girei o registro do chuveiro e deixei a água quente correr, formando uma cortina que parecia me separar ainda mais da realidade. O vapor tomou conta do ambiente, e o som da água contra o piso era como um sussurro reconfortante, abafando os pensamentos que gritavam na minha cabeça. Encostei-me na parede fria do box e, por um momento, deixei o contraste entre o calor da água e o frio do azulejo me ancorar. Mas não demorou para que o nó que estava apertando meu peito se desfizesse de um jeito doloroso, e as lágrimas começaram a cair. Eu chorava em silêncio, tentando engolir os soluços enquanto a água disfarçava o som e levava embora o sal das lágrimas. Cada gota que escorria pelo meu corpo parecia levar um pedaço do peso que eu carregava, mas não o suficiente. A culpa estava entranhada em mim como uma segunda pele. Por que eu me deixava chegar a esse ponto? Por que continuava me colocando nessa posição, aceitando menos do que eu sabia que merecia? Ryan estava me consumindo, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia largar dele. Era como se cada momento de carinho, cada sorriso que ele me dava, fosse uma promessa que eu queria desesperadamente acreditar. Mas, na maior parte do tempo, era só dor, só controle, só solidão. Apoiei o rosto nas mãos, deixando a água escorrer pelos meus cabelos e costas, enquanto as lágrimas continuavam a cair. Eu me sentia uma fraude. Forte o suficiente para enfrentar a faculdade, o trabalho e tudo o que jogavam no meu caminho, mas incapaz de sair de um relacionamento que me destruía pouco a pouco. Queria gritar, mas nem isso eu conseguia fazer. Não aqui, não agora. Então, só chorei. Chorei até que não sobrasse mais nada, até que meus olhos ardessem e meu corpo estivesse cansado demais até para isso. Fechei o chuveiro com um gesto lento, o silêncio do banheiro agora me parecendo ensurdecedor. Peguei a toalha, enrolei-me nela como se fosse um casulo e me sentei no chão frio, os joelhos abraçados contra o peito. — Eu preciso sair disso. A frase ecoou na minha cabeça, mas soava distante, como se fosse dita por outra pessoa. Porque, no fundo, eu ainda não sabia como. CONTINUA...
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