Manu narrando
Termino de me limpar e saio primeiro do banho. Ele ainda tá lá dentro, curtindo a água gelada.
Terror: Pega uma camisa minha no guarda-roupa. – Ele grita lá de dentro, com a voz abafada pela água.
Manu: Não precisa. Vou colocar o vestido. – Respondo, saindo do quarto enrolada na toalha.
Na sala, vejo nossas roupas espalhadas pelo chão. Me abaixo, juntando cada peça, enquanto meu cabelo cai no rosto. Prendo com as mãos e começo a me vestir. Assim que ajeito o vestido, ele aparece na porta, enrolado na toalha, com o cabelo pingando.
Olho pra ele e não consigo segurar um sorriso. O tanquinho dele tá todo marcado, vermelho, como se tivesse brigado com um gato. Ou melhor, com a gata aqui.
Terror: Tá rindo dessa p***a aqui, né? – Diz com aquele sorriso de canto, passando a mão no peito, sobre o vergão. – Bagulho feião, hein?
Manu: Pra tu lembrar de mim. Deixei meu autógrafo. – Respondo irônica, piscando, e ele solta uma risada.
Terror: Vamo comer alguma coisa? Peço pros moleques trazerem algo pra nós. Tô com fome, parece que não como há dias.
Me abaixo de novo, olhando por baixo do sofá, enquanto meu olhar varre cada canto. Sento no chão, passando uma mecha de cabelo atrás da orelha, tentando encontrar minha bolsa. Ele pega a bermuda no chão e se veste.
Terror: Fala aí, quer pizza? – Ele pergunta, se aproximando, e eu jogo a cabeça pra cima, olhando direto pra ele.
Manu: Quero, sim! Tô morrendo de fome. – Digo, levantando uma sobrancelha, enquanto ele ri do meu jeito de falar, passando a mão pelo meu cabelo e tirando dos meus olhos.
Ele segura meu rosto com firmeza, os dedos indo até minha nuca, massageando de leve. Fecho os olhos sem nem perceber.
Manu: Você é bom com isso. – Falo molinha, sentindo os músculos do pescoço relaxarem.
Terror: Sou bom em várias coisas, pô. – Ele brinca, inclinando minha cabeça de lado e começando a beijar meu pescoço.
Manu: Disso eu sei bem... – Respondo, rindo, mas minha voz sai quase num sussurro enquanto sinto os lábios dele deslizando pela minha pele.
Passo as mãos pelo peito dele, afastando devagar.
Manu: Mas sério... Eu preciso achar minha bolsa. Eu preciso ir pra casa conversar com a Any. Já que fui raptada.
Ele se afasta um pouco, me olhando com aquele sorriso de canto.
Terror: Sempre tu com esse papo de fugir. Mas tá bom, vai lá, acha tua bolsa. – Ele fala dando um passo pra trás, mas não antes de dar um beijo rápido no canto da minha boca.
Eu reviro os olhos e dou um empurrãozinho de leve no peito dele antes de voltar a procurar minha bolsa.
Terror: Raptada? – Ele solta uma risada fingindo ofensa, e eu acabo rindo também da cara de sonso dele.
Manu: Terror, eu fui praticamente obrigada a vir aqui. Eu teria escolha se dissesse que não viria? – Pergunto, cruzando os braços e encarando ele.
Ele desvia o olhar, rindo de cabeça baixa.
Manu: Eu sabia. E ainda meteu essa de "o que você tá fazendo aqui". Você sabia, seu ridículo. – Digo, dando um tapa no braço dele.
Terror: Eu não sabia que ele ia te trazer, c*****o! – Ele responde rindo alto, tentando escapar dos meus tapas, e me puxa para um abraço apertado, me levantando com cuidado. – Mas imaginei. O RD é pilhado pra c*****o! Desde o dia que surtei e tentei me matar. Ele fica nessa brisa.
Manu: Ele é um amigo de verdade.
Terror: Ele é um irmão. c*****o, vou ficar devendo essa p***a pro resto da minha vida. – Ele diz com um sorriso sincero, e eu n**o com a cabeça, sorrindo de volta.
