Capítulo- IV. Cativeiro
" Nos recantos mais profundos da alma, onde o amor se torna cativeiro, surgem sombras que murmuram beijos de veneno e anseio." ( Deza Lima)
Tiana
A caixa de metal sobe conosco e mais três seguranças. O tempo todo, Alef segura minha mão com força, deixando meu dedo anelar de fora do calor da sua palma. Se ele fizer um movimento contrário, conseguirá facilmente empurrar meu dedo e quebrá-lo; o maldito não estava blefando quando disse que quebraria meus dedos. A vontade que tenho é de gritar socorro na frente das câmeras, dizer em português que estou sofrendo violência doméstica, porque em qualquer lugar do mundo sempre há um brasileiro. Contaria com a sorte para encontrar alguém que entendesse minha língua e visse meu desespero; assim, talvez eu tivesse um salvador, ou tudo poderia dar muito errado e eu sofreria ainda mais nas mãos desse monstro.
Quando dizem que a beleza não define caráter e que não é um espelho que reflete o que a pessoa realmente é, isso é uma verdade profunda. Alef é um exemplo disso: ele é lindo, com seu rosto bem desenhado, sua altura imponente, seus olhos de um verde escuro e cabelos lisos e escuros. É o tipo de isca perfeita para qualquer desavisada, e eu fui uma delas. Caí e fui parar em um cativeiro sombrio, onde os beijos se tornaram flores cheias de veneno e o desejo se transformou na ânsia de escapar de suas garras.
Quando o elevador parou, senti um arrepio ao receber um beijo no rosto de Alef. Logo, a explicação para seu ato carinhoso surgiu: as portas do elevador se abriram e fomos atingidos por flashes que me fizeram apertar os olhos. O barulho de muitas vozes falando na língua local me causou desconforto; não consigo entender nada e, pior, parecem estar gritando bravamente. Os seguranças saem aos berros e logo um caminho estreito se forma para nossa passagem. Alef segue na frente, puxando-me pela mão.
Entramos em uma sala onde ele me solta e se afasta. Não sei o que perguntar; para ser sincera, não sei se quero falar algo. Alef me olha, mas eu não o encaro. Então, o homem abre uma persiana que vai do chão ao teto e uma vista deslumbrante aparece diante de mim. A parede é toda de vidro, dando a impressão de que estamos perto do céu, voando longe do chão. Dou alguns passos e miro o horizonte.
_ Quero que mude essa sua expressão, quero um sorriso o tempo todo quando sairmos daqui. Você está com cara de velório. - diz ele, retirando o sobretudo que dobra meticulosamente e coloca sobre um sofá comprido com encosto e braços baixos.
Olho para o espaço amplo, que poderia ser dividido em cômodos para fazer uma casa pequena. As paredes são revestidas de madeira, há um tapete, um aparador que ocupa uma parede inteira, e em cima dele, uma grande bandeja espelhada com várias garrafas de bebidas. Um enorme tapete persa repousa no chão, há um vaso com uma planta, quadros e uma mesa grande.
_ O velório da minha alma aconteceu no dia em que nos casamos. - murmuro. Ele se senta à mesa, abre o botão do paletó e, em seguida, abre um notebook preto e fino, um aparelho que pessoas refinadas costumam ter.
_Sua alma ainda não foi sepultada; isso acontecerá quando eu acabar com você.
Não suporto mais ouvir suas palavras ameaçadoras.
Olho para o homem com raiva, um ódio que começa a brotar dentro de mim. Nossos olhares se cruzam, e um sorriso cínico aparece em seus lábios, lábios que um dia beijei, que pensei serem doces e convidativos. Lábios aos quais entreguei meu primeiro beijo. Desvio o olhar, sentindo a mágoa se revirar dentro de mim. Não consigo parar de me chamar em silêncio de tola por ter sido uma menina que se deixou levar pelas emoções e pela ilusão de ter encontrado o homem certo para experimentar o amor e o desejo.
Estou prestes a pedir a Alef que me mate de uma vez quando a porta se abre, chamando nossa atenção. Uma loira alta e linda, que mais parece uma modelo de passarela, entra. Seus cabelos vão até a cintura, e ela veste um vestido preto justo. A loira me observa e depois olha para Alef; um sorriso surge em seu rosto, e o dele também. Eles se comunicam em alemão, e ele se levanta para recebê-la. Nesse momento, o que restava do meu coração se despedaça dentro de mim, perdendo-se em meio à dor e à humilhação. Alef a beija, bem na minha frente, e eu fico paralisada com a cena, engulo em seco, meu corpo esfria e meu sangue parece parar de circular. Minha respiração fica presa. Sei que o tratamento que recebo dele não é apenas raiva pelo que aconteceu, mas que o alemão sempre me viu como um pedaço de carne para satisfazer seus desejos, nada mais. Enquanto eles se beijam apaixonadamente, me pergunto: quando foi que enxerguei algo bom nesse homem? Quando pensei que tudo que sentia era recíproco? Quando acreditei que eu, uma menina que cresceu no interior do Brasil, acostumada com pouco, poderia tocar a alma de um homem que vive em um mundo tão diferente do meu?
