A benção de meu pai.

1265 Words
Não encontrávamos ela em lugar nenhum. Redes sociais, telefone, tudo apagado, desativado. Ela tinha sumido. Eu estava fora de mim, andando em círculos. Carlos Eduardo me segurou pelos ombros. — Cara... escuta meu conselho, se você deixar a poeira baixar... ela vai voltar. Ela só tá p**a, chateada. Você mesmo não deixou claro que faria por causa do filho? Então deixa esse casamento passar. Depois você fala com a Liana, deixa claro que foi pelo filho, e aí você vai atrás dela. — Eu posso perder ela de vez! minha voz saiu rouca, sem ar, cheia de fúria e desespero. Ele balançou a cabeça, firme. — Não vai, Edgar. Se ela tá fazendo isso é porque sabe que no fundo ela vai ceder. Você é o ponto fraco dela. Só deixa esfriar a cabeça. Ela vai voltar. Eu ri sem humor, sem forças. Atravessei a sala e fui até a adega. Peguei uma garrafa, depois outra. — Minha vontade é largar tudo... murmurei, exausto, a voz falhando. Eduardo me seguiu, batendo no meu ombro. — Eu sei que é barra o que você tá passando. Mas eu tô aqui, cara. Afoga essa dor, esfria a cabeça. Vai dar certo. Só espera. E eu esperei. Esperei com a boca grudada em garrafas, engolindo fogo líquido até não sentir mais nada. Capotei no sofá, a mente escura, pesada. ... Acordei com uma voz abafada ao fundo. Era Eduardo ao celular. — Relaxa, ele tá aqui comigo. Fala pro pessoal ai que ele não vai sair daqui... Só bebeu, nada de mais. Abri os olhos devagar. O celular estava no chão, meu braço jogado pro lado. Alcancei o aparelho e vi as horas: já passava do meio-dia. Ouvi outra voz, um pouco distante. — Eu também, princesa... mais tarde eu passo aí, dou um oi pro sogrão e a gente fica juntos. Previ que fosse minha irmã no telefone, desesperada por notícias. Não liguei. Só desbloqueei o celular e procurei por Clarisse. Nada. Nenhum perfil. Nenhuma foto. Nenhuma lembrança. Disquei seu número. Uma notificação seca me atravessou como faca: “Este número foi desativado.” Bufei, passei as mãos pelo rosto. A ressaca latejava, partindo minha cabeça ao meio. Eduardo surgiu, cruzando os braços. — Tua irmã ligou. Todo mundo tá uma pilha. Que estrago sua garota fez. Levantei o olhar, pesado, e soltei entre dentes: — Eu quero que todos vão se ferrar. Ele negou com a cabeça. — Vai, levanta. Toma um banho. Eu não vou te dar banho, não. falou sério, mas tentando quebrar meu torpor. Resmunguei, mas ele me arrastou até o banheiro. — Tu tá fedendo, cara. Acabou com quase todas as minhas garrafas. — Eu compro mais. Dinheiro nunca foi problema nessa merda. murmurei, tropeçando. Ele me jogou debaixo do chuveiro, e eu fiquei ali, sem forças, apenas deixando a água escorrer. ... Depois do banho, me joguei na cama e apaguei de novo. Quando despertei, a voz dela ecoava pela casa. Minha irmã. — Ele quer cancelar o casamento? Mas por quê? Ele nunca foi assim, Edu... — Ele encontrou alguém... Eduardo respondeu, baixo. — Quem? — Clarisse. Você já ouviu falar dela? Um silêncio pesado, depois o choque: — Meu Deus... não foi a garota que a Lívia fez ele deixar pra trás? — Essa mesma. — Então é por isso... você acha que ele não vai pro casamento? Levantei devagar, indo até eles. Ambos se calaram quando me viram. Minha irmã tentou mudar o tom. — Você acordou! Que susto você me deu, Edgar... Ignorei. — Cancelaram o casamento? Ela olhou pro Eduardo, depois de volta pra mim, e negou. — Não... eles estão esperando você. Passei a mão pelo rosto, cansado, derrotado. — Então é um nome que