Me levanto e olho ao redor novamente.
Manu: Viu minha bolsa? – Pergunto, tentando lembrar onde deixei.
Terror: Tá aqui. Vi tu largando ela no canto do sofá na hora que tava tirando a calcinha pra mim. – Ele responde rindo, e eu faço um gesto com o dedo do meio pra ele.
Manu: Mentiroso. – Falo, rindo, enquanto ele solta outra risada.
Terror: Tava assanhada pra c*****o. Confessa que tava com saudade do teu bandidão aqui. – Ele diz mordendo os lábios, me fazendo revirar os olhos.
Manu: Para, Terror. – Respondo rindo, mas ele fica sério de repente.
Terror: Me chama de Bernardo. Esse é o meu nome. Meio estranho, mas é isso aí. – Ele diz, me pegando completamente de surpresa.
Na hora, lembro da Any. Ela sempre deixou claro como esse lance de vulgo é importante pra eles. Ela mesma nunca soube o nome verdadeiro do Terror porque ele nunca falou, e o RD? Esse aí é um cofre. Nunca deixou escapar nada. Então, ouvir isso da boca dele, aqui e agora, me pega de um jeito que eu não tava preparada. Tem um significado. É como se ele tivesse me entregando um pedaço dele que ninguém mais tem.
Manu: Seu nome é lindo! – Digo, tentando segurar a voz embargada enquanto me sento no sofá, olhando pra ele.
Terror: Independente do que vai ser quando tu meter o pé e me deixar nessa porra... Eu quero que saiba que, pra você, a partir de hoje, eu vou ser o Bernardo. Aquele moleque. – Ele respira fundo. – Depois daquele dia, nunca mais ouvi ninguém me chamar assim. Quem me chamava era minha mãe.
Ele faz uma pausa, e a dor na voz dele é nítida.
Terror: Era Bernardo daqui, Bernardo pra lá... Depois que ela perdeu a fala, nunca mais ouvi isso. Pros outros, sou o Terror. Mas pra tu, eu quero ser o Bernardo.
As lágrimas finalmente caem, e não tento segurar.
Manu: Bernardo é lindo. Dona Sonia arrasou. Afinal, você é todo lindo. Como o seu nome – Digo, levantando devagar e parando na frente dele. – Bernardo. – Repito pausadamente, passando o braço pelo pescoço dele.
Ele não diz nada. Só me puxa, e o beijo dele vem carregado de tudo que a gente tá sentindo. É quente, intenso, e parece que com aquele beijo ele tá me entregando todo o sentimento que carrega.
Manu: Eu queria muito ficar e esquecer todas as coisas que você me disse. – Minha voz sai embargada, e as lágrimas descem sem controle pelo meu rosto. Ele me olha com o queixo erguido, mas os olhos… os olhos dele tão cheios de água que parece que vão transbordar. – Mas não consigo, não dá.
Terror: Você é a única coisa boa que eu tenho. – A voz dele tá quebrada, baixa, como se cada palavra pesasse toneladas. Ele levanta o olhar pro teto, tentando segurar algo dentro de si, mas o tremor na respiração entrega tudo.
Manu: E você é o meu lado mais insano, meu lado mais errado, meu desvio de caráter. – Solto, deixando as palavras saírem, e vejo um riso amargo escapar dele. Uma risada curta, cheia de desgosto e dor. Uma lágrima desce logo depois.
Terror: Eu já te falei que não vou te segurar. – A voz dele sai rouca, como se cada palavra fosse arrancada do peito. Ele passa as mãos no rosto devagar e depois no cabelo, tentando acalmar o caos dentro dele. – Se tu quer ir, eu vou deixar. Mesmo que tudo dentro de mim grite pra te trancar aqui e não deixar ninguém mais chegar perto de você.
Manu: Eu queria que fosse diferente... Queria que a gente pudesse dar certo. – Minha voz treme, e sinto as palavras rasgarem minha garganta enquanto falo. – Mas eu não posso ignorar o que aconteceu, Bernardo. Eu não posso me perder tentando te salvar.
