Capítulo 47

1256 Words
Ela olhou pela janela, com a testa franzida, e antes que alguém perguntasse qualquer coisa, já saiu correndo. — Peraí, gente, vou ver o que tá acontecendo lá fora! — avisou, a voz ecoando pelo corredor. A Mel largou tudo e foi atrás. — Tia, me espera! — gritou, rindo, tropeçando nos próprios passos. — Ih, quero ver também! — a Any se levantou num pulo, animada. — Vai que é barraco! — saiu rindo atrás das duas. Sobrou só eu e a Agatha na cozinha. Trocamos um olhar cúmplice, meio divertido, e voltamos pra frente da máquina de lavar louça. — Menina, olha isso — ela se abaixou, passando a mão devagar pela tampa prateada. — Fala sério, isso é um sonho de consumo. — É linda mesmo — murmurei, observando o painel todo cheio de botões. — Minha mãe tinha uma parecida... quer dizer, acho que tinha. Não sei qual era a marca — soltei um sorrisinho curto, meio nostálgico. — Nunca cheguei a usar, mas lembro que meu pai deu uma pra ela. — Ahhh, rica! — Agatha riu, abrindo a tampa. — Rodrigo que se vire, vou pedir uma igualzinha. — Pede mesmo, resolve a vida. — comentei, rindo junto. A gente ainda ria quando, de repente, alguém gritou o nome do Iago lá fora. — Iago! Iago! O barulho começou com um falatório, um monte de vozes misturadas, até que vieram os estampidos. Vários, um atrás do outro. Eram barulhos de tiros. A Agatha virou pra mim com os olhos arregalados. — Pera… o Iago tá aqui? Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela já tinha saído apressada, quase correndo. Fiquei sozinha, com uma mão apoiada no balcão e a outra no peito. Como assim o Iago tá aqui? Atravessei a cozinha num impulso, o barulho lá fora crescendo. Gente gritando, rindo, batendo palma e eu desesperada pra ver ele. Quando cheguei na porta de vidro da sala, parei. Ele tava ali. Por um instante, parece que tudo ao redor desapareceu. Tudo parou. Ele vinha devagar, apoiado na Mel. O braço apoiado no ombro dela, o corpo meio curvado, e a mão espalmada bem na altura da barriga. Ela o segurava pela cintura, se agarrando nele. Um cuidado bonito de ver… bonito demais pro meu gosto. Eu sei, tá? Eu sei que não tinha nada ali. Que ela só tava ajudando, que ele tava machucado, que qualquer pessoa faria o mesmo. Mas mesmo assim… não consegui evitar de sentir esse sentimento. Uma coisinha boba, b***a, tipo um ciúme de quem nem era meu. Eu não tinha o direito de sentir aquilo que eu estava sentindo. Mas o coração parece que não entende regra nenhuma. Quando ele virou a cabeça e me viu, parou. E pude notar nitidamente o cansaço em seu rosto. Mas apesar disso o olhar… ainda era o mesmo que eu me lembrava. Aquele que durante todos esses meses eu não havia esquecido. A Mel ainda falava alguma coisa pra ele, gesticulando, tentando chamar atenção, mas ele parecia nem ouvir. Tava do mesmo jeito que eu — meio travado, meio sem saber o que fazer. — Oi, Iago — soltei baixo, com a voz quase sumindo de vergonha. Demorou pra ele reagir. E juro por Deus que por um segundo, achei que nem fosse me responder. — Oi, Maria. — respondeu por fim, com aquela voz grave que eu amava ouvir. Fiquei estática, sem saber o que fazer com as mãos, o corpo todo estranho. Era como se o ar ficasse leve de repente, e ao mesmo tempo, pesando em cima de mim. Um alívio doido e um nervosismo junto, bagunçando todos os meus sentimentos por dentro. A gente ficou se olhando por uns segundos, em silêncio, até que a Mel falou alguma coisa, puxando ele pra entrar. Passaram bem pertinho de mim. Foi só aí que percebi que eu tava parada no meio do caminho, igual uma tonta. Me afastei rápido, abrindo espaço e acompanhando os dois com o olhar. Eles formavam um par bonito. Era impossível negar. Ele foi andando devagar até o sofá, e eu fiquei ali, meio sem saber o que fazer, fingindo que olhava qualquer outra coisa. A Mel o soltou com cuidado e ajeitou as almofadas, toda preocupada. Depois ele se sentou e ela se inclinou pra frente, ajeitando a posição dele. — Maria Clara, vem cá, me ajuda aqui rapidinho — pediu, e eu fui, tentando manter uma expressão normal, mesmo que por dentro eu estivesse extremamente nervosa. Me abaixei na frente dele e, no mesmo instante, senti o olhar dele pesando em mim. Era um olhar faminto e meticuloso. Daquele tipo que parece mais uma ameaça silenciosa e perigosa, feita pra me fazer lembrar de tudo o que eu fingia ter esquecido. E de repente, aquela sensação antiga me invadiu de novo. O mesmo arrepio, o mesmo frio gostoso na barriga e a mesma sensação de pertencimento. — Segura aqui pra mim, só um segundinho — ela disse, indicando a perna dele. Quando a minha pele encostou na dele, senti um arrepio subir tão rápido que até perdi o fôlego. Levantei o olhar e lá estava ele, com aquele meio sorriso no canto da boca. Quase imperceptível, eu via ele ali. — Deixa comigo agora — a Mel disse, do meu lado, dando uma olhada pra nós dois. Me levantei meio atrapalhada, sem saber direito pra onde olhar, agradecendo em silêncio por ela ter dito isso. Passei a mão no cabelo, jogando ele pra trás, tentando disfarçar o nervosismo e achar um pouco de dignidade no meio daquela bagunça interna. Ele umedeceu os lábios, ajeitou o boné com calma e se recostou no sofá, ainda com um ar de riso pra mim. Não faço ideia do que ele tava querendo, mas tava conseguindo. Durante esse tempo que o Iago passou preso eu tentei falar com ele varias vezes… pedi pra Manu levar recado, escrevi carta, esperei uma resposta. Que não veio. Então comecei a acreditar que ele só podia ter ficado magoado comigo. Mesmo sabendo que eu não tive culpa de nada. Ele quis me punir. Tudo isso passou pela minha cabeça num piscar, enquanto a gente se olhava daquele jeito… era como se a razão me trouxesse a realidade e me lembrasse de tudo que ficou pendente entre nós dois. A porta se abriu e a Manu entrou, toda animada, com aquele sorriso que enchia o ambiente. Eu disfarcei na hora, desviando o olhar dele. — E aí, meu filho, quer comer alguma coisa? — ela perguntou, parando em frente ao sofá. — Tô de boa, mãe. — respondeu sem tirar os olhos de mim. — Qualquer coisa me chama, tá? — ela insistiu, ainda sorrindo e ele assentiu sério. — Eu fico aqui com ele, tia. — a Mel avisou, já se jogando no sofá ao lado dele, o pé apoiado na almofada. Olhei pros dois, e ele continuava me olhando calado, mas eu virei a cara. Manu riu baixinho e virou-se pra mim, no instante em que a Agatha e a Any entraram pela sala. — Hoje tem que rolar uma festinha pra comemorar tua liberdade, viu? — Any anunciou com uma latinha de cerveja na mão. — Festinha o c*****o, tô todo fudido. — ele retrucou, abaixando a aba do boné. — Tá nada, tá ótimo. — Agatha soltou. Manu balançou a cabeça, rindo. — Deixa de história, vem Maria Clara. — disse, tocando de leve o meu braço. Assenti, e fui acompanhando ela e as meninas.
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