Lamento

2450 Words
Capítulo-VI. Lamento Tiana "Minhas lágrimas salgadas não são fruto do amor, mas sim do lamento por um amor que nunca se concretizou, gotas de saudades das coisas que nunca aconteceram e que meu coração tanto desejou."( DezaLima) Na literatura, o lamento é uma forma poética que expressa dor ou saudade pela perda de alguém. Eu perdi, não foi alguém de longe, mas de perto. Sinto que eu perdi um pouco de mim, de tudo que fui e que hoje agoniza. Eu sinto saudade da menina que fui e da vida que tinha. A frase "Você só percebe a felicidade que tinha depois que a perde" é verdadeira. Não que eu reclamasse da minha vida simples no campo, mas sempre desejei um amor, queria amar. Muitas vezes me comparei à letra de uma canção que diz: "... ela só quer, só pensa em namorar...". Eu queria namorar, amar e ser amada, desejava mergulhar em passeios de mãos dadas, em beijos e carinhos. Sonhava alto, como qualquer jovem da minha idade, especialmente depois de ler os livros que Joaquina me emprestava e, muitas vezes, me dava. Sonhava acordada, suspirando, perguntando ao vento, ao tempo e a Deus quando teria alguém para mim. Isso ainda não aconteceu, embora eu tenha me enganado quando Alef surgiu em meu destino. Acreditei que ele seria o homem com quem eu compartilharia minha vida e meus sonhos. A ilusão de que alguém tão bonito como Alef pudesse realmente me amar me fez flutuar nas nuvens. Até que ele arrancou minhas asas e me fez cair em queda livre. Hoje, posso dizer que conheço bem o lamento. Eu o sinto em mim, dentro de mim e dói tanto, traz muita agonia. Lamento ter me deixado me levar e ter entregado a ele coisas que nunca poderei recuperar, pois não há como consertar. Lamento ter caído em seus encantos, ter me deixado seduzir por seu sorriso e pela emoção que havia em mim. Lamento não ter ouvido os muitos conselhos que recebi da minha mãe. Lamento tanto... Lamento muito, mesmo que lamentar não resolva nada. Acabei de servir o jantar, e Alef me faz ficar de pé, parada perto da mesa, enquanto ele termina. Preparei filé de dourado com aspargos, algo simples e rápido. Minha boca saliva, estou com fome, mas não posso comer nada. _ O cheiro não está dos melhores, mas vamos ver se está palatável. - diz Alef ao se sentar à mesa, recém-saído do banho e arrumado como se fosse sair. Não pergunto para onde ele vai, não quero saber; quanto mais longe ele estiver de mim, melhor. O homem corta um pedaço do filé e leva à boca. Mastiga duas vezes, pega o guardanapo e cospe no pedaço de tecido. _ Está horrível, você não presta nem para cozinhar! O que você fazia no seu país? Já sei, comia terra e capim, por isso não sabe lidar com ingredientes sofisticados. Você é r**m em tudo! - Seu olhar me atinge de cima a baixo. - Nem o que carrega entre as pernas é satisfatório. Escuto tudo, remoendo a raiva e o ódio. _ Por que você se aproximou de mim se sou tão desprezível? Por que não foi atrás de outra menina? Você é oco, vazio. Alef, pessoas como você não têm nada agradável a oferecer, porque não há nada de bom por dentro. Você é a personificação do homem rico, vazio e detestável. Fecho a boca no mesmo momento em que uma cadeira passa muito perto da minha cabeça e se despedaça na parede. Estremeço, olho para os destroços e depois para o infeliz. Ele está me olhando com tanta cólera, com desprezo desmedido. _ Cale a boca, sua infeliz! Suas análises idiotas guarde para si, não me afetam. Alef pega o prato com movimentos calmos, estica o braço e deixa a peça de porcelana fina cair no chão. Os cacos e a comida se misturam, criando uma bagunça que se espalha pelo piso da cozinha. _ Divirta-se limpando, se é que você é capaz disso. Tenho um encontro com uma mulher de verdade. Você a conheceu hoje, Brigitte. Sempre que se olhar no espelho, lembre-se de que são mulheres como Brigitte que eu gosto. Alef se afasta de mim, me deixando sozinha com a sujeira e me sentindo como um lixo também. Minhas mãos tremem, meu coração está apertado diante de tanta humilhação. Olho para o peixe perdido entre os cacos enquanto minha barriga clama por comida. Pego um pano, uma vassoura e vários produtos de limpeza para arrumar a cozinha. Esfrego tudo, pensando em ligar para aquele número que Dona Dinah me deu. Preciso de ajuda. Preciso sair daqui ou vou sofrer muito mais nas mãos de Alef. Durante vinte minutos, trabalho apressada para deixar tudo em ordem, depois procuro um telefone pela