eles querem? Um papel assinado? Ok. Mas não vão ter nada além disso. — Edgar... minha irmã se aproximou, a voz trêmula. — Eu nem sei o que pensar. Imagino como tá sendo difícil pra você. Mas ela tá esperando um filho seu... e ela ficou lá, quando você definhava. Eu sei que você não a ama, sempre foi claro. Só... não deixa ela passar pelo constrangimento de ficar sem o noivo no altar. Suspirei, pesado. Ela tocou meu rosto, com ternura. — Mas eu tô aqui. Pro que você escolher. Sempre vou estar. Abracei ela, apertando, sentindo o peito quebrar em pedaços. — Obrigado. Ela sorriu fraco, afastando. E eu fiquei ali, carregando o peso de um futuro que não era o meu. .... Quando eu cheguei, parecia que a casa inteira exalava alívio. Sorrisos ensaiados, mãos que se soltavam, como se eu tivesse apagado uma chama só por pisar no tapete. A mãe da Liana vinha até mim com aquele ar de regozijo: — Você chegou! Vou avisar a Liana. Ela estava ansiosa. Mas antes de ir ela olha em volta. — Cadê o Gusmão? Ele precisa levar ela pro altar! Ela se afastou apressada. Minha mãe se aproximou com seu ar de arrogância e ignorância de sempre. — Você fez a escolha certa meu filho. A raiva me subiu no instante. Olhei pra ela com desprezo gelado. — Que essa seja a última vez que você se dirige a mim. falei curto. — Porque da próxima eu não vou responder. Você deixou de ser minha mãe faz tempo. Ela ficou muda por um segundo, a face esticada. Me afastei. Não queria aquele veneno perto de mim agora. Vi meu pai encostado num canto, as mãos juntas, como se rezasse a própria paciência. Fui até ele. Ele estava olhando para o altar gigantesco, silencioso, indiferente. Enquanto o resto do mundo corria. Parecia controlar a respiração para não me sufocar. — Eu soube que você achou ela. ele disse, fraco. Enchi o peito de ar, tentando conter o que vinha. — Vai mesmo... casar com a Liana? Sua voz saiu confusa. — Ela está grávida, pai. falei, porque a verdade precisava sair. Ele me olhou com um cansaço que conhecia bem. — Eu já errei contigo uma vez, filho. Podia ter feito mais. Cedi à tua mãe. Vivi uma vida infeliz por status. Mas aprendi tarde que é possível reparar. E aí, como quem entrega uma tábua de salvação, tirou do bolso um papel. — Seu amigo me disse que você tentou achar ela de novo. Ele suspirou. — Dessa vez... eu consegui. Minhas mãos tremiam quando peguei o papel. Um endereço escrito à mão. Era como se o mundo tivesse me oferecido uma porta aberta. — Não escolha ser infeliz. meu pai falou baixo. — Você ainda vai ser pai desse filho, estando ou não com a liana, Já a vida, ela passa rápido. Não pensei, só abracei ele com a mesma admiração que eu tinha quando era só aquele moleque. Ele me abraçou com força, bateu nas minhas costas num gesto de conivência e coragem. — Vai ser feliz, meu filho. As palavras me colaram lágrimas nos olhos. Balancei a cabeça, seco, e saí. Me afastando em passos largos, o peito ardendo, uma euforia incontrolável. Os convidados entrando e eu indo em direção a saída. — Aonde você vai? Minha mãe me chamou, a voz tentando retomar o controle do reino. Mas se quer lhe dei ouvidos. Atravessei o corredor com passos largos. Não olhei para a cara de pavor da mãe da Liana, para as bocas que sussurravam. Abri a porta do carro com as mãos que tremiam por dentro e entrei. Liguei o carro, e senti o peito queimando como se algo tivesse sido arrancado. mas eu não vou perder dessa vez, não vou. .....
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