Eu sei o que eu quero, e nada me dirá ao contrário.

1048 Words
Saí dali com o coração prestes a explodir dentro do peito. Cada passo longe dele parecia errado, mas necessário. Eu sabia que era um erro, talvez o maior de todos e ainda assim, não conseguia sufocar a euforia que me invadia. Ele disse que me amava. Mesmo com tudo contra, mesmo com o mundo inteiro dizendo que não, mesmo com a realidade gritando que aquilo era o fim... eu deixei. Deixei que cada gota daquele sentimento fosse explorada, que cada palavra dele se infiltrasse em mim como veneno doce. Entrei no carro trêmula. Enchi o peito de ar, segurei um instante e soltei como se fosse a única forma de não desabar ali mesmo. Um sorriso torto escapou sem permissão e, com a ponta dos dedos, toquei meus lábios. Ainda estavam quentes. Ainda eram dele. As lembranças queimavam na minha pele. O jeito como ele me tocou, como me tomou, como se nada no mundo pudesse existir além de nós dois. Aquilo não podia ser sujo. Não podia ser errado. Era nosso. Desde sempre foi nosso. Mesmo que a realidade fosse c***l, mesmo que estivesse fadada ao fim, eu sabia a verdade: se ele me chamasse de novo, eu iria. Sem hesitar. Suspirei, voltei para o presente e liguei o carro. A estrada até em casa passou embaçada pelos pensamentos que não me deixavam em paz. Quando estacionei e entrei, encontrei Donna almoçando na cozinha, falando com a boca cheia. — O que você está fazendo aqui? Não ia almoçar com o Gusmão? perguntou, surpresa. Joguei minha bolsa no sofá e me deixei cair, exausta e elétrica ao mesmo tempo. Fechei os olhos e suspirei fundo, um sorriso bobo tomando conta do meu rosto. Donna largou o garfo, me observando com aquela cara desconfiada. — Que passarinho foi esse que cantou pra você? Abri os olhos devagar, encarando ela. — Ele disse que ainda me ama. Ela arregalou os olhos, mastigando devagar. — O quê? O Gusmão? Balancei a cabeça, negando, com aquele mesmo sorriso que eu tentava esconder, mas não conseguia. O olhar dela mudou na hora. Entendeu. — Você encontrou o Edgar... Assenti. Ela ficou chocada, quase sem palavras, e correu pra se sentar ao meu lado. — Aonde foi isso? Como? Eu tô perdida. Ele tá te seguindo, é isso? Contei tudo. Do começo ao fim. Cada detalhe, cada palavra, cada toque. Enquanto eu falava, a cara dela ia mudando de impressionada a surpresa, de surpresa a preocupada. E então, como quem solta a pior parte só no final, deixei escapar: — Eu achei que ele tava confuso por causa de mim... pelo que eu faço agora, por eu ser acompanhante. Mas não. É porque... a noiva dele tá grávida. Donna travou. — Grávida? repetiu, sem acreditar. Eu assenti, sentindo a dor voltar a morder minha alegria. — E você fala isso com a maior naturalidade de mundo? Só pode está anestesiada. Ela balançou a cabeça, mas logo suspirou fundo, segurando minha mão. — Eu gosto de te ver assim, de verdade... Não quero ser aquela pessoa que joga o balde de água fria Clarisse, mas isso é preocupante. O que você vai fazer agora? Vai ser amante dele? — Não! respondi rápido, quase irritada. — Vai ser a mesma coisa que é pro Gusmão? Com o casamento de faxada dele pra filha? Não acha que está cometendo o mesmo erro? Meu coração ardeu a cada palavra dela. — Eu não quero pensar nisso agora. Não agora Donna.. Ela suspirou me olhando como uma mãe olha pra filha, quando sabe que ela vai se machucar, depois de avisar não suba mais alto ou cairá. — Não vou matar o resto do que ainda me permite sonhar... Ela apertou minha mão de volta, os olhos cheios de pena, mas também de realidade crua. — O problema dos sonhos, Ise... é que o acordar sempre chega. E o seu tem dias contados. Engoli em seco, sentindo as palavras dela me atravessarem como lâmina. Ela tinha razão. Mas, naquele instante, eu ainda queria dormir mais um pouco no sonho. ..... EDGAR: Fiquei parado, olhando a porta se fechar atrás dela, como se aquele único som fosse a sentença da minha vida. O silêncio que ficou no escritório era ensurdecedor. Meu corpo ainda estava quente dela. Minha boca ainda ardia pelo gosto, minhas mãos ainda tremiam por tê-la sentido de novo, por ter me afogado nela como se não houvesse amanhã. E, de certa forma, não havia. Me encostei na mesa, respirando pesado. O cheiro dela estava em mim, impregnado na pele, queimando como uma marca que eu nunca conseguiria apagar. "Eu te amo." As palavras saíram de mim antes que eu pudesse pensar. Mas eram a única verdade que restou, mesmo quando todo o resto era mentira. A realidade era suja, c***l. Ela tinha razão em duvidar de mim. Eu estava de casamento marcado em seis dias. Seis. E, agora, além da aliança, havia uma vida em jogo. "Ela tá grávida." As três palavras que me despedaçaram por dentro, porque ao dizê-las eu não estava só confessando a ela, mas a mim mesmo, que estava preso. Que mesmo disposto a largar tudo, não havia mais como. Fechei os olhos, pressionando os punhos contra a mesa. A raiva me consumia. Raiva de mim, raiva da minha mãe, da família, de tudo que nos afastou no passado. Raiva por Clarisse ter carregado sozinha uma dor que deveria ter sido minha também. Mas, acima de tudo, raiva porque, mesmo depois de tudo, bastou um olhar dela pra eu me perder de novo. Ela tinha razão: talvez fosse só t***o, talvez só o gosto de algo que nunca deixou de ser meu. Mas não. Eu sabia. O que senti ali não era luxúria passageira. Era vício. Era amor. Era maldição. Passei a mão pelo rosto, exausto, tentando me recompor. Mas não conseguia. Eu a via em cada canto do escritório. No reflexo da mesa, no espelho da parede, no vidro da porta que ela atravessou. E então a certeza veio: Eu precisava vê-la de novo. Não importava como. Não importava o risco. Não importava a merda que eu teria que enfrentar. Ela podia tentar fugir, podia dizer que não queria... mas eu sei que ela me quer tanto quanto eu quero ela.
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