Capítulo 55.

2690 Words
Terror narrando Saio do banheiro e dou de cara com a Manuela, parada na porta da sala. Nossos olhos se cruzam, e o corpo dela treme. É sutil, mas eu vejo. p***a, como não ver? Não tem nada no mundo que machuca mais do que saber que sou o motivo desse medo. O braço dela tá engessado. A visão disso é tipo uma faca entrando devagar, girando, me rasgando por dentro. Largo a toalha de mão na pia, mas não sei nem o que fazer com as mãos. Ela dá dois passos pra trás, como se eu fosse um monstro. E talvez eu seja. Essa p***a só confirma o que já sei. Passo as mãos na cabeça, puxando o ar como se pudesse respirar direito, mas é só desespero. Desço as mãos até o rosto, esfrego com força. Tento tirar um pouco dessa culpa, mas parece que só faz aumentar. Abaixo a cabeça, porque não consigo encarar ela por mais de um segundo. Tá tudo errado, tudo fodido, e a culpa é minha. Não tem desculpa, não tem saída. Ela tá na minha frente, quieta, me olhando como se esperasse que eu fizesse alguma coisa, falasse alguma coisa. Mas o que eu posso dizer? Que tô arrependido? Que nunca quis machucar ela? Que me odeio mais do que ela pode imaginar? Olho de novo pro braço dela, e meu peito queima. c*****o, como é que eu fui fazer isso? Como é que cheguei nesse ponto? A merda toda tá estampada ali, e o silêncio entre nós só piora. Eu queria avançar, pedir perdão de joelhos se fosse preciso. Mas eu não sou esse cara, né? Só que, olhando pra ela agora, tremendo, se afastando de mim como se eu fosse o bicho ... Não sei nem quem eu sou mais. Manu narrando Assim que ele sai do banheiro, meu coração quase para. Fico ali, imóvel, plantada na porta da sala como se meus pés tivessem criado raízes. Nossos olhos se encontram, e é como se o mundo ficasse mudo por um instante. Sinto um arrepio percorrer meu corpo, um tremor que não consigo controlar. Ele percebe. A aparência dele me assusta. Não é o mesmo homem que eu conheci. O Terror, sempre tão impecável e cheio de si, parece ter desaparecido. No lugar dele, vejo um homem acabado, quebrado. A camisa preta que ele está usando está amassada, com algumas manchas. Parece que ele dormiu com ela por dias. O cabelo tá desgrenhado, caindo nos olhos que, mesmo sem querer, me encaram. Mas esses olhos... estão fundos, cercados por olheiras escuras que deixam ele com uma expressão cansada. É um olhar que carrega alguma coisa que não consigo decifrar. Dor? Culpa? Raiva? Não sei. Só sei que ele parece tão perdido quanto eu. O cheiro no ambiente é sufocante. Um misto de álcool, cigarro e algo mais que não consigo identificar. As garrafas espalhadas pelo chão, algumas ainda com restos de bebida, outras viradas, formando pequenas poças pegajosas. Tudo ao redor dele parece um reflexo do que ele se tornou: desordem, excesso, descuido. Ele abaixa a cabeça por um momento, como se não conseguisse me encarar por mais de alguns segundos. E isso, de alguma forma, me atinge mais do que qualquer coisa que ele pudesse dizer. Porque, nesse instante, percebo que ele sabe. Ele sabe o que fez. Minha mente fica dividida entre o medo e algo que não consigo explicar. Por mais que eu tente não sentir nada por ele, há uma parte de mim que ainda se importa. Ver ele assim, acabado, perdido... é estranho. Não é como eu queria que as coisas fossem. Mas, ao mesmo tempo, não apaga nada do que ele fez. Nada do que eu tô sentindo. Dou dois passos pra trás, tentando criar alguma distância entre nós. Não confio nele. Não sei o que ele pode fazer. E mesmo assim, alguma coisa me mantém ali. Não sei se é a necessidade de ouvir algo