Visão de Claire
Tudo aquilo estava mexendo comigo. Não sei de onde surgiu aquele "brutamontes", mas uma coisa eu não poderia negar: a tia de Misha estava por trás de tudo o que acontecera com ele. Se bem que já era esperado, já que Misha havia comentado comigo que tinha receio disso e ele estava certo.
O mais intrigante era que o "brutamontes" e Misha se conheciam e pareciam dois irmãos conversando.
— De onde exatamente vocês se conhecem? – perguntei eufórica, querendo saber dos detalhes.
Os dois pararam de conversar e me olharam espantados.
— Numa situação como essa e você querendo saber como nos conhecemos? – perguntou Joshua, rindo.
— Qual é? – protestei. – Estou realmente curiosa.
— Sério, Claire? Agora? – perguntou Misha, franzindo o cenho.
— Querem que eu desenhe? – perguntei, de braços cruzados.
— Ela parece brava. Está com o olhar parecido com o da sua tia. – observou Joshua.
— E qual é o olhar da minha tia? – Misha perguntou, confuso.
— Quando ela me olha dessa forma, já sei que quer me "matar".
— Devo dizer que realmente faz sentido o que você acabou de falar. – Misha concordou com ele.
— É, amigo, você está "lascado" se não contar o que ela quer saber. – aconselhou Joshua.
— Aff... Vocês sabiam que eu ainda estou aqui e estou escutando tudo? – perguntei, irritada.
— Tudo bem, eu conto, mas antes quero tomar um café. Podemos? – disse Joshua.
— Claro, só me siga porque realmente quero saber tudo, inclusive como encontrou Misha aqui. – disse eu, caminhando em direção à casa.
Joshua engoliu em seco e com muito esforço começou a seguir Claire.
Até aquele momento, ninguém se lembrara que o doutor tinha ficado preso no carona porque Misha se encostara na porta, trancando-o lá.
— Misha, será que você consegue abrir a porta para mim? – gritou Eduard.
— Será mesmo que eu preciso abrir? – sorriu Misha, de forma maquiavélica.
— Você não vai ser mau comigo e me deixar preso aqui, né? – disse Eduard, implorando.
— Quem manda deixar a chave do carro cair? Sabe o pior... É que esses carros modernos travam as portas automaticamente. – disse Misha, girando a chave no dedo.
— Misha... Por favor, não me deixe aqui. Estou com fome. – disse Eduard, fazendo a cara de um certo gato das histórias infantis.
— Ok, vou te tirar daí... Só o fato de ver você com cara de desespero já é o bastante para mim. – disse Misha, abrindo a porta do carro.
— Como você é mau comigo. – reclamou Eduard.
— Como é? Quer voltar para lá?
— Não, não... Misha, amigo de Eduard. – disse Eduard, parado em frente a Misha, tocando nele como se Misha não falasse a língua dele.
Não preciso nem dizer que Misha caiu na risada. Chegou a sentar no chão de tanto que riu da cara de Eduard.
— Misha? – falei, chegando e presenciando a cena.
Misha enxugou as lágrimas, se levantou, respirou fundo e me encarou.
— Diga, Claire, sou todo ouvidos. – disse ele, segurando-se para não rir.
— Você estava torturando o Eduard, né?
— Quem? Eu? Que calúnia. – disse ele, rindo novamente.
— Claire, ele abriu a porta do carro para mim. – disse Eduard, meio amuado.
— Ele abriu? – perguntei, surpresa.
— Sim, eu abri. Ele deixou a chave cair antes de entrar no carro, e o carro travou as portas. – disse Misha, tentando se recompor.
— Como você não o deixou lá? Pensei que o odiasse.
— Doutor, é fato que ainda não gosto de você, mas não o deixaria trancado por isso. – disse Misha.
— Inacreditável... Se fosse eu, com certeza o deixaria ali. – falei, rindo.
— Claire, como você é má. – protestou Eduard.
— Bom, vamos logo comer, já que Claire quer fuçar no meu passado (do qual ela não participou). – disse Misha, caminhando em direção à casa.
— Vamos, doutor, ou você quer ficar para trás? – falei, rindo, seguindo Misha.
