Camila retornou para casa, sem as fotos. No meio da contenda acabou por esquecer o aparelho em cima da mesa.
Contudo, em seu coração trazia a leveza de um amor correspondido. A moça amava e era amada, um amor estranho diferente cheio de nuances sinistras, porém completo. Um era do outro não existia meio termos.
Varuna deixou a jovem perto de um coqueiro, não queria ficar. Seu desejo era seguir a bela moça por onde ela fosse. No entanto, precisava repor as energias, tinha fome e o seu alimento estava bem longe de Bella Flor.
_ Você vai vir me ver de noite?- perguntou Camila, corando graciosamente as maçãs do rosto.
_ Como não iria, a melhor parte é vigiar o seu sono. Ouvir seu ressonar e o barulho da sua respiração. - proferiu ele gentilmente e ofertando para a menina um sorriso bonito, iluminado.
Camila olhou para a rosa que trazia na mão, em seguida mirou os olhos claros do rapaz.
_ Gostei do beijo. Foi bom para você. - perguntou, quase enfiando os olhos no meio das pétalas das rosas, de tanta vergonha. Só que a garota estava curiosa para ouvir dele se ela beijava bem ou m*l.
_ Foi inigualável, minha rosa.- respondeu o fantasma, mexendo no cabelo da garota.
Camila sorriu levemete, dentes alvos receberam a luz do sol. Pensou em perguntar o que eles eram apartir daquele momento. Mas resolveu engolir a pergunta, até porque não tinha como dizer aos pais que tinha um namorado que eles não podiam ver.
Para a moça, com cheiro do campo, aquilo era um detalhe do tamanho do grão de mostarda, entre tanto, não era bem assim. Ela ignorava porque isso lhe era conveniente, igonorava por amar, por conhecer do beijo doce de quem se ama.
Camila virou as costas para um fator que implicava na relação dos dois: a vulnerabilidade.
Ser feliz era o que contava para a menina com cabecinha de borboleta; e ela estava felicíssima e como estava.
_ Te amo.- disse, levantando os olhos timidamente para Varuna que sentia tanto ódio e tanta paz ao ouvir as duas palavrinhas mágicas escapar pelos lábios de sua amada.
O espectro livre das roupagens que não lhe cabia mais, sem pressa em busca do que lhe traria paz, porque ,enfim, ela chegou junto com Camila; sentia raiva do ontem, do que passou e de tudo que mudou e o transformou no que ele era: um espírito. Isso fazia o ódio multiplicar em milhões.
Na concepção de Varuna, Camila chegou no tempo errado; a menina, seu presente da vida, chegou depois da sua morte.
_ Não como eu te amo. Você não sabe da importância que tem para mim, linda menina.- falou, tomando-lhe os lábios.
Camila encerrou o beijo, tinha medo de que alguém da sua família presenciasse a cena dela beijando o " nada".
Varuna fechou os olhos com uma pergunta o corroendo por dentro de todas as formas.
_ Sabe o que eu sou, não é?- sussurrou encostando a testa dele na da moça.
_ Sim...- ela respondeu ofegante, coração aos pulos; era sempre assim quando os beijos ocorriam.
_ Então....
_ Não me importa, meu coração escolheu você. Só prometa que jamais irar se afastar. - pediu a jovem, inflamadas pelos sentimentos que começaram a brotar na terra fértil que o amor mais puro e bonito preparou em sua linda jardineira.
_ Te amo tanto, minha linda Camila; minha rosa.- o fantasma disse, com um nó na garganta . Varuna quis chorar, segurou, engoliu; naquele dia ele era só emoção.
Os dois se despediram, ela seguiu pelo caminho estreito por entre os coqueiros e ele ficou parado observando a sua menina ir andando, levando um pouco dele com ela.
Assim que Camila adentrou em casa, o espectro foi para a casa dos pais. Chegou na hora do almoço, a mesa estava posta com requinte e sofisticação.
Olhou para os lugares organizados, os pratos de porcelana branca com pintura feito a mão; recordava dessa louça, foi ele que presenteou a mãe. Trouxe da Suíça, em uma viagem que fez com a filha de um parlamentar, amigo do seu pai. Foi inevitável pensar naquela viagem, estava interessado na ruiva de lindos olhos verdes. Porém o interesse passou, assim que a Andreza abria a boca, só sabia falar dos valores de suas roupas e sapatos. Não tinha assunto, era sempre mais do mesmo e estava chato.
Somente na hora do sexo a boca da menina tinha uma utilidade, digamos , mais condizentes com o momento.
O fractal viu o momento que Natália, uma das secretária do lar, entrou na sala de jantar trazendo uma travessa pesada. O cheiro era bem familiar para o espectro, peixe cozido, fora um dos seus pratos favoritos.