que justifique tudo ou o medo de virar as costas e carregar essa bagagem sozinha. O silêncio entre nós é quase insuportável. Tento buscar forças dentro de mim, mas é difícil com todo esse caos ao meu redor. O cheiro, o ambiente, as garrafas... tudo parece gritar o quanto ele tá afundado. E eu tô aqui, de alguma forma, presa nessa confusão. Ele passa as mãos no rosto, esfregando com força, como se tentasse apagar alguma coisa. Talvez a culpa. Talvez o que aconteceu. Mas isso não some. Não pra mim. E parece que não pra ele também. Meu braço engessado parece um lembrete constante do que aconteceu. E mesmo que ele não diga nada, o olhar dele denuncia que isso tá incomodando mais nele do que eu esperava. Mas o que ele espera que eu faça? Que eu perdoe? Que eu esqueça? Que tudo volte ao normal? Não consigo. Não sei se algum dia vou conseguir. Terror: Foi o RD quem te trouxe né? - pergunta quebrando o silêncio sem me encarar de volta. Manu: Ele tá preocupado com você Ele ri de cabeça baixa negando e sem mostrar os dentes. Como se fosse uma risada de desgosto. Terror: Preocupado comigo? – Ele ergue a cabeça devagar, os olhos fundos e carregados de algo que eu não consigo decifrar. – Tá preocupado com o que, Manu? Que eu me mate? Que eu vire fumaça e suma? Ele balança a cabeça, negando, enquanto esfrega as mãos no rosto, deixando escapar uma respiração pesada. Terror: Ele é foda... Quer salvar o mundo, mas não vê que eu já tô morto faz tempo. Tá gastando energia à toa, porque eu... eu não tenho mais conserto, não. As palavras saem cortantes, mas por trás delas tem algo mais, uma dor que ele tenta esconder, mas não consegue. Ele passa as mãos no cabelo desgrenhado e ri de novo, aquele riso amargo. Manu: Não fala assim, Terror. Você ainda tem gente que te ama de verdade, sua mãe, ele ... E você ama eles também, eu sei disso. Você não é só isso aqui. Você pode ser melhor, pra eles e pra você mesmo. Terror: Sabe que lugar é esse? – Ele pergunta mudando de assunto enquanto caminha pela sala, os passos lentos, quase pesados. Sem esperar uma resposta, se joga no sofá, apoiando a cabeça no encosto e fixando os olhos no teto. Terror: Tu sabe que eu nunca trouxe ninguém aqui, né? – Ele começa, olhando pro teto, a voz rouca como se cada palavra fosse um esforço. Não parece esperar resposta, e eu fico quieta, apenas observando enquanto ele continua. Terror: Aqui é meu canto. Meu... refúgio, sei lá. O lugar onde eu venho quando amente tá fudida. – Ele ri baixo, mas sem humor. – Só Néia, RD e Renan sabe daqui. E agora você! Mas nem eles vem muito, só quando é pra me puxar do buraco. Ele faz uma pausa, esfregando as mãos no rosto. Parece que tá escolhendo as palavras a dedo, ou talvez tentando decidir se continua ou não. Terror: A verdade é que esse lugar... é onde eu lembro dele. – Ele começa, olhando fixo para o teto, a voz embargada, mas sem derramar uma lágrima. – Do garoto de 15 anos. Do moleque que poderia ter seguido outro caminho, sabe? Talvez eu seria um doutor... talvez um professor. Sei lá, qualquer coisa menos isso que eu sou agora. Ele solta uma risada seca, sem humor, balançando a cabeça como se zombasse de si mesmo. Terror: Mas aí a vida escolheu diferente. Ou talvez fui eu quem escolhi. Vai saber, né? Só sei que, naquele dia, quando fiz o que fiz com meu pai... foi como se tivesse enterrado o garoto junto com ele. Ele passa a mão no rosto de novo, como se tentasse afastar as memórias que claramente o atormentam. Terror: Eu lembro que minha mãe sempre dizia que eu era inteligente, que podia ser o que quisesse. Mas o que eu quis