A frase do Theo ficou parada no ar.
“A Júlia confiava nele.
E foi ele quem contou pra ela a maior mentira sobre mim.”
Eu senti meu coração bater forte, como se alguém tivesse dado um empurrão por dentro.
Theo respirou devagar, tentando manter o controle — do corpo, da voz, da lembrança.
Maria deu um passo para trás, quase sem perceber, como se entendesse que aquele momento era sensível e precisava de espaço.
Eu me aproximei um pouco do Theo, devagar, esperando ele continuar.
— Theo… que mentira foi essa? — perguntei.
Ele apoiou a mão na parede, como se precisasse de um ponto fixo.
— Não foi uma coisa pequena. — ele disse — Não foi algo que ela pudesse ignorar.
— Então me conta — minha voz saiu mais baixa do que eu planejei.
Theo encarou o chão por alguns segundos antes de levantar o olhar para mim.
— Ele disse pra ela… que eu estava rindo dela pelas costas.
Meu estômago virou.
— O quê? — murmurei.
— Disse que eu falava dela pros meus amigos, que eu achava ela “fácil” e que eu só estava perto dela por jogo, por aposta… e que ia enjoar rápido.
Eu fiquei estática.
Era uma acusação direta demais.
Cruel demais.
Exata demais para não destruir alguém já fragilizada.
— Mas isso… é completamente o oposto do que você me contou. — falei, incrédula.
Theo assentiu, cansado.
— E é completamente o oposto do que eu senti. Eu nunca falei dela assim.
Eu nunca falei dela pra ninguém, eu só tentava ajudar.
O silêncio pesou.
Maria respirou fundo, chocada.
— E ela acreditou? — perguntei.
— Sim.
A resposta do Theo veio rápida, sem pausa.
— Ela acreditou na hora. Porque ela confiava nele.
Meu peito apertou.
— Gabriel disse isso olhando pra ela? — perguntei.
Theo engoliu seco.
— Sim. E piora. Ele mostrou prints falsos.
Aí eu senti a gravidade real do que estava sendo dito.
— Falsos? — minha voz saiu sufocada.
— Falsos.
Theo fechou a mão em punho.
— Conversas que eu nunca tive. Frases que eu nunca disse. Palavras que ele montou e fez parecer que eram minhas.
Eu encostei as costas na parede por reflexo.
Porque aquilo não era só manipulação.
Era destruição planejada.
Theo continuou:
— Ele fez parecer que eu falava com outros caras sobre ela. Como se eu tivesse contado coisas que ela me disse. Como se ela fosse um assunto de piada.
Minha respiração ficou curta.
— Isso… é c***l demais. — falei, quase num sussurro.
Theo assentiu devagar.
— E ele fez parecer tão real… que até eu, quando vi, duvidei da minha própria memória. Eu pensei: “Será que eu mandei isso e não lembro? Será que estou ficando louco?”
A dor na voz dele me atingiu como um soco.
— Theo, me olha. — pedi, tocando o braço dele de leve.
Ele levantou o rosto.
— Você não fez nada disso. Nem com a Júlia, nem comigo. Você sabe disso.
Theo desviou os olhos por um segundo, não por vergonha, mas porque estava finalmente ouvindo a frase que ninguém disse a ele naquela época.
— Era isso que eu precisava ter ouvido antes. — ele respondeu, com a voz baixa.
Ficamos em silêncio por alguns instantes.
Theo continuou:
— Depois dos prints falsos… ela me mandou uma mensagem dizendo que não queria mais falar comigo. Ela não me deu chance de explicar. Ela não me ouviu pois já estava destruída.
Eu respirei com dificuldade.
— O irmão dela sabia dessa mentira?
Theo demorou dois segundos para responder.
— Sabia. Ele confirmou tudo pra ela.
A verdade caiu como uma lâmina:
A Júlia foi destruída por duas pessoas:
um garoto que criou a mentira e um irmão que sustentou essa mentira até virar verdade.
Theo balançou a cabeça, exausto, mas firme.
— Agora você entende porque eu tenho medo desse cara perto de você.
— Theo… — murmurei — você achou que eu ia acreditar na mesma mentira?
Os olhos dele ficaram mais vulneráveis.
— Achei. Porque a Júlia acreditou, a escola acreditou, todo mundo acreditou.
Eu dei um passo em direção a ele.
— Eu não sou todo mundo.
Theo respirou fundo, como se aquilo quebrasse uma corrente antiga que ele carregava.
— Eu sei. Agora eu sei.
Maria olhou pra nós com uma expressão que misturava indignação e alívio.
— Então o Gabriel… — ela disse, tentando organizar a própria cabeça — fez uma denúncia agora… achando que está “te protegendo de novo”, mas, na verdade, está repetindo a mesma mentira?
Theo afirmou com um aceno duro.
— Sim. Ele não cresceu, nem mudou. Ele só encontrou um novo alvo.
Meu peito pesou.
— E o alvo sou eu.
Theo deu um passo à minha frente.
Não agressivo.
Não dramático.
Protetor.
— Não. O alvo somos nós dois.
O silêncio final foi cheio.
Cheio de dor antiga, mas também de uma força nova.
A força das peças que finalmente se encaixavam.
A força da verdade que, enfim, começava a aparecer.
Theo respirou fundo.