Natália colocou o refratário no centro da grande mesa.
Som de passos ecoaram pelo amplo cômodo, Varuna procurou por quem fazia esse barulho.
Observou Cristina, Daniele e Katiane adentrarem apressadas, cada uma trazendo consigo mais travessas.
_ Não gosto de fazer esses pratos, lembro do meu menino.- falou Natália. A serviçal estava há muitos anos com os Rockefeller, acompanhou o desenvolvimento do herdeiro falecido.
_ A senhora Anice, tenta de alguma forma, reavivar a memória do filho. Viu como é as coisas; antes quando o rapaz estava viv não dava carinho, atenção e agora vive lastimando-se pelos cantos. Agente tem que lembrar e fazer as coisas que a pessoa gosta, enquanto ela está viva. Morreu acabou! O fantasma dele não vai estar aqui para provar do peixe e nem do arroz com mexilhão.- Katiane expôs sua opinião e ela não estava de um todo errada.
Qual a graça de fazer coisas na intenção da pessoa que já não mais está entre nosso meio? Temos que procurar valorizar enquanto temos e está bem perto de nós .
Varuna ouviu e isso trouxe um mar vasto de tristeza para o fractal. Ele tocou numa taça que caiu e as mulheres soltaram um grito de pavor.
_ Viu! Vocês ficam falando do morto, isso atrai! Eu não quero ter uma assombração no meu pé, vamos mudar de assunto! - Cristina proferiu, olhando com pavor para a mesa.
_ Que fantasma que nada! Só a taça que deve ter sido m*l posicionada. Anda, Katiane, pega outra taça para substituir essa que quebrou, ainda bem que não lascou o prato. Se tivesse arranhado só um pouquinho, a senhora Rockefeller, iria nos demitir.- Daniele proferiu ao chegar perto da mesa para verificar a louça.
_ Nem fala, lembra que a dona Anice demitiu a Juliana, só porque a menina entrou no antigo quarto do finado.- Relembrou, Natália.
Varuna deixou a sala de jantar e foi em direção a biblioteca que costumava usar.
De alguma maneira a biblioteca continuava ainda mais gótica do que qualquer outro cômodo da casa. A madeira preta da mobília, os estofados de veludo espalhados pelo ambiente , os pesados candelabros; alguns tinham resquícios de ceras de velas endurecidas.
No teto o lustre lançava uma luz melancólica no piso polido. Varuna sentiu saudades do tempo que passava ali; lendo, mergulhado nas páginas de um bom livro.
Perdeu-se nas lembranças para depois pousar na realidade.
Não, definitivamente não era uma lembrança útil para o fantasma. Não dos tempos que fez, quando criança, daquele espaço seu refugiu.
Andou pelo lugar, correu seu dedos pelas muitas lombadas expostas dos diversos livros. Pensou em Camila; pensou no quanto ela iria adorar estar ali; pensou que se estivesse vivo, daria aquele local para sua amada.
Então, Varuna sonhou. Em seus sonhos, os dois iriam sentar pertinhos, acomodados no grande sofá e cada um, com o livro de sua escolha, mergulhariam em muitas estórias, construindo a deles. Seria um momento para enquadrar e pendura na parede da memória.
Ele olhou entristecido para as suas mãos; mãos que há pouco tocaram o corpo da sua amada. Varuna sabia que esse sonho ficaria guardado com ele, nunca seria concretizado.
Fugindo da tristeza que ameaçava esmagar a felicidade de ser aceito por Camila, resolveu ficar com as memórias do tempo que lia bons livros, dos momentos que seus dedos carnais tocaram cada página, das viagens que fez sem sair do lugar.
No fundo, o morto apaixonando queria levar sua bela amada para qualquer lugar onde o véu que separa os mundos não existisse; pensou no chalé da família situado nas montanhas do norte da Geórgia.
Talvez lá, ele conseguisse fazer um r***o no tecido do espaço-tempo e desta forma provaria da vida ao lado da garota incrível que surgiu em seu caminho tétrico. Camila era uma mulher real, completa e não um conceito abstrato de mulher.
Na concepção de Varuna, e devo ressaltar que concordo com ele, Camila era bonita, tão bonita. E tão, tão carinhosa que o espectro via-se preso a jovem como o metal faz ao imã. A atração era instantânea.
O fractal gostava de observá-la debaixo de um céu violeta, com uma flor enfeitando os cabelos de tom castanho da bela jovem ; era como ter recebido um soco no peito: perdia o que não tinha: fôlego. E tudo tornava-se irrevogável, um maldito desastre para o espectro que não podia sentir com um coração feito de carne, mas sentia com o coração espectral que tinha no meio do seu corpo imaterial.