Capítulo 2 – O Jogo Sutil

1523 Words
A festa estava no auge, mas para mim, tudo parecia abafado, distante. As risadas e a música se misturavam de forma indistinta ao fundo. Eu sentia a presença de John em algum lugar, como se fosse impossível não saber onde ele estava, mesmo que eu não o estivesse vendo. Era como uma força invisível que me puxava em sua direção. Caminhei até a varanda para respirar um pouco, afastando-me do burburinho. O vento fresco da noite acariciou minha pele, mas a sensação de estar sendo observada não passou. Logo senti uma presença familiar ao meu lado. Ele sempre sabia onde eu estava. — Naty. — Sua voz grave era um som que eu sempre associei a proteção, a segurança. Como um segundo pai. O Tio John. Me virei e lá estava ele, aquele olhar intenso, mas ao mesmo tempo, carregado de algo que eu ainda não conseguia decifrar. Ele parecia o mesmo de sempre, mas havia uma energia diferente no ar entre nós. — Tio John! — sorri e o abracei, como fazia tantas vezes antes. A sensação de seu corpo forte contra o meu ainda era familiar, mas... algo me fez hesitar. Algo nele parecia mais... quente. Ele envolveu meus ombros com firmeza, como sempre fazia, mas seus toques pareciam mais demorados, mais intensos. Quando seus dedos roçaram levemente a minha nuca, um arrepio percorreu minha espinha. — Está se divertindo? — ele perguntou, enquanto eu me afastava ligeiramente, mas permanecendo sob seu braço. — Sim, claro — menti, ainda tentando ignorar a sensação de que tudo ao nosso redor estava diferente. Ele sorriu de lado e, sem pressa, levou uma das mãos ao meu cabelo, ajeitando uma mecha que tinha caído sobre meu rosto. Eu já tinha visto aquele gesto antes, tantas vezes. Era um carinho inocente, mas dessa vez, o toque parecia ter uma eletricidade que meu corpo não conseguia ignorar. Quando ele se inclinou ligeiramente para perto de mim, senti seu rosto próximo ao meu cabelo. John inspirou profundamente, como se estivesse inalando o meu perfume, e eu pude sentir o calor de sua respiração contra minha pele. O simples ato de ele estar tão próximo me fez arrepiar, um arrepio que eu não conseguia controlar. — Você mudou — ele murmurou, quase como se falasse para si mesmo, mas eu ouvi cada palavra. — Está diferente. Sorri, tentando manter a leveza. — Claro, Tio John. Cresci. — Cresceu, sim. — Ele repetiu, sua voz baixa e grave, enquanto ainda estava próximo, seu hálito aquecendo meu pescoço por um breve momento. Eu não soube como responder. Aquilo ainda era o Tio John, o homem que sempre esteve presente em cada momento da minha vida. Mas agora, seus toques, sua presença, tudo parecia mais intenso. Mais carregado de algo que eu não conseguia nomear, mas que estava ali, no espaço entre nós. Ele se afastou um pouco, mas seu braço ainda permanecia sobre meus ombros, e o calor de sua mão em minha pele era quase insuportável. Eu queria acreditar que estava imaginando tudo, que ele ainda era o mesmo, que eu estava sendo paranoica. Mas era impossível negar a sensação de que algo estava mudando. Ainda sentia a presença protetora nele, a figura paterna que sempre foi para mim. Mas, ao mesmo tempo, o simples fato de estar tão perto dele agora fazia meu corpo reagir de formas que eu não compreendia. Eu tentava ignorar, mas sabia que não era a mesma coisa de antes. Ele me olhou mais uma vez, com aquele sorriso de canto, e quando estava prestes a se afastar, murmurou perto do meu ouvido, de uma forma que me fez estremecer: — Aproveite sua festa, Naty, mas não tanto... Não passe dos limites. A frase era suave, mas carregada de uma autoridade que fez meu estômago revirar de forma estranha. Ele se afastou devagar, com a mesma tranquilidade de antes, deixando-me ali, parada, sentindo o peso de suas palavras e o calor de seu toque que ainda queimava em minha pele. ... A noite seguiu seu curso. O desconforto inicial que senti com os olhares de John foi lentamente sendo encoberto pelo som da música alta e a empolgação dos meus amigos. Meus pais, sempre tão protetores, me surpreenderam ao me deixarem bem à vontade. Quase como um presente pela minha maioridade, eles não se importaram quando anunciei que eu e alguns amigos iríamos continuar a festa em outro lugar. Um clube novo