Capítulo 27

1249 Words
Alicia Acordei com o corpo moído, como se tivesse sido atropelada. A perna engessada pesava, a clavícula ardia e cada vez que eu respirava parecia que uma faca cortava minhas costelas. Mas eu ainda estava viva e isso era o que importava. Ágatha estava sentada na cadeira, mexendo no celular. — Cadê minha mãe? — perguntei. Assim que meus olhos se bateram com os dela. Ela ergueu os olhos, respirou fundo e ajeitou o cabelo. — A Manuela não veio. Eu tô aqui porque apesar de tudo você é minha afilhada e eu não ia te deixar ai largada. Mas tuas coisas tão tudo aqui. — mostra uma bolsa de viagem — Tem sabonete, calcinha, roupa e toalha. Até teu carregador eu trouxe. — Também comprei os remédios que o médico pediu. Tu ainda vai ficar uns três, quatro dias aqui. E depois que sair, o RD tá vendo uma casinha pra tu ficar. Não era a resposta que eu queria mais eu previso ter paciência. — Por que minha mãe não veio? — insisti, tentando fazer a lágrima escorrer pra dar peso às palavras. Ágatha cruzou os braços e me olhou feio. — Alicia, dá um tempo pra tua mãe. Deixa ela esfriar a cabeça. Tá tudo muito recente. Você sabe muito bem o que você fez. Não é criança. É uma mulher. E tinha plena noção da gravidade das tuas mentiras. Do estrago que podia ter causado. Forcei uma tristeza que eu nem tinha. — Eu me arrependo, tia… eu não queria ter feito nada disso. — soltei, tentando dar a entonação certa. — Foi a Natália que me obrigou, ela me forçou. Eu não tive escolha. Era uma sequência... mentira atrás de mentira. Mas precisava que alguém acreditasse. Ela apenas arqueou uma sobrancelha e respondeu seca. — Aham. Tá bom. A frieza dela me irritava. Ela não comprava minhas palavras. Ela se aproximou da maca e completou. — Olha, daqui a pouco a menina que eu arrumei vai chegar pra ficar contigo. Eu não posso estar aqui direto, tenho minhas correrias. Qualquer coisa, tu tem meu número. Me liga. Assenti, como um sorriso no rosto. Quando ela já ia sair, arrisquei. — Tia… e o meu pai? Ele não vai vir me ver? Ela virou de leve, o rosto sério. — É melhor não né, Alicia. Se ele quase te matou, tu acha que ele ia vir aqui pra quê? Só se for pra acabar de te enterrar. Deixa teu pai quieto. Deixa tua mãe também. Tá todo mundo magoado, decepcionado com você. Você cresceu como uma princesa nesse morro. Sempre teve de tudo. E mesmo assim… olha o que tu fez. Quis rebater, mas fiquei quieta. Só deixei as lágrimas correrem. Ela ajeitou a bolsa no ombro e disse por último. — Pensa em você agora. Se cuida e aproveita esse tempo aí de molho e repensa nas suas atitudes. A porta se fechou e eu fiquei sozinha. Encostei a cabeça no travesseiro, olhando pro teto branco. Secando as lagrimas na cara. Pelo menos eu tô viva e logo eu sou a volta por cima. E sobre o Iago… ele me paga. Eu juro que ele me paga. Maria Clara O almoço já tinha acabado, a sala estava tomada de abraços, despedidas e aquele burburinho de vozes sobrepondo-se. A família Galdeia estava toda reunida para festejar o aniversário do meu tio Ricardo. Eles moram em Belo Horizonte, mas vieram comemorar aqui no Rio de Janeiro, junto com meus avós. Meu pai foi o primeiro a se levantar, minha mãe logo atrás. Eu abracei todo mundo, um por um, até alcançar a porta. Estava pronta pra ir quando senti o passo dele se aproximando. — Tá bem? — Humberto perguntou, naquela voz contida, como se tivesse medo de invadir o meu espaço. Assenti, mas, por dentro, uma lembrança me invadiu: aquele dia lá na clínica, a vergonha e o constrangimento apertou o meu peito. — Tô sim. — disse, tentando soar leve. Ele coçou a nuca, gesto que nele sempre denunciava o desconforto. — Fiquei preocupado contigo… pensei até em te ligar, mas não sabia se seria uma boa. — confessou, desviando o olhar por um segundo. Respirei fundo, meus dedos se enroscando na alça da bolsa lateral. — Desculpa por aquele dia. — olhei nos olhos dele, falando apressada. — Eu não sei como aquilo aconteceu, como o Iago apareceu lá… me desculpa. Eu gosto muito de você, não quero que a nossa amizade se atrapalhe por conta daquilo. Ele balançou a cabeça, me analisando como quem calcula as palavras. — Tá tudo bem. — falou simples, mas o jeito firme fez minha respiração aliviar. — A única coisa que me preocupa é você se machucar com ele. Eu não quero ver isso acontecer. Pra mim, você é muito especial, e você sabe disso. Meu coração se apertou… mas era aquele aperto bom, que vem com carinho. Sorri sem perceber. Ele também sorriu, mais solto agora e com um brilho bonito nos olhos. — Fica tão linda quando sorri. — disse cantarolando, num tom que me fez corar. Ri sem graça, baixando os olhos, sentindo o calor subir até minhas orelhas. Foi então que ele me puxou pra um abraço demorado. O peito dele subia e descia num ritmo que me embalou sem querer. Hesitei por um instante, mas meus braços cederam, se fechando nele. — Vem cá! Deixa eu tirar uma foto de vocês dois. — a voz da minha mãe cortou o momento e me fez soltar dele de imediato. — Não, mãe, pelo amor de Deus! — protestei, cobrindo o rosto com a mão. Ela riu, insistente: — A última foto de vocês juntos foi quando eram pequenos! Tia Silvia, ao lado, reforçou: — Vai, deixa a sua mãe tirar. É só uma foto. Rolei os olhos, derrotada. Encostei a cabeça no ombro dele, e o Humberto abriu aquele sorrisão grande, bonito. O clique soou. — Eu quero essa foto. — ele pediu na hora, olhando pra minha mãe. — Manda pra mim depois. — Pode deixar. — ela respondeu, cúmplice. Então a Luana surgiu esbaforida, jogando os braços no pescoço dele. — Ah, que pena que você já tá indo, Clarinha. — falou rindo, abraçada nele. Ajeitei a bolsa. — Tenho que ir. — expliquei. Luana fez bico, olhando pra mim séria. — Vamos sair hoje? Minha última noite no Rio e eu não quero passar deitada na cama. Mordi o lábio, pronta pra inventar qualquer desculpa. — Não dá… eu tenho tanta coisa pra fazer. — falei rindo de leve, tentando escapar do convite. — Deixa pra próxima. Ela não desistiu: — Por favor, Maria Clara. Vamos jantar hoje à noite. — largou o Humberto e pendurou em mim, colando o rosto no meu. — Eu trabalho até às duas da manhã. Se não eu acompanhava vocês. — ele disse, enfiando as mãos nos bolsos, como quem se auto convida. — Luana… — comecei, tentando escapar mais uma vez, mas a esposa do tio Ricardo entrou na conversa: — Eu acho que vai ser muito bom vocês saírem. Programação das primas... a Luana fica tão triste porque não tem quase nenhuma amizade lá em minas. Sorri sem jeito, cercada. — Quem sabe depois que eu parar eu não me junto a vocês. — Humberto acrescentou, abrindo uma brecha. Suspirei, convencida. — Tá bom. Nós vamos! — respondi, e nos abraçamos em despedida, as vozes da família ainda ecoando pela sala.
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