Ele levanta o olhar quando digo o nome dele, e isso me corta ainda mais. O jeito que ele me olha, como se estivesse tentando segurar o pouco que ainda resta, me destrói.
Manu: Eu sei que tem algo bom em você, eu vi isso. Mas você tem que querer mudar, tem que querer ser esse cara. – Respiro fundo, tentando manter o controle. – Eu não posso carregar esse peso sozinha. Não posso me machucar mais enquanto você decide se quer ser melhor.
Minha mão toca meu braço engessado, e o olhar dele desvia para o meu gesto. Ele cerra os punhos, mas não fala nada.
Manu: Eu amo quem você pode ser, Bernardo... Mas eu não consigo mais conviver com o que você é agora.
Minha voz quebra no final, e tudo dentro de mim grita pra correr, abraçar ele, dizer que vai ficar tudo bem. Mas eu sei que não posso. Não agora. Não assim.
Me afasto e me sento no sofá, pegando minha sandália. Minha mão treme enquanto tento abotoá-la, o ar parece pesado demais, sufocante. Meu coração tá disparado, martelando no peito. O rosto, ainda molhado pelas lágrimas, arde enquanto tento respirar fundo e segurar o que resta de mim.
Terror some por alguns segundos e volta com um maço de notas de 100 reais. Ele para na minha frente e estende o dinheiro. O olhar vazio, mas a voz carregada de algo que não consigo identificar.
Terror: Pode ficar tranquila que não vou te obrigar a nada. Afinal não quero ferrar ainda mais com a tua vida do que já ferrei.
Isso aqui é pra tu comprar as paradas que tu deve tá precisando.
As palavras dele me atingem em cheio, e o gesto só aumenta minha angústia. O tom da sua voz, a culpa... é como se ele entendesse que não vou ficar.
Pego o dinheiro da mão dele, retirando apenas uma nota de 100 e estendendo o restante de volta.
Manu: Isso aqui dá. – Falo baixinho, mostrando a nota na minha mão.
Ele olha pro meu braço, o olhar vacila por um segundo, mas logo vira o rosto, tentando não encarar enquanto engole seco.
Terror: Tu vai precisar de mais. Compra remédio, paga uma consulta, usa do jeito que precisar. – A voz dele sai baixa, quase um sussurro.
Eu concordo com a cabeça, guardando o restante do dinheiro na minha bolsa sem dizer nada.
Terror: O vapor já deve tá brotando aí com a pizza. – Ele fala olhando pro chão.
Manu: Eu perdi a fome.
Terror: Perdeu! – Ele repete, me encarando novamente e balança a cabeça como se concordasse com algo que preferiria não aceitar.
Manu: É, perdi. Eu como alguma coisa em casa. – Respondo, tentando encontrar os olhos dele, mas ele volta a encarar o chão, sem coragem de me olhar.
Ele vira o rosto de lado, as mãos ainda no bolso, e o silêncio entre nós é o adeus que nenhum de nós consegue pronunciar. Respiro fundo e saio, tentando manter o pouco de dignidade que me resta. Mas assim que passo pela porta, sinto o peso da vontade de desmoronar ali mesmo. Só que os vapores estão me olhando, e não vou dar esse gostinho pra ninguém.
RD aparece, vindo na minha direção com um sorriso forçado, tentando aliviar o clima. Mas não consigo corresponder.
RD: Bora?
Manu: Achei que já tinha ido embora.
RD: Prometi pra tu que estaria aqui te esperando, pô. – Ele diz, passando um braço pelo meu ombro. Com um gesto rápido, enxuga uma lágrima no canto do meu olho. – Tudo se resolve, Manuela. Uma hora as coisas se ajeitam.
Dou um sorriso pequeno, ainda tentando engolir o nó na garganta, e enxugo as últimas lágrimas. Entramos no carro em silêncio, e ele dá a partida, deixando aquele lugar pra trás. Mas não importa o quanto o carro ande, parece que parte de mim ainda ficou ali, naquele barraco, com ele.