(Continuação)
" Tudo me lembra você o céu e cada amanhecer. Tudo me lembra você por que não aprendi a te esquecer. "
Por: Pietro.
A casa estava lotada, muitos nos olhavam com desconfiança, outros nos distribuíam sorrisos falsos de alegria ao presenciar nossa chegada.
Caminho pelo gramado tendo meus primos por perto. Andrea me avista e seu sorriso se alarga. A loira vem andando em minha direção, seu vestido longo de tonalidade marsala exibe suas curvas a cada pequeno movimento que faz.
_ Que bom que chegou, amor, estava pensando que não vinha. Meu pai já perguntou diversas vezes por você. - diz ao se aproximar.
A plena verdade é que, por minha vontade, eu estaria bem longe daqui. Todavia, esse nosso enlace é muito mais do que um simples casamento; na verdade, é um elo de paz e comunhão entre duas máfias: a Cosa Nostra e a Ndrangheta.
Nós, pertencentes ao submundo, somos produtos usados em trocas comerciais. Tudo aqui gira em torno disso: alianças, dinheiro, vantagens e muitas outras coisas que nem faço questão de citar. Nesse "mundo" obscuro, os corações são anulados, sonhos roubados, destinos determinados e vidas decididas. Você vive não por suas vontades, mas sim pelas regras impostas. Você é cunhado, polido e recebe uma numeração que varia de acordo com a qual família você pertence. Somos moedas vivas e anuladas, fundidas em todo o caos que permeia o lado sombrio dessa vida nada fácil, mas que quem está de fora acha atrativa.
As pessoas têm que entender que poder e dinheiro são uma combinação destrutiva, uma barganha que se faz com as entidades das sombras, onde o valor cobrado é muito alto, muito alto mesmo: a sua alma.
Muitos de nós sequer têm uma alma, somos apenas corpos andando por esta Terra, sendo habitados por seres intrusos, os tão famigerados demônios que muitos temem.
Somos lobos disfarçados de cordeiros, atraentes e perigosos, a personificação da crueldade que põe fim à existência de qualquer um que se desviar dos caminhos que impomos. Estamos espalhados pelo mundo, fazendo parte do alto escalão, comandando com mãos de ferro a massa de manobra que é a população "normal" que vive sua vida simples e cotidiana.
Não tenho orgulho do que sou, do que me tornei. Sei que o tártaro, comumente conhecido como inferno, está reservado para mim. Não vou ser hipócrita e dizer que não aprecio o que faço, porque aprecio. Gosto de ver o medo nos olhos dos outros, do barulho das minhas ferramentas cortando a carne, dos gritos agonizantes, dos pedidos desesperados de piedade e de decidir com qual velocidade uma vida vai ser esvaida de um determinado corpo.
_ Imprevistos, querida. - falo, estendendo a sacola em sua direção. - Espero que goste. - falo, vendo a loira abrir o presente.
_ Lindo, meu amor! - diz, me dando um selinho.
_ Onde podemos sentar?- Vicenzo pergunta.
_ A mesa ao lado das dos meus pais está reservada para vocês, uma pena meu cunhado não poder comparecer. - expressa enquanto olha a pulseira.
_ Graziela não está se sentindo bem.- invento uma desculpa.
Vittorio não veio porque está acompanhando de perto o treinamento dos soldados em Ferrata Del Caldanello, no Ramo Imperiale, com certeza o p*u estava torando no meio daqueles paredões rochosos.
_ Nossa, desejo melhoras para ele. Talvez seja uma surpresa a caminho. - diz, revirando os olhos.
_ Como assim? - Matteo indaga, levantando uma sobrancelha.
_ Isso mesmo, crianças, gestação, essas coisas que mexem com o corpo feminino e com a beleza da mulher. Não gosto nem de pensar nisso. - diz, fechando o estojo onde o presente que dei a ela se encontra.
Ouvi-la falar em filhos fez um gosto amargo surgir em minha boca. Ninguém tinha conhecimento de que tanto Vittorio quanto eu somos dois varões estéreis. Meu irmão planejava engravidar a esposa no primeiro trimestre de casados, porém foi pego numa emboscada que quase ceifou sua vida e lhe tirou todas as chances de produzir um herdeiro.