casa. Percebi há algum tempo que não há televisores, aparelhos de som ou qualquer telefone à vista. No entanto, tenho certeza de que deve haver algum por aqui, penso no escritório. Caminho pela casa abrindo portas, uma a uma, primeiro no andar de baixo, até encontrar uma que está trancada. _ É o escritório, desgraçado, trancou para eu não entrar! Ele deve ter cópias das chaves, só podem estar no quarto dele. Subo as escadas apressada, com o coração batendo forte contra as costelas, a adrenalina correndo ferozmente nas veias. Na ocasião em que subi para me preparar para uma coletiva que mais parecia uma campanha de marketing sobre o quanto os Wolfgang valorizam o amor e que para eles não existem barreiras para vivê-lo, não prestei muita atenção em nada. Querendo ou não, ainda estou sob o impacto do choque de achar que conhecia uma pessoa e, na verdade, descobrir que nunca o conheci nenhum pouco. Por isso, faço o mesmo que no primeiro andar: abro porta por porta até encontrar um quarto maior, com uma decoração bem masculina e o cheiro dele pairando no ar. Entro, fecho a porta, me aproximo da janela e observo a movimentação dos seguranças lá fora. Mesmo com o frio intenso, eles não param de circular. Sem poder acender a luz para não chamar atenção, recorro ao tato e abro as gavetas das mesas de cabeceira, que estão vazias. Ao abrir uma das portas, encontro o banheiro e na outra porta um closet, ambos sem nada. Percebo que Alef não morava aqui antes. Fecho os olhos e vendo a ficha cair de que, se este é o bairro que ele disse morar, então ele mentiu. Mentiu para mim, o que significa que nunca foi verdadeiro, nem por um milésimo de segundo. Sem encontrar as chaves, desço e procuro na cozinha, mas não encontro nada. Meus olhos então se fixam no suporte de facas. Caminho até lá, pego a maior e observo sua lâmina reluzente. — Não vou apanhar, chega! O único homem que me bateu foi o meu pai — digo para mim mesma. Levo a faca comigo para o meu quarto, fecho a porta e escondo a faca embaixo da cama, certificando-me de que ninguém que entrar aqui a verá. O caimento da colcha oculta a faca da vista. Abro a gaveta da cômoda e tiro alguns sacos onde estão umas camisolas — Meu Deus, Quininha deve estar pensando que estou nadando em um mar de rosas, olha as peças! Como vou usar essas coisas ousadas? Retiro peça por peça dos pacotes, e a cada uma delas meu queixo cai um pouco mais. Sem melhor opção, escolho "a menos pior", se é que posso dizer assim. É uma camisola branca e transparente, mas a calcinha é a mais discreta e a parte que cobre os s***s tem forro, o que me faz sentir menos exposta. Estendo a camisola na cama junto com a calcinha. Tiro a roupa que estou usando, calça de moletom e blusa de mangas longas; devolvi o vestido ao infeliz, não quero nada dele. Faço um coque no meu cabelo, abro a necessaire cheia de produtos que Quininha me deu, pego um frasco de hidratante e espalho pelo meu corpo. Em lugares frios, se você não hidrata a pele, pode acabar parecendo couro de jacaré, todo craquelado. Começo pelas pernas, depois os braços e, por último, a barriga. Enquanto me cuido, me pergunto se vou conseguir sobreviver a tudo isso. Se algum dia voltarei ao Brasil. Se essa árdua batalha vai levar anos ou meses para ter um fim. Certa vez, minha mãe me disse que Deus dá as batalhas mais difíceis apenas para os guerreiros mais fortes, porque Ele sabe da força que cada um possui. Olho para o teto e converso com Deus: — Eu não sou forte da maneira que o Senhor pensa, meu Deus, sou apenas uma menina apavorada com tudo isso. Escuto o clique da porta sendo aberta, abro minhas pálpebras e encontro Alef parado na porta, me olhando. Ele está estranho, mais diferente do que o de costume. Seu olhar vai de encontro à calcinha e à camisola, depois desvia para o meu corpo nu. Tento me proteger usando as mãos. — O que faz aqui? Sai! Vai embora! — peço, tentando proteger-me do seu olhar. Alef faz o oposto: ele entra no quartinho. — A casa é minha e eu fico onde bem entender. — Sua voz me causa arrepios de terror. — Estou te pedindo, saia, quero me trocar — peço, recuando conforme ele se aproxima. Engulo em seco quando ele retira o paletó e o joga em cima da cômoda. — Se arrumando para quem? — indaga e franze a testa, mostrando traços de irritação. — Quero dormir, Alef, por favor, já está tarde. — Fala, sua vagab*nda! Está se arrumando para quem? Escolheu algum dos meus homens