A noite caiu sobre Vila Serra em um ritmo sereno, como todas as noites naquele lugar. As luzes dos portes espalhadas pela rua principal criavam pequenos pontos dourados, refletidos nas vitrines das lojas fechadas. Da janela de seu pequeno apartamento acima da floricultura, Isabela observava um movimento quase inexistente da cidade. Mas seus pensamentos estavam a mil.
Ela fechou os olhos e recostou a cabeça no encosto da poltrona, sentindo o peso das emoções pronto. Lucas estava de volta.E, como sempre, ele trouxe consigo todas as incertezas que ela achava ter superado. Fazia tanto tempo… mas o impacto de vê-lo novamente provou que as feridas do passado talvez não estivessem tão cicatrizadas quanto pensava.
Ela se levantou e foi até a cozinha, tentando ocupar as mãos enquanto sua mente vagava. Passou água no rosto, como se isso pudesse clarear as ideias. O que ele queria? O que ele esperava ao aparecer assim, sem aviso?
A lembrança de seus olhos, do jeito como ele dissera “ sentir falta daqui” , voltava a sua mente. Não era só da cidade. Isso ela sabia. Mas será que era seguro abrir essa porta de novo?
Na manhã seguinte a vida na pequena cidade seguia seu curso habitual, Isabela abriu a loja como de costume, arrumando as flores na vitrine, organizando os pedidos de dia, mas por dentro, estava agitada, como se esperasse que a qualquer momento Lucas aparecesse de novo. Talvez para continuar a conversa. Ou talvez só para dizer o que realmente estava pensando na noite anterior.
Mas Lucas não apareceu.
O dia se arrastou em meio ao cheiro doce das flores e ao som do sino da porta abrindo e fechando para os clientes habituais. Dona Marta passou para comprar um buquê para filha. O senhor Joaquim, com seu cachorro velho, fez seu passeio matinal, como fazia todas as manhãs. Mas Lucas não estava entre eles.
A medida que o sol começava a se pôr, uma leve sensação de frustração tomou conta dela. Será que ele voltaria mesmo? Ou foi só uma visita casual? Essas perguntas a seguir até o fim do expediente.
Foi só quando ela estava trancando a porta da loja que eu ouvi uma voz familiar.
-eu disse que voltaríamos a conversar.
Ela se virou, e lá estava Lucas, encostado no poste da esquina, o sorriso leve nos lábios. A luz do fim da tarde fazia seu rosto parecia ainda mais suave, e a insegurança que ela sempre viu nele ainda estava ali, mascarada por um toque de charme que ele sempre soube usar.
-eu estava começando achar que você tinha mudado de ideia-Isabela disse, cruzando os braços, tentando manter um tom neutro.
-eu também quase achei-ele respondeu, aproximando-se devagar.
Ela deu um pequeno sorriso, sem se dar conta. Havia algo reconfortante na presença dele, mesmo com toda a bagagem emocional. Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que não podia se deixar levar tão fácil. Não dessa vez.
-Quer dar uma volta?-Ele perguntou, um pouco mais próximo agora, o suficiente para que ela pudesse sentir o cheiro familiar dele, algo que a transportou de volta para os momentos que tiveram juntos.
Isabela hesitou. O dia tinha sido longo e , de certa forma, a ideia de estar com Lucas de novo há acostumava. Mas havia uma parte dela que também queria. Queria entender o que ainda estava entre eles.
-acho que podemos fazer isso-ela disse, um leve sorriso nos lábios . E, com isso, os dois começaram a caminhar pelas ruas tranquilas da cidade, os silencio confortável se instalando entre eles, enquanto o som distante dos dos grilos parecia preencher o espaço que as palavras ainda não ousavam invadir.
As ruas de Vila Serra estavam tranquilos como sempre. O som dos passos de Isabela e Lucas e coava levemente pela calçada de paralelepípedos, interrompidos apenas pelo ocasional farfalhar das folhas das árvores. o silêncio entre eles era quase confortável, mas carregava uma atenção que ambos sentiu e evitavam.
-Ainda mora na casa antiga?-Perguntou Isabela, quebrando o silêncio.
Lucas deu de ombros, com um sorriso discreto.