_ Estamos indo nos sentar, Pietro. - avisa Matteo. No entanto, o que ele quer me transmitir é que vai sondar o terreno.
Apenas assinto e volto meu olhar para Andrea, que não tira os olhos de mim.
_ O estilista já está confeccionando o meu vestido. Temos que fazer a degustação do que vamos servir na nossa festa.
Tenho vontade de me virar e deixar a mulher falando sozinha. Eu não queria saber de nada que se resumisse a esse matrimônio. Somente a tomaria como esposa por uma obrigação que tenho com a organização.
_ Faça tudo a seu gosto. Meu tempo é dispendioso para ficar experimentando comidas e escolhendo doces - manifesto-me.
_ Que seja. Aviso que não pouparei gastos, quero tudo perfeito como eu mereço. Toda a Sicília vai parar no dia do meu casamento na Catedral de Monreale.- expressa sem esconder o tom de superioridade em sua voz.
_ Certo, Andrea, agora posso me sentar e beber alguma coisa? - pergunto, com a irritação se construindo em mim.
_ Sim, amor, vamos! - diz, girando nos calcanhares e passando na minha frente, rebolando a b***a empinada.
A filha do consigliere do Don da Cosa Nostra, não esconde sua futilidade. Olho para suas roupas sofisticadas, seus saltos de marcas e os brilhantes que compõem a pulseira presa entorno do seu pulso. A composição perfeita da exibição .
_ Apreciando sua noiva, meu genro.- a voz de Bellomo Ricci, soa atrás de mim.
Me viro para o homem que segura um copo de bebida na mão esquerda enquanto a direita está dentro do bolso da calça.
_ Estou fazendo m*l?
_ Não, é bom saber que seus olhos enxergam apenas a minha pedra preciosa.- fala me fitando com certo interesse.
"Se ele soubesse da verdade, não estaria falando tal coisa."- penso.
O tempo transcorre conforme meu tédio cresce. Fico na fissura para dar um trago, buscar alívio para os meus nervos abalados depois de constatar que sinto falta da brasileira. Balanço a bebida em meu copo, vendo o gelo girar, dou uma golada no líquido, meu paladar, capta as notas de banana e baunilha dominante, além do sabor defumado proveniente da tosta do barril em que o whiskey Jack Daniels foi envelhecido.
Faz algum tempo que Matteo e Vincenzo estão dentro da casa dos Ricci, executando a tarefa ordenada. Algo que , no meu ver é rápido de se resolver, no entanto parece que dos dois se perderam dentro do imóvel.
" Cadê vocês, cazzo!"- falo mentalmente.
Levanto e me afasto da multidão, sigo para a lateral esquerda da casa, buscando um lugar livre da presença dos convidados para poder fazer contato com os estúpidos que estavam demorando uma eternidade para retornarem.
Pego o celular do bolso da minha calça e inicio a chamada.
A demora de Matteu para atender a bosta da ligação deixa meus nervos agitados.
_Fala!- diz arfando.
_ Precisamos ir. - falo, fitando o jardim iluminado à minha frente.
_ Só... aí, p***a, isso é gostoso. Nossa, que delícia.- meu primo fala para alguém.
Aquilo não podia ser o que eu acho que é.
_ Que p***a vocês estão fazendo? - brado entre dentes.
_ Só mais cinco minutos, Pietro, e estaremos aí. - escuto a voz de Vincenzo ao longe, junto com gemidos e barulhos de corpos em plena cópula.
Encerro a ligação querendo arrancar a p***a dos paus daqueles dois pervertidos.
Não era hora de trepar e muito menos na casa de um m****o da Cosa Nostra.
Os putos estavam fodendo em pleno serviço, era uma merda.
Cruzei os meus braços observando a grande extensão verdejante bem na minha frente, salpicada por flores.
"Ela gosta dessas coisas coloridas", penso.
Aperto o celular em minha mão, olho para o aparelho e deslizo meu dedão pela tela. Trago o aparelho para perto do meu rosto, entro numa aba das redes sociais da garota e engulo em seco ao ver sua foto de perfil. Toco em cima dela e a sua imagem toma a tela inteira. Sinto meu peito arder, meu estômago revirar.
Saio da aba e enfio o celular no bolso caminho para longe do local que me fez recordar dela, vou a procura de uma bebida forte, precisando intorpecer a sensação angustiante que domina meu interior.