Manu narrando:
A claridade atravessa a janela e me faz abrir os olhos devagar. Ainda tô com aquela preguiça boa, enfiada debaixo da coberta, sem a menor vontade de levantar. Viro pro lado, os olhos meio fechados, curtindo o conforto da cama, até que, do nada, as lembranças de ontem começam a me invadir como um download acelerado.
O bar.
A Any rindo toda doidinha.
O maldito vômito no carro do Terror.
E... o Terror.
Abro os olhos de vez, meu coração dá uma acelerada. Viro pro outro lado da cama, olhando pra ver se acho algum sinal dele ali, qualquer coisa que confirme se foi real ou se foi só coisa da minha cabeça de quem bebeu demais. Me sento devagar, encostando no encosto da cama, e só aí percebo que tô sem nada por baixo da coberta.
Meu Deus do céu! Levo as mãos na boca pra abafar o riso que sai quase que automaticamente, a vergonha e o calor subindo no rosto enquanto as cenas da noite vão voltando, cada detalhe. O toque dele, o jeito que me olhava, como se fosse dono de todo meu corpo. Tá certo que ele é perigoso, mas quem disse que consigo me arrepender de alguma coisa?
Ouço batidas na porta, e lá vem ela, descabelada, com a cara amassada e ainda usando a mesma roupa de ontem. Só de olhar já começo a rir.
Any: Tem remédio pra dor de cabeça? — ela pergunta se jogando de cara na cama, arrancando mais risos meus.
Manu: Ontem não queria tomar, né? — começo a rir mais, jogando um travesseiro nela. — "Tô ótima, Manu" — imito a voz dela, e ela ri junto comigo, balançando a cabeça.
Any: Tô péssima! — ela leva os braços à cabeça, fazendo drama. — Vai ficar rindo da minha desgraça, sua vaca?
Manu: Só tô cumprindo minha promessa de ontem, que eu ia te lembrar de todas as besteiras que você fez.
Any: Eu criei um OnlyFans?
Manu: Não! — n**o com a cabeça, segurando o riso.
Any: Então não fiz nada que eu possa me arrepender hoje — diz orgulhosa, dando de ombros.
Manu: Só vomitou o carro do Terror inteirinho — falo, encostando na cama e prendendo o cabelo num coque alto.
Any: Tá brincando? — ela leva as mãos à boca, brincalhona. — É um milagre eu não ter amanhecido morta!
Caímos na risada.
Manu: Talvez porque ontem ele tava de boa.
Any: Nunca vi o Terror de boa.
Dou de ombros, me levantando pra pegar o remédio pra ela dentro da minha bolsa no guarda-roupa.
Any: O que é isso, Manuela? — diz ela, pulando da cama e se aproximando pra ver alguma coisa na minha b***a, com aquela cara de quem acabou de descobrir um segredo.
Manu: Que foi, menina? — pergunto, rindo, mas sentindo o rosto esquentar.
Any: Me diz que isso aí foi o que eu tô pensando!
Vou até o espelho, já rindo, mas assim que vejo, o riso some. Tô chocada com o que vejo ali: tô toda marcada, a pele vermelha, e a b***a com a impressão das mãos daquele desgraçado. Coloco a mão na boca, tentando segurar a risada.
Manu: Eu vou matar o Terror! — falo, rindo com vergonha e vejo Any quase se engasgando de tanto rir.
Any: Pelo menos alguém tá aproveitando a vida, né, irmã? — ela fala, se jogando na cama de novo.
Manu: Ah, é? Poderia ter sido você e o Renan, né? Mas tu preferiu dar PT — entro no banheiro, rindo, começando a fazer minhas coisas, enquanto ela fica deitada, e a gente segue trocando ideia aos gritos, eu dentro do banheiro e ela lá, jogada na cama.
De repente, um barulho alto começa lá fora, uma barulhada de tiro. Saio do banheiro na hora, assustada, e olho pra Any, mas ela tá ali, de boa, sentada na cama, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Manu: Isso é tiro, não é? — pergunto, meu coração ainda acelerado.
Any: Tá assim desde cedo, relaxa.
Reviro os olhos e lembro do meu celular que deixei na sala ontem, quando tava com o Terror. Na hora, me preparo pra sair do quarto.
Manu: Vou pegar meu celular — falo, saindo.
Any: Deixa que eu pego! Vai logo colocar uma roupa, que já basta eu ter que ver o meu xibiu, não quero ver o teu não! — ela diz, rindo e saindo pro corredor antes de mim.
Manu: Toma o remédio, sua bêbada! — grito, ainda rindo da cara dela, e escuto ela responder lá da sala, meio debochada, dizendo que vai tomar.
Terror narrando
Acordei às 3 da madrugada com o rádio apitando, avisando que tinha movimentação perto do morro. Aqueles o****o resolveram começar a invasão de madrugada. Tavam achando que ia me pegar desprevenido, só que tão malucos se pensam isso. Sou sempre um passo à frente, parceiro, visão total.
Durante todo o tempo que tava na casa da maluca, eu já tava desenrolando com nosso informante e com o Renan. Na falta do RD, o Renan é que me ajuda a segurar essa bronca. Falando nisso, tá f**a demais não ter notícias nem do RD e nem do n**o. Encontraram um dos carros do assalto parado na rodovia e, pior, com sangue dentro. Coração tá apertado com essa p***a, um sentimento esquisito que não me larga.
É muita merda acumulando na mente, mermão. Um inferno de parada pra resolver e, no meio disso tudo, aparece a Manuela. A maluca é um imã, parceiro, uma parada que parece puxar a gente sem nem tentar. Por mais que eu queira me afastar, tô sempre voltando. Não dá pra evitar. Ela é especial demais, diferente de qualquer uma que eu já vi por aí.
Só que, ao mesmo tempo, eu sei que ela não merece um p***a louca igual a mim. Ela é leve, tem essa pureza, e eu sou esse cara envolvido até o osso no corre. Ela merece coisa melhor, merece sossego. Mas toda vez que tento cair fora, parece que tem alguma coisa, algum bagulho que me puxa de volta pra perto dela.
Pensei nisso tudo enquanto ela dormia do meu lado, tranquila, como se o mundo lá fora não fosse esse caos que eu vivo. Olhei pra ela ali, tão serena, e a mente começou a viajar, tentando entender como uma mina assim acabou no meu caminho. Acendi meu cigarro de maconha, traguei fundo, sentindo a brisa acalmar a cabeça, pelo menos por uns minutos.
Olhei mais uma vez pra ela, como se fosse gravar cada detalhe antes de sair. Não queria acordar, não queria dar explicação de nada. Só fui, quieto, deixando aquele clima de paz pra trás.