-por enquanto sim. estou hospedado com meus pais até conseguir um lugar. A cidade não mudou muito, não é?
Isabela riu suavemente, o som da sua voz cortava a calma da noite.
-É-ele concordou, olhando em volta.-acho que é por isso que voltei. Preciso de um pouco dessa estabilidade. Depois de tanto tempo em São Paulo, vivendo numa correria sem fim, achei que ia voltar pra cá pudesse me ajudar a pensar melhor.
Isabela arqueou uma sobrancelha. Aquela frase era curiosa. Lucas sempre buscará algo maior, mas parecia que, depois de todo esse tempo, ele ainda estava tentando se encontrar .
-E está ajudando?-ela perguntou, observando com mais atenção.
Lucas enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta, desviando o olhar para rua à frente.
-ainda não sei. mas estar aqui… Tem me feito pensar muito sobre tudo. Sobre as coisas que deixei para trás.
Aquela frase pesou no ar. Isabela sabia que ele estava falando dela, mas não queria entrar diretamente nesse assunto ainda. Não sabia se estava pronta para essa conversa .
-acho que todos nós temos algo do passado que ainda nos persegue-disse ela, de forma vaga, tentando manter o tom leve.
Lucas parou de andar e se virou para ela, seus olhos se fixando nos dela de um jeito intenso. Era o mesmo olhar que ela lembrava de tantas noites juntos, aquele que parecia ver além das palavras, como se quisesse arrancar verdades que ela não estava disposta a compartilhar.
-E o que te persegue, Isa?-Perguntou ele, sua voz baixa e suave.
Isabela ficou em silêncio por um momento. A pergunta era direta e ela sabia a resposta, mas não estava pronta para admiti-la. Não ainda.
-Nada que eu não possa lidar-responder, desviando o olhar, tentando parecer tranquila.
Lucas deu um pequeno sorriso como se soubesse que ela estava escondendo algo, mas decidiu não pressionar. Ele continuaram andando em Silêncio por mais alguns minutos, até que chegaram à pracinha da cidade, onde um velho carrossel ainda girava lentamente, mesmo aquela hora da noite.
-Lembra do nosso primeiro encontro aqui?-Lucas perguntou, olhando para o carrossel com um brilho nostálgico nos olhos.
-claro que lembro. Você ficou o tempo todo nervoso, achando que ia dizer algo errado
-eu estava certo. Você não sabe o quanto eu tremi naquele dia.
Ela sorriu com mais sinceridade agora, a lembrança da juventude trazendo uma leveza inesperada ao momento .
-Não parecia. Eu só pensava que você estava sendo… você, meu desajeitado, mas de um jeito fofo-respondeu ela, olhando para ele de lado.
Lucas riu , o som ecoando pelo espaço aberto.
-Bom saber que eu era fofo, e não sou um desastre completo.
Por um momento, os dois ficaram em silêncio, apenas observando o carrossel girá. As lembranças eram doces, mas havia também um certo amargo nelas, porque ambos sabiam que as coisas mudaram. E ainda assim, ali estavam, juntos de novo, como se o tempo não tivesse passado.
-sabe, Isa -começou Lucas , sua voz mais seria agora- ,acho que nunca te desse o quanto me arrependi de ter ido embora daquele jeito.Na época,achei que estava fazendo a coisa certa, mas agora… não sei .Ás vezes, parece que fui um i****a .
Ele sentiu um aperto no peito ao ouvir aquilo, mas respirou fundo ao ouvir aquilo, mas respirou fundo antes de responder.
-todos fazemos escolhas erradas, Lucas. Eu entendi porque você foi. Só não sei se você entendeu.
Ele a olhou, confuso.
-entendi o quê?
-Que eu nunca quis que você fosse. Eu sempre quis que você ficasse - respondeu ela, a sinceridade dela nas palavras ecoando no ar .
Lucas pareceu observar aquilo por um momento, o silêncio entre eles mais pesado agora. Isabela olhou para ele, tentando interpretar a mistura de emoções Que viu em seus olhos. Havia arrependimento, sim, mas também havia algo mais, ao que parecia ainda não estar pronto para compartilhar.
-eu sei-foi tudo que ele disse, a voz baixa e carregada de significado.