Não encontrávamos ela em lugar nenhum. Redes sociais, telefone, tudo apagado, desativado.
Ela tinha sumido.
Eu estava fora de mim, andando em círculos. Carlos Eduardo me segurou pelos ombros.
— Cara... escuta meu conselho, se você deixar a poeira baixar... ela vai voltar. Ela só tá p**a, chateada. Você mesmo não deixou claro que faria por causa do filho? Então deixa esse casamento passar. Depois você fala com a Liana, deixa claro que foi pelo filho, e aí você vai atrás dela.
— Eu posso perder ela de vez!
minha voz saiu rouca, sem ar, cheia de fúria e desespero.
Ele balançou a cabeça, firme.
— Não vai, Edgar. Se ela tá fazendo isso é porque sabe que no fundo ela vai ceder. Você é o ponto fraco dela. Só deixa esfriar a cabeça. Ela vai voltar.
Eu ri sem humor, sem forças. Atravessei a sala e fui até a adega.
Peguei uma garrafa, depois outra.
— Minha vontade é largar tudo...
murmurei, exausto, a voz falhando.
Eduardo me seguiu, batendo no meu ombro.
— Eu sei que é barra o que você tá passando. Mas eu tô aqui, cara. Afoga essa dor, esfria a cabeça. Vai dar certo. Só espera.
E eu esperei.
Esperei com a boca grudada em garrafas, engolindo fogo líquido até não sentir mais nada.
Capotei no sofá, a mente escura, pesada.
...
Acordei com uma voz abafada ao fundo.
Era Eduardo ao celular.
— Relaxa, ele tá aqui comigo. Fala pro pessoal ai que ele não vai sair daqui... Só bebeu, nada de mais.
Abri os olhos devagar.
O celular estava no chão, meu braço jogado pro lado. Alcancei o aparelho e vi as horas: já passava do meio-dia.
Ouvi outra voz, um pouco distante.
— Eu também, princesa... mais tarde eu passo aí, dou um oi pro sogrão e a gente fica juntos.
Previ que fosse minha irmã no telefone, desesperada por notícias.
Não liguei.
Só desbloqueei o celular e procurei por Clarisse. Nada.
Nenhum perfil. Nenhuma foto. Nenhuma lembrança.
Disquei seu número. Uma notificação seca me atravessou como faca: “Este número foi desativado.”
Bufei, passei as mãos pelo rosto. A ressaca latejava, partindo minha cabeça ao meio.
Eduardo surgiu, cruzando os braços.
— Tua irmã ligou. Todo mundo tá uma pilha. Que estrago sua garota fez.
Levantei o olhar, pesado, e soltei entre dentes:
— Eu quero que todos vão se ferrar.
Ele negou com a cabeça.
— Vai, levanta. Toma um banho. Eu não vou te dar banho, não.
falou sério, mas tentando quebrar meu torpor.
Resmunguei, mas ele me arrastou até o banheiro.
— Tu tá fedendo, cara. Acabou com quase todas as minhas garrafas.
— Eu compro mais. Dinheiro nunca foi problema nessa merda.
murmurei, tropeçando.
Ele me jogou debaixo do chuveiro, e eu fiquei ali, sem forças, apenas deixando a água escorrer.
...
Depois do banho, me joguei na cama e apaguei de novo.
Quando despertei, a voz dela ecoava pela casa. Minha irmã.
— Ele quer cancelar o casamento? Mas por quê? Ele nunca foi assim, Edu...
— Ele encontrou alguém...
Eduardo respondeu, baixo.
— Quem?
— Clarisse. Você já ouviu falar dela?
Um silêncio pesado, depois o choque:
— Meu Deus... não foi a garota que a Lívia fez ele deixar pra trás?
— Essa mesma.
— Então é por isso... você acha que ele não vai pro casamento?
Levantei devagar, indo até eles.
Ambos se calaram quando me viram.
Minha irmã tentou mudar o tom.
— Você acordou! Que susto você me deu, Edgar...
Ignorei.
— Cancelaram o casamento?
Ela olhou pro Eduardo, depois de volta pra mim, e negou.
