ISABELA
De volta ao camarim, concentrei em ajustar os petiscos. O prato de frutas precisava estar impecável, as garrafas de bebidas organizadas exatamente como solicitado. Não havia espaço para erros.
A música ensurdecedora do show ainda rolava lá fora, mas eu m*l tinha tempo de me preocupar com isso. O foco estava no trabalho, sempre no trabalho.
Enquanto alinhava algumas latas de energético na bandeja, vozes no corredor chamaram minha atenção. Reconheci o tom autoritário de Paco, o empresário de Jace. Ele falava com seguranças, e mesmo sem querer, acabei ouvindo cada palavra.
— Traga aquela mina que mostrou os p****s no meio do show e escolham mais umas três ou quatro. Mas lembra, diversidade, tá ligado? Ele gosta de loira, morena, ruiva... E o que ele não quiser, nóis come, meu parceiro. É assim que funciona.
Meu corpo gelou. Por um momento, achei que tinha escutado errado, mas a risada que se seguiu confirmou que eu não estava imaginando coisas. Meu estômago revirou, uma mistura de nojo e indignação tomando conta de mim. Não era a primeira vez que eu testemunhava a hipocrisia e o abuso que rolavam nos bastidores, mas ouvir aquilo de forma tão descarada me atingiu de uma maneira diferente.
Fechei os olhos por um instante, tentando conter a náusea que subia pela minha garganta. A imagem de Jace no palco voltou à minha mente, mas desta vez não tinha nada de atraente. Era uma lembrança amarga, tingida pelo cinismo do que eu acabara de ouvir.
— Por que eu continuo nesse meio? — me perguntei, enquanto respirava fundo para recobrar o controle. Mas eu sabia a resposta. Era porque, mesmo com todo o caos, isso me dava propósito. Mesmo com toda a sujeira, eu acreditava que um dia poderia fazer diferente, ser diferente.
Coloquei a última lata de energético na bandeja e me virei, pronta para encarar Paco e sua conversa nojenta caso ele entrasse no camarim. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim murmurava que, se eu ficasse ali por muito tempo, acabaria sendo engolida por aquela podridão.
E isso... eu não podia deixar acontecer.
Respirei fundo, tentando não reagir, mesmo com o desconforto estampado no meu rosto. As garotas aceitavam ser tratadas assim, certo?
"Se elas aceitam, então quem sou eu para julgar?" — Pensei, tentando me convencer de que aquilo não era problema meu. Mas no fundo, eu sabia que isso era só uma tentativa patética de calar minha indignação.
Pouco tempo depois, a porta do camarim se abriu com força, e Mc Jace entrou como se fosse dono do mundo. Ele estava cercado por um grupo de garotas. As risadas delas eram altas, e a energia no ar parecia pulsar de excitação. Ele irradiava confiança, como se soubesse que todos os olhos e corpos ali, estavam à disposição dele.
Foi então que uma das garotas, a mesma que Paco mencionara, repetiu o gesto que, aparentemente, a levara até ali. Sem hesitar, ela ergueu a blusa e mostrou os s***s novamente, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Jace riu alto, um som carregado de autoconfiança e um quê de deboche.
E então, sem qualquer pudor, ele agarrou um dos s***s dela, apertando como se estivesse em um show particular.
— Gostosa, hein? É isso que eu gosto. — disse ele, enquanto as outras garotas riam e aplaudiam.
Eu deveria ter desviado o olhar. Deveria ter me focado nas garrafas que eu ainda estava arrumando na bancada. Mas não consegui. O ambiente ao meu redor parecia ter parado no tempo. Outras duas garotas se aproximaram dele, entrando na brincadeira. Elas começaram a beijá-lo ao mesmo tempo, uma de cada lado, cada uma tentando atrair mais a atenção dele.
Meu estômago revirou. Eu sabia que não era minha função me importar. Sabia que, tecnicamente, aquilo não tinha nada a ver comigo. Mas, mesmo assim, alguma coisa dentro de mim gritou. Não era apenas o desconforto. Era a indignação de ver como tudo aquilo era banalizado, como se fosse normal. Como se aquele fosse o único jeito de viver.
Eu queria sair dali. Queria ir embora, deixar aquele trabalho e nunca mais me envolver com pessoas como Mc Jace ou Paco. Mas então, o pensamento que sempre me perseguia voltou. — "Se eu não fizer isso, o que mais eu vou fazer?"
Por mais que eu tentasse me convencer de que aquilo era apenas uma parte do trabalho, sabia que, em algum momento, precisaria fazer uma escolha.
E essa escolha não seria fácil.
Aquilo era demais para mim. Eu me virei de costas, tentando bloquear a cena que se desenrolava atrás de mim. Mesmo com o barulho das risadas, dos sussurros e dos sons de beijos, forcei meu foco nas latas de energético, nos petiscos, em qualquer coisa que não fosse aquilo.
Enquanto os risos enchiam o camarim, uma pergunta martelava na minha cabeça. — "Como alguém consegue viver assim? Tão... vazio."
Tudo parecia tão superficial. Tão calculado. Eles estavam ali, todos eles, buscando alguma coisa, atenção, validação, prazer, mas tudo aquilo parecia sem substância, sem alma.
Por mais que eu tentasse me convencer de que aquilo não era da minha conta, não conseguia afastar o desconforto que crescia em mim. Era como uma sombra pairando sobre cada movimento meu, me lembrando que eu não pertencia àquele mundo.
Voltei a organizar as coisas, com movimentos precisos e rápidos, como se pudesse fugir do peso que sentia. Minhas mãos tremiam um pouco, mas segurei firme.
— Profissionalismo, Isabela. Você está aqui para trabalhar, e só isso importa. — eu repetia para mim mesma, como um mantra.
Ainda assim, não pude evitar me perguntar.
— "Será que ele é assim o tempo todo? Ou será que tudo isso é apenas uma máscara? Porque, por mais arrogante e desprezível que Mc Jace parecesse, havia algo em sua presença que me deixava intrigada. Algo que, mesmo sem querer, me fazia olhar para ele com mais atenção do que eu deveria."
Sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. — "Não, Isabela. Ele é só mais um cara cheio de si que acha que pode ter tudo e todos. Você já viu isso antes. Não tem nada de novo aqui."
Mas, mesmo com minha tentativa de me convencer, a sombra do desconforto continuava ali.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu me perguntei se estar naquele lugar, naquele emprego, naquele tipo de ambiente, realmente valia a pena.