— Não, eu vou! Estou logo atrás de vocês. – disse ele, correndo para nos alcançar.
Chegamos à casa, na sala de jantar, e Joshua já estava tomando seu café em uma xícara de chá com pires, segurando a xícara apenas com dois dedos (polegar e indicador) e os demais levantados. Não pude conter o riso, confesso.
— Até que enfim vocês chegaram. Não gosto de tomar café sozinho. – resmungou Joshua.
— O doutor aí ficou preso dentro do próprio carro porque deixou a chave cair antes de entrar. – disse Misha.
Joshua estava tomando café na hora e engasgou com o que acabara de ouvir. Assim que se recompôs, caiu na risada.
— Poxa, até você rindo de mim? – disse Eduard, desanimado.
— Desculpa, mas foi engraçado. – justificou Joshua.
Todos sentaram para comer e tomar café, pois o dia tinha sido exaustivo e, por incrível que pareça, ninguém havia se matado (ainda).
— Então... – comecei. – Como vocês dois se conheceram? – fui direto ao assunto.
— Claire, há uns anos, eu não sabia da existência de Misha porque, como minha chefe havia o expulsado quando ainda era novo, nesse período, eu não havia sido contratado. – disse Joshua, fazendo uma pausa para bebericar o café.
— Porém, quando eu saí daqui para reivindicar o que era meu, ele acabou me conhecendo porque meus tios me chamaram até a minha "antiga" casa para conversarmos, ou melhor, me ameaçar. – disse Misha.
— Eu o recebi bem porque sou cordial e elegante, mas Joyce não gostou nem um pouco e acabei recebendo punição por isso. – disse Joshua.
— Entendi, mas Joshua, por que você ainda trabalha para Joyce, se ela o trata tão m*l? – perguntei, Claire.
— É o que eu fiz a maior parte da minha vida, mas não sei bem porque ainda continuo com ela... Sou fiel, mas confesso que nunca havia pensado que ela me tratava m*l.
— Você é a única pessoa que eu considero de lá. – disse Misha.
— Você me considera? Por quê?
— Porque foi você quem me ajudou a me estabelecer na cidade, arrumou um local para eu ficar e me deu uma refeição divina quando eu retornei, mesmo após meus tios te punirem.
— Você ainda lembra disso? – disse Joshua, emocionado.
— Joshua, sabemos que você é diferente dos capangas da minha tia, não quer trabalhar para mim? – perguntou Misha.
— Você me aceitaria do jeito que eu sou? Porque sua tia diz sempre que eu não presto para nada.
— E você acredita? – respondeu Misha, fazendo uma pausa. – Se isso fosse realmente verdade, eu te convidaria para trabalhar comigo?
— Acredito que não, você não é de esconder o que pensa.
— Exatamente! – disse Misha.
— Então, quer dizer que o Misha realmente não gosta de mim? – falou Eduard, desolado.
— Muita calma nessa hora... Eu não gosto muito de você porque você dava em cima da mulher que eu amo. Fez isso na minha frente, inclusive. – Misha se defendeu.
— Sem contar que é um chato e eu só tolerei esses anos todos porque é o único veterinário na cidade que faz visita. – disse Claire.
— Não entendo... Ninguém nunca me falou isso antes, sou popular entre as mulheres. – Eduard se defendeu.
— Então, por que está perdendo tempo conosco, se tem pessoas que gostam de você e não falam o que pensam? – falou Claire, sarcástica.
— Touché... Pergunta esmagadora. – falou Joshua.
— Faz sentido... Desculpa, pessoal, por eu não ter visto isso antes. – Eduard se retratou.
— Tudo bem. – disseram eu e Misha ao mesmo tempo.
— Agora, voltando ao assunto... Então, Joshua, o que você decidiu? – perguntei, ansiosa.
— Claire, eu não quero incomodar... Não tenho nem onde ficar.
— Pode ficar aqui conosco. Eu não me importo, ainda mais por saber que você cuidou de Misha na cidade. – sorri. – Quer fazer parte da família? Será bem-vindo.
— Vamos, homem! Diga que sim. – falou Misha.
— Ok, vocês me venceram. Eu vou ficar! – concordou Joshua.