mesmo foi sobreviver e dar um tratamento digno pra minha coroa. Eu sinto um aperto no peito, mas não sei se consigo falar algo que vá mudar o que ele sente. Meu estômago revira com a palavra. Nunca ouvi ele falar sobre o pai, só sabia da mãe dele por alto. Mas fico quieta, porque sinto que isso é algo que dói nele. Terror: Ele não era pai, tá ligado? Era só um nome que minha mãe falava e que eu tinha na certidão. Pra ela, ele era um herói. O maior homem que já existiu. Só que, pra mim... ele era só uma sombra. Um fantasma que vivia na boca dos outros. Os olhos fixos em algum ponto longe de mim, como se estivesse vendo outro lugar, outro tempo. Terror: Trinta anos de cadeia. Foi isso que ele ganhou. Por tudo que é crime que tu possa imaginar. E minha mãe? Ela se mantinha firme, deixou de viver pra fazer os corres dele com advogado etc... – Ele ri de novo, aquele som amargo que faz meu peito apertar. – Quando ele fugiu, depois de tanto tempo preso, ela ficou... empolgada, sabe? Passou o dia se arrumando, arrumou a casa, fez cabelo, como se fosse receber um rei. Terror fecha os olhos, como se quisesse apagar a cena da mente. Minha garganta seca, mas não consigo dizer nada. Terror: Quando ele chegou... – Ele pausa, passa a mão pelos cabelos desgrenhados e solta um suspiro pesado. – Ele queria matar ela. Uma machadada na cabeça. Ela ficou em coma por meses e o resultado tu já sabe. Meu coração parece parar por um segundo. Tento imaginar o que ele tá me contando, mas é imaginável a dor que ele carrega. Terror: Eu... – Ele ri de novo, mas é um som quebrado, vazio. – Eu fiz o que tinha que fazer. Era ele ou ela. E eu escolhi ela. Eu arregalo os olhos, mas ele não tá olhando pra mim. Tá preso nas lembranças, nos fantasmas que ele nunca conseguiu deixar pra trás. Terror: Cinquenta facadas. Ou mais, sei lá. Não lembro. Só sei que o sangue dele tava em todo lugar. E eu? Eu senti... nada. Nem arrependimento, nem satisfação. Nada. Ele finalmente olha pra mim, os olhos fundos, carregados de algo que não consigo nomear. Terror: Foi aí que virei o Terror. Foi aí que... matei o moleque que eu era e virei isso aqui. Manu: Eu... não sei nem o que dizer. – Falo baixo, sentindo um nó na garganta. O peso da história dele é esmagador, e eu fico tentando processar tudo isso, mas parece impossível. – Sinto muito por tudo que você passou. De verdade. Não dá nem pra imaginar o que isso fez com você... Ele não me olha, continua fixo no teto, como se esperar alguma reação minha fosse o último dos problemas dele. Manu: Mas... – Respiro fundo, tentando encontrar as palavras certas. – Não faz sentido pra mim, sabe? Se você viu sua mãe passar por isso... Se você fez o que fez pra proteger ela... Então por quê? Por que reproduzir a mesma coisa? Ele finalmente vira o rosto na minha direção, mas não diz nada. Manu: Você sabe o que eu passei, sabe o que aconteceu com minha mãe. Por que me fazer sentir isso? – Minha voz quebra um pouco, mas eu continuo. – Não tô dizendo que sou perfeita ou que não cometi erros, mas você... você se transformou naquilo que mais odiava. Preciso que ele me ouça, que entenda o que isso significa. Manu: Eu não tô aqui pra te julgar, mas pra te perguntar... Por quê, Terror? Por quê? Terror: Porque eu sou isso aqui, Manu. – A voz dele sai amarga, quase um sussurro. Ele se inclina pra frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, puxa um baseado do bolso e acende com um esqueiro . – Eu sei que sou igual. Igualzinho ao filho da p**a que eu matei. Ele passa uma mão no rosto, soltando a fumaça da maconha. Terror: Eu não