— Não... eles estão esperando você.
Passei a mão pelo rosto, cansado, derrotado.
— Então é um nome que eles querem? Um papel assinado? Ok. Mas não vão ter nada além disso.
— Edgar...
minha irmã se aproximou, a voz trêmula.
— Eu nem sei o que pensar. Imagino como tá sendo difícil pra você. Mas ela tá esperando um filho seu... e ela ficou lá, quando você definhava. Eu sei que você não a ama, sempre foi claro. Só... não deixa ela passar pelo constrangimento de ficar sem o noivo no altar.
Suspirei, pesado.
Ela tocou meu rosto, com ternura.
— Mas eu tô aqui. Pro que você escolher. Sempre vou estar.
Abracei ela, apertando, sentindo o peito quebrar em pedaços.
— Obrigado.
Ela sorriu fraco, afastando.
E eu fiquei ali, carregando o peso de um futuro que não era o meu.
....
Quando eu cheguei, parecia que a casa inteira exalava alívio.
Sorrisos ensaiados, mãos que se soltavam, como se eu tivesse apagado uma chama só por pisar no tapete.
A mãe da Liana vinha até mim com aquele ar de regozijo:
— Você chegou! Vou avisar a Liana. Ela estava ansiosa.
Mas antes de ir ela olha em volta.
— Cadê o Gusmão? Ele precisa levar ela pro altar!
Ela se afastou apressada.
Minha mãe se aproximou com seu ar de arrogância e ignorância de sempre.
— Você fez a escolha certa meu filho.
A raiva me subiu no instante.
Olhei pra ela com desprezo gelado.
— Que essa seja a última vez que você se dirige a mim.
falei curto.
— Porque da próxima eu não vou responder. Você deixou de ser minha mãe faz tempo.
Ela ficou muda por um segundo, a face esticada. Me afastei.
Não queria aquele veneno perto de mim agora.
Vi meu pai encostado num canto, as mãos juntas, como se rezasse a própria paciência.
Fui até ele.
Ele estava olhando para o altar gigantesco, silencioso, indiferente.
Enquanto o resto do mundo corria. Parecia controlar a respiração para não me sufocar.
— Eu soube que você achou ela.
ele disse, fraco.
Enchi o peito de ar, tentando conter o que vinha.
— Vai mesmo... casar com a Liana?
Sua voz saiu confusa.
— Ela está grávida, pai.
falei, porque a verdade precisava sair.
Ele me olhou com um cansaço que conhecia bem.
— Eu já errei contigo uma vez, filho. Podia ter feito mais. Cedi à tua mãe. Vivi uma vida infeliz por status. Mas aprendi tarde que é possível reparar.
E aí, como quem entrega uma tábua de salvação, tirou do bolso um papel.
— Seu amigo me disse que você tentou achar ela de novo.
Ele suspirou.
— Dessa vez... eu consegui.
Minhas mãos tremiam quando peguei o papel.
Um endereço escrito à mão.
Era como se o mundo tivesse me oferecido uma porta aberta.
— Não escolha ser infeliz.
meu pai falou baixo.
— Você ainda vai ser pai desse filho, estando ou não com a liana, Já a vida, ela passa rápido.
Não pensei, só abracei ele com a mesma admiração que eu tinha quando era só aquele moleque.
Ele me abraçou com força, bateu nas minhas costas num gesto de conivência e coragem.
— Vai ser feliz, meu filho.
As palavras me colaram lágrimas nos olhos.
Balancei a cabeça, seco, e saí.
Me afastando em passos largos, o peito ardendo, uma euforia incontrolável.
Os convidados entrando e eu indo em direção a saída.
— Aonde você vai?
Minha mãe me chamou, a voz tentando retomar o controle do reino.
Mas se quer lhe dei ouvidos.
Atravessei o corredor com passos largos. Não olhei para a cara de pavor da mãe da Liana, para as bocas que sussurravam.
Abri a porta do carro com as mãos que tremiam por dentro e entrei.
Liguei o carro, e senti o peito queimando como se algo tivesse sido arrancado.
mas eu não vou perder dessa vez, não vou.
.....