Alef finaliza o beijo com carinhos suaves e, em seguida, envolve a cintura da mulher, olhando em minha direção. Seu olhar deixa claro: "Você não é páreo para uma mulher como ela."
Seguro as lágrimas e tento conter meu coração que parece querer saltar pela garganta. Minhas pernas fraquejam, e ao desviar o olhar, sento-me no sofá, com um zumbido forte nos ouvidos.
Lembro de Joaquina em nossa despedida no aeroporto, recordando suas palavras:
"Aconteça o que acontecer, ligue para mim, fale comigo, conte tudo! Sou sua amiga, e embora meu desejo seja ser sua cunhada, nunca vou te deixar sozinha, nem que esteja do outro lado do mundo. Somos amigas até debaixo d'água, na terra, dentro de um vulcão, onde for. Está entendendo?"
Eu apenas balancei a cabeça em concordância, mas, por mais que considere a possibilidade de ter alguém com quem me abrir, sinto vergonha. Como contar que meu marido beijou outra na minha frente? Como dizer que ele me trouxe para seu país para ser sua empregada doméstica? Como explicar que ele sente uma raiva profunda por mim?
Abro a bolsa, pego o celular e procuro na agenda o número de Joaquina. Estou prestes a fazer a ligação quando o celular é puxado das minhas mãos.
Meu olhar se encontra com o dele, que está cheio de raiva.
— Ia falar com quem? — pergunta, olhando para a tela do celular. — Cícero? O que tem a ver esse Cícero? Quem é ele, Tiana? — diz, apertando o aparelho entre os dedos, que ficam esbranquiçados.
— Não é da sua conta! — respondo, cheia de raiva e ódio. Ele não pode me cobrar nada, já que não me respeita e nem me trata como esposa.
Alef me agarra pelo braço, forçando-me a me levantar. Seu olhar é como estalactites afiadas que se formam lentamente no teto das cavernas. Ele me fere com seu olhar.
— Esse tempo todo você tinha um amante, não é? Foi ele quem te ajudou a armar toda essa encenação do suposto abuso. Pediu para esse infeliz gravar enquanto se deitava comigo. Quão sórdida e vulgar você é! — ele me observa com nojo e desprezo, como se eu estivesse sendo queimada em brasas.
Sorrio de forma fria.
— Pense o que quiser. — puxo meu braço de suas mãos que me queimam.
Alef estreita o olhar para mim.
— Esse celular vai ficar comigo. — declara, e meu estômago pesa.
— Você não pode...
— Claro que posso, você é minha e sua vida também. — o maldito guarda meu celular no bolso do paletó.
Entro em desespero. Como vou me comunicar com meus pais, com alguém?
— Alef, me devolve meu celular, preciso falar com meu irmão, dar notícias. Minha família vai ficar preocupada.
Ele se afasta, me deixando sozinha no meio da sala. A loira está encostada na mesa, observando toda a cena com um olhar julgador.
O infeliz se senta à mesa e faz um gesto para a loira sentar em seu colo. Ela se aproxima, rebolando, senta e ele me olha antes de beijar o ombro dela, afastando o cabelo e deslizando dois dedos pela pele exposta das costas da mulher.
Toda essa cena me sufoca. Pego minha bolsa e ando apressada até a porta. Assim que abro, dou de cara com um homem alto, de olhos azuis como gelo. Seu olhar pesado me massacra, pesa como um bloco de pedra.
Ele me avalia antes de levantar o olhar, falar algo e virar os calcanhares.
Olho para Alef, que está de pé, vestindo um sobretudo.
A loira passa por mim, abre um sorriso pequeno e c***l, e pisa com força no meu pé. Sinto meus dedos sendo esmagados e seguro um gemido. Ela parece se divertir, depois me lança um olhar de cima a baixo, vira o rosto e segue como se estivesse desfilando em uma passarela.
— Vamos, coloque um sorriso...
Ele se aproxima, tentando tocar minha mão.
Me afasto, ergo as mãos e o encaro com raiva transbordando.
— Não me toque ou faço um escândalo aqui e na frente das câmeras, está me ouvindo? — gritei, e o homem passa a mão pelo cabelo, bate a porta e me empurra contra a parede.
— Quando você vai aprender que aqui você não manda nada, hein? Aqui é meu país, minha terra. Aqui eu falo e você baixa a cabeça. Agora vamos! — sua mão imunda segura a minha novamente, e me sinto suja, sendo tocada pela mesma mão que tocou outra.
Alef me puxa para fora da sala.