— E agora… — ele disse — eu vou te contar a última parte..O que a Júlia disse antes de ir embora. A frase que o Gabriel colocou na cabeça dela… e que destruiu tudo.
Meu coração disparou.
O ar ficou mais pesado, mas não escuro.
Era o peso de memória.
De ferida aberta.
De algo que volta não porque você quer, mas porque precisa ser dito antes que aconteça de novo.
Ele passou a mão pela nuca, respirou fundo e apoiou as costas na parede, como se precisasse de suporte antes de continuar.
Maria observava com atenção, em silêncio.
Ela sabia que aquele momento era grande demais para qualquer comentário.
Eu fiquei de frente para ele, esperando.
Sem pressionar.
Sem interromper.
— A Júlia confiava no Gabriel. — Theo começou. — E confiava no irmão. Eu… era o único que ela estava tentando entender, de verdade.
A voz dele não tremia.
Era firme, mas marcada.
— Quando o Gabriel mostrou os prints falsos… ela ficou confusa. E quando levou para o irmão, esperando que ele ajudasse… ele fez pior.
Meus ombros ficaram tensos.
— O que ele disse? — perguntei, tentando manter a calma.
Theo respirou fundo, mais longo dessa vez.
— Ele disse pra ela… que eu estava falando dela com outros caras e que eu usava todo mundo que chegava perto.
Meu peito apertou.
Ele continuou:
— O irmão dela disse… que eu ia fazer com ela o que “eu tinha feito a vida inteira”.
— Mas isso não é verdade. — falei.
— Eu sei. Mas não era o suficiente pra ela saber.
Theo olhou direto pra mim, um olhar cheio de lembrança.
— A Júlia acreditou na frase dele mais do que em qualquer coisa que eu disse.
Respirei fundo.
— Qual frase, Theo?
Ele demorou dois segundos para falar — os dois segundos mais longos do mundo por um tempo.
E então disse:
— “Ele só é bom enquanto precisa de você. Depois que consegue o que quer, ele passa por cima.”
Senti um impacto interno.
Não apenas pelo conteúdo da frase, mas pela construção dela.
É uma frase feita para entrar.
Para assustar.
Para parecer verdade mesmo quando não é.
Maria levou a mão à boca novamente.
Theo baixou os olhos.
— Ela acreditou nisso. Acreditou que eu estava me aproximando dela por interesse e creditou que eu estava usando ela pra alguma coisa que nem fazia sentido.
Engoli seco.
— E você… tentou se explicar?
O sorriso que apareceu no rosto dele foi triste.
— Eu tentei. Mas quando a pessoa acredita na mentira antes de ouvir sua voz… você não tem chance.
Meu peito doeu por ele, e por ela.
Theo continuou:
— E aí veio a última coisa. O irmão dela disse que eu ia fazer com ela o mesmo que, segundo ele, eu “faria com qualquer garota”.
Eu senti meu estômago virar.
— O que ele disse? — perguntei.
Theo encarou o chão por um instante.
Depois levantou o olhar, direto nos meus olhos.
— Ele disse que eu ia machucar ela. Que eu ia destruir ela emocionalmente e que eu ia virar mais uma ferida na vida dela.
E então… ele disse que ela precisava ir embora antes que isso acontecesse.
Fiquei sem ar por um segundo.
— Isso é… — comecei, mas não consegui completar.
— É mentira. — Theo disse, firme. — Eu nunca faria isso.
Eu sabia.
Eu sentia isso.
— E agora você sabe o resto. — ele completou. — A mentira que fez ela ir embora.
Um silêncio profundo se instalou.
Não era vazio.
Era um silêncio cheio de compreensão.
Theo deu um passo na minha direção.
— Eu precisava te contar isso antes que alguém te dissesse de outro jeito. Pois eu precisava que você ouvisse de mim o que realmente aconteceu.
Eu respirei fundo.
— Theo… você acha que o Gabriel pode usar essa mesma frase e tática comigo?
Ele engoliu seco.
— Acho. Porque ele acredita nela até hoje.
Eu senti o peso disso.
De repente tudo fazia sentido: a denúncia antecipada, os olhares, a vigilância silenciosa, a montagem, a narrativa repetida.
Mas havia uma diferença enorme entre eu e Júlia.
Eu dei um passo até ficar perto o bastante para que ele acreditasse na frase que saiu dos meus lábios:
— Eu não vou acreditar nisso. Nem agora. Nem depois, nunca. Nem se alguém tentar me convencer.
Theo fechou os olhos brevemente, como se aquilo quebrasse algo dentro dele… não dor, mas alívio.
Maria respirou fundo, emocionada de verdade.
Theo abriu os olhos e sussurrou:
— Obrigado.
Eu segurei o olhar dele.
— Agora me conta uma coisa. Qual foi a última mensagem que ela te mandou?
Theo respirou fundo.
E disse:
— A última coisa que ela escreveu foi:
“Eu não posso ficar perto de você. Você vai me fazer m*l e nem vai perceber.”
Meu corpo congelou.
Não pela frase em si, mas pelo reconhecimento dela.
Era praticamente a mesma ideia usada na denúncia sobre mim hoje.
A mesma estrutura.
A mesma acusação.
A mesma mentira.
Eu olhei para Theo e falei, com a voz baixa:
— Ele está repetindo o roteiro dela em mim.
Theo assentiu.
— Sim. Mas agora… você sabe a verdade antes da mentira.