para dąr? — ele berra, temo sermos ouvidos. Seria humilhante demais. — Estou me arrumando para mim, gosto de me cuidar , não é porque vim do mato que sou desleixada. _ E essa peça ridícula, hã? Pensa que me engana, para quem está pretendendo abrir as pernas? Para o Ben? Jan? Talvez o Maxmilian? Responde, p*rra! - grita, dando um soco na cômoda que me faz ter um sobressalto. _ Ninguém! Eu não estou me arrumando para ninguém! Me deixa em paz, seu doido, maluco! Você não é normal, Alef! Não é! - grito apavorada, com o peito sacudindo. Ele abre um sorriso, depois gargalha. Alef se aproxima, me pega pela garganta e expreme meu corpo contra a parede. _ Normal, nenhum de nós é, garota. Tento me soltar do seu aperto, porém Alef demonstra força e agilidade; o alemão me joga em cima da cama. Entro em desespero quando ele sobe em cima do meu corpo. Suas mãos seguram as minhas quando tento empurrá-lo. Alef tenta beijar a minha boca, e eu desvio o rosto várias vezes, fugindo das suas investidas. _ Você não vai me rejeitar, p*rra! - berra, soltando as minhas mãos e pegando meu cabelo. Sinto sua er*ção moendo contra mim, sua língua tenta invadir a minha boca. _ Abre a boca, Tiana! Abre essa maldita boca! - ordena, enquanto seu olhar de pupilas delatadas me fixa. _ Sai de cima de mim! - berro. - Socorro! Socorro! - grito, e o maldito ri. _ Grita mais! Mais alto, sua vad*a! A casa tem bloqueadores de som, ninguém vai te ouvir. Meu corpo esfria tanto, mas tanto que não consigo sentir o meu respirar. _ Alef, para com isso, está me assustando! - grito, vendo um sorriso diabólico surgir em seu rosto de anjo. Nesse instante, me passa pela cabeça uma frase que minha mãe dizia muito para Quininha e para mim: "Meninas, o d***o não é feio, ele é bonito, lindo! A igreja católica que pintou o d***o com r**o, chifres, presas, olhos de fogo e tudo mais. Mas o d***o é a personificação de tudo de mais lindo que existe, portanto, se ele estiver na forma de mulher, será a mais bela; de animal, será o mais encantador; de homem, será o mais lindo. Por isso, tomem cuidado, tem muito d***o bonito em forma de homem andando solto por aí." Na época, nós ríamos, achávamos uma baboseira, hoje eu reconheço que encontrei um desses diabos. Alef puxa o meu cabelo com força. Grito de dor e o infeliz, aproveita para enfiar a língua dele na minha boca. Tento empurrá-lo outra vez, mas a diferença de tamanho e peso que há entre nós é tamanha que torna meus esforços inúteis. Alef pega a minha coxa e abre mais as minhas pernas. O pânico me consome; ele não vai me ter outra vez, nunca mais vai chegar perto de mim de modo íntimo. Mordo sua língua, ele se afasta e sinto o gosto do sangue dele na minha boca, engulo sem poder cuspir. — Aí, sua maldita! — Alef aperta meus ombros contra o colchão. — Não vou ser sua! Seu desgraçado! — Você é minha, casou-se comigo, faça o seu papel na cama. Alef leva as mãos ao cinto da calça que usa, afastando-se minimamente do meu corpo. Aproveito dessa brecha e torço o meu corpo para a lateral, pego a faca e passo com tudo pelo ombro do infeliz. A lâmina sai cheia de sangue enquanto ele solta um grunhido de dor. Alef sai de cima do meu corpo; a manga direita da camisa branca que usa ganha cada vez mais a cor escarlate do sangue. Estou trêmula, aterrorizada com tudo e com o arrojo de coragem que surge em mim para lutar por minha dignidade, por minha vida. Ele não vai me reduzir a pó, não vou permitir! _ Se me tocar outra vez, eu te mato! - berro, segurando a faca com as duas mãos e mirando em sua direção. O sangue goteja da lâmina e pinga no chão branco. _ Sua desgŕaçada, isso não vai ficar assim! - ele rosna feito um bicho selvagem. _ Se tentar me tocar, eu vou te matar, Alef. Destruo para sempre a minha vida, mas você nunca mais verá a luz do sol! - grito, olhando-o com raiva. - Fora! Fora! - berro, dando passos em sua direção. Alef se afasta, levando a mão ao corte e tentando conter o sangramento. Quando ele some, fecho a porta, olho para a faca suja e levo um choque. Jogo a arma branca longe, e, mesmo trêmula, corro para empurrar a cômoda pesada de madeira para bloquear a porta. Depois que faço isso, fico alguns segundos olhando para ela. Estou assustada com o que pude fazer. Uma vez, o coronel disse que o momento é que faz nascer o assassino, vejo que não se trata apenas de uma frase e sim de uma constatação real.
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