Fui levada para dentro do elevador e descemos, não sei para onde. Ao chegarmos ao andar, os seguranças formam uma corrente de proteção, e os repórteres, que deveriam estar em um local reservado, estão aglomerados em um amplo corredor. Eles gritam algo, e Alef me puxa enquanto eu tento não cair dos meus saltos altos e finos.
Lembro que Joaquina me ensinou a andar com saltos. Nós duas usávamos os sapatos da sua falecida mãe e colocávamos um cabide preso nas costas para manter a postura, além de equilibrar livros na cabeça para termos graça e elegância. Ríamos, nos divertíamos e adquiríamos a postura de damas da alta sociedade, como dizia Quininha.
Uma porta dupla se abre e entramos em um auditório cheio de pessoas com credenciais penduradas no pescoço, câmeras e celulares nas mãos. Olho assustada para Alef, que me guia até uma cadeira atrás de uma longa bancada. Sento-me e percebo que todos os olhares estão voltados para mim, que sou tão pequena.
Só agora percebo o quão poderoso Alef realmente é. "Coloque esse ponto no ouvido, você ouvirá tudo o que for dito e perguntado aqui na sua língua", ele sussurra, dando-me um beijo no topo da cabeça enquanto os flashes das câmeras disparam. Alef se senta ao meu lado, olha para o ponto e depois para mim, e a ordem está implícita em seu olhar intenso.
Coloco o ponto, sentindo os nervos dos meus dedos gelados. "Bom dia, senhores. Como sabem, sou Klaus Wolfgang, pai de Alef, o CEO desta empresa." Viro-me para olhar o homem que fala; é o loiro com quem quase colidi ao tentar sair da sala do alemão. Ele fala, fala e fala... Não consigo prestar atenção até que uma frase chama minha atenção:
"Minha nora é uma brasileira de origem simples. Acredito que dizer que meu filho se casou por pressão é um erro. Alef é bem-sucedido e poderia ter a esposa que quisesse, mas seu coração escolheu, e quando o coração escolhe, não há nada que impeça, não é mesmo?"
Percebo que estou sendo usada para interpretar o papel de um conto de fadas, onde a menina pobre se encanta pelo homem rico, e ele por ela, e então eles se casam e são felizes para sempre, porque o amor é a única coisa que importa, porque o amor vence tudo, até as diferenças, e é uma espécie de redenção. Quanta mentira, meu Deus! Quantas inverdades que criam ilusões para meninas que, mais tarde, se tornam mulheres em busca do príncipe encantado, do amor perfeito, e acabam se deparando com imperfeições, dor e desilusão. Também percebo que somos preparadas não para enfrentar a verdade, mas para sofrer com essas ilusões de paixões avassaladoras.
Baixo meu olhar, perdida nesse turbilhão de descobertas.
_ Senhor Alef Castiel Wolfgang, a que devemos aquela fotografia sua sendo algemado?
Alef olha com um semblante neutro para a repórter de cabelo curto e terno verde-azeitona.
_ Mais do mesmo, ecos de uma pessoa m*l-intencionada. Ficou evidente que trata-se de um montagem.
_ Então o senhor afirma que toda aquela notícia que círculou pela Europa não é verídica? - indaga um senhor de cabelos grisalhos.
_Obvio, façam uma investigação, busquem por queixas e terão a confirmação.- ele fala calmo pacífico.
As perguntas continuam a surgir, e entre elas, sinto os olhares de Alef, que transmitem um calor falso de um afeto que não existe.
— Uma palavra da sua esposa, por favor — pede um repórter jovem.
— Infelizmente, minha nora não sabe a nossa...
Segurando o microfone à minha frente, percebo que Klaus e Alef me observam.
Passo a ponta da língua pelos meus lábios, sentindo o gosto do batom vermelho.
O silêncio é ensurdecedor; todos aguardam uma declaração que venha de mim.
_Wer liebt, kümmert sich.( Quem ama, se importa.)
Lembro que uma noite peguei o celular do Tomé e pesquisei por frases em alemão que descrevesse o meu sentir pelo Alef. Dentre muitas escolhi três que pretendia dizer para o maldito:
Ich liebe dich: (Eu te amo), Du bist mir wichtig: (Você é importante para mim),
Ich denke immer an dich: (Eu sempre penso em você).
Lembro que ficava pronunciado várias e várias vezes para quando fosse falar fizesse algo bonito.
E sonhava em ouvir em troca:
Du bist mein Schatz" (Você é meu tesouro).
O silêncio é brutal, todos esperando por mais até que a voz de Alef ecoa.
_ Du bist mein Schatz (Você é meu tesouro).
Olho em sua direção com tudo sendo devastado dentro de mim. Seus olhos fixam-se nos meus.
Viro meu rosto, me levanto pego a minha bolsa e me retiro da coletiva sem olhar para ninguém. Estou me controlando para não desabar diante desse covarde.