queria, c*****o. Juro por Deus que eu não queria. Mas foi mais forte do que eu. Na hora, parecia que o sangue tava fervendo, sabe? A cabeça virou um inferno. E quando percebi... já tinha feito. Ele olha pra mim, e pela primeira vez, vejo os olhos dele úmidos, mas sem deixar as lágrimas caírem. Terror: Você acha que eu não sei que sou o mesmo monstro que quase destruiu minha mãe? Eu vejo isso todo dia quando olho na droga do espelho. E é uma merda, porque não importa o que eu faça... Eu não consigo sair desse círculo, dessa p***a. Ele balança a cabeça, como se negasse o que acabou de dizer, mas é evidente que tá falando a verdade. Terror: Eu só... – Ele respira fundo, tentando conter a emoção na voz. – Eu só sei ser isso, Manu. É o que o morro me ensinou, o que a vida me obrigou a ser. O silêncio volta a nos cercar, mas dessa vez, ele parece ainda mais devastador. Ele abaixa a cabeça novamente, e tudo que vejo é um homem em pedaços. Manu: Eu não sei o que te dizer... – Respiro fundo, tentando organizar o turbilhão de pensamentos que atravessam minha cabeça. – Mas sei o que preciso fazer. Ele levanta os olhos pra mim. Manu: Eu vou embora do morro, Terror. – As palavras saem mais baixas. – Isso aqui não é pra mim. Eu tentei, juro que tentei. Mas não dá. Não posso viver com medo da sua reação, medo de me aproximar de alguém e medo de viver. Ele me encara, os olhos fixos nos meus, como se tentasse processar o que acabei de dizer. A dor no rosto dele é evidente, mas ele não diz nada. Manu: Você é forte, e eu acredito que você pode ser melhor do que isso, mas eu não sou a pessoa que vai conseguir te ajudar. Eu não consigo. – Minha voz começa a embargar, mas eu continuo. – Eu perdi minha mãe por causa de um homem assim, e eu não vou deixar que isso aconteça de novo. Não comigo. Eu engulo seco, sentindo a garganta apertada. Ele desvia o olhar, passando a mão na cabeça, como se quisesse arrancar os próprios pensamentos. Manu: Eu quero que você fique bem, de verdade. Que você encontre um jeito de sair dessa escuridão. Mas eu não vou ficar aqui pra ver. Meu coração dói por vê-lo assim, mas, ao mesmo tempo, sinto um alívio por finalmente dizer o que precisava. Terror: Não, Manu... Não faz isso. – Ele diz rápido, levantando do sofá como se fosse automático. A voz dele sai apressada, quase trêmula, um tom que eu nunca imaginei ouvir dele. – Por favor, não vai... Não vai embora. Ele passa a mão na cabeça de novo, puxando o cabelo como se isso pudesse aliviar a tensão. O olhar dele é puro desespero, o tipo de expressão que parece tão fora de lugar em alguém como ele. Terror: Eu sei que eu sou um lixo. Sei que eu fiz merda, que te machuquei... c*****o, eu me odeio por isso, Manu. Mas você não pode me deixar. Não agora. Me perdoa, eu nunca mais toco em tu. Ele se aproxima um pouco. Terror: Tu acha que eu quero viver assim? p***a, eu não quero... Mas sem você aqui, eu não tenho nem por onde começar. Eu tô perdido, Manu. Eu preciso de você. A intensidade na voz dele faz meu coração apertar, mas não posso ceder. Eu respiro fundo, tentando manter o olhar firme enquanto ele continua. Terror: Tu é a única coisa boa que eu encontrei em muito tempo, Manu. A única que me fez acreditar que talvez eu pudesse mudar. Não me deixa agora... Não joga a última p***a de esperança que eu tenho no lixo. Ele para na minha frente, com os olhos fixos nos meus, os ombros caídos. Aquele olhar... é difícil de sustentar, mas eu não posso recuar agora.. ............ Será que a Manu vai desistir de ir embora? 🤨😵🙃🤪
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