na cidade. — Divirta-se, mas com juízo! — minha mãe disse, sorrindo e me abraçando antes que eu saísse pela porta. Eu nunca tinha saído tão livre assim antes. Nem sabia o que esperar da noite. Pela primeira vez, me permiti deixar os pensamentos desconfortáveis de lado. Fui apenas Naty, uma garota de 18 anos, recém-chegada à maioridade, pronta para aproveitar a vida. No clube, a música era ensurdecedora, e meus amigos estavam mais animados do que nunca. Eles já estavam acostumados a esse tipo de festa, mas para mim, tudo era novo. Carol, sempre a mais ousada, me empurrou um copo com uma bebida que ela disse que eu precisava experimentar. — Vamos, Naty! Hoje é a sua noite! — Ela gritou, rindo, e eu, sentindo a adrenalina, aceitei o copo. O primeiro gole queimou minha garganta, mas eu gostei da sensação. Um calor confortável se espalhou pelo meu corpo, e de repente, todas as minhas preocupações pareciam longe. Bebi mais alguns goles e, antes que percebesse, estava rindo e dançando como nunca tinha feito antes. A sensação de liberdade era intoxicante, e eu me deixei levar por ela. As horas passaram rápido. A noite se transformou em madrugada, e a música e as luzes do clube começaram a diminuir. Estava cansada, mas de um jeito bom. Pela primeira vez em muito tempo, me senti despreocupada. Quando finalmente voltei para casa, meus pais já estavam dormindo, a casa silenciosa e escura. Eu estava tonta, não só por causa da bebida, mas também pelo cansaço. Me joguei no sofá da sala, sem nem pensar em subir para o meu quarto. O estofado macio me abraçou, e antes que eu percebesse, estava mergulhando no sono. --- Acordei com uma leve sensação de desconforto, como se estivesse sendo observada. Pisquei os olhos lentamente, ajustando minha visão ao ambiente escuro da sala. Quando meus olhos focaram, meu coração disparou por um segundo. John estava ali, sentado em uma poltrona próxima, me observando. Não sei há quanto tempo ele estava ali, mas a presença dele parecia pesada, quase como se ele fosse parte da escuridão ao meu redor. Me assustei por um breve momento, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele falou. — Calma, Naty — sua voz era suave, mas firme. — Você estava dormindo tão profundamente que decidi não te acordar. Eu me ajeitei no sofá, ainda sentindo o efeito da bebida e do cansaço. Meus sentidos estavam confusos, mas a presença de John era intensa demais para ser ignorada. — O que está fazendo aqui? — perguntei, tentando disfarçar o quanto estava surpresa. — Apenas verificando se você chegou bem. Seus pais estavam preocupados, mas não quiseram incomodar — ele respondeu, seus olhos nunca deixando os meus. — Você parecia tão... vulnerável aí. A palavra "vulnerável" ecoou em minha mente de uma maneira estranha. Tentei sorrir, para afastar a tensão que começava a se formar em meu peito. — Eu... eu estou bem — murmurei, passando a mão pelo cabelo desarrumado. — Só estava cansada. John se levantou devagar, a presença dele preenchendo a sala de uma forma quase sufocante. Ele caminhou até o sofá, parando ao meu lado. O calor do corpo dele parecia irradiar, mesmo sem tocar. Eu não sabia o que fazer, então permaneci imóvel, apenas observando enquanto ele me olhava de cima, os olhos escuros e penetrantes. — Você cresceu mesmo, Naty. — Ele disse, suas palavras carregadas de um significado que eu ainda não conseguia entender completamente. Antes que eu pudesse responder, ele deu um passo para trás e sorriu suavemente, um sorriso que me deixou desconfortável, mas ao mesmo tempo... intrigada. — Descanse. Foi uma noite longa. — Sua voz tinha aquele tom de comando que eu sempre ouvira nele, mas agora parecia ter um peso diferente. Eu assenti, sem palavras, enquanto ele se afastava, saindo da sala em silêncio. O som de seus passos desaparecendo no corredor deixou uma sensação de vazio. Fiquei ali, sentada no sofá, o coração ainda acelerado, com a mente girando em torno de uma única pergunta: Há quanto tempo ele estava me observando? Eu tentei afastar os pensamentos, dizendo a mim mesma que ele era o mesmo John de sempre, o tio que cuidava de mim desde criança. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia ignorar a maneira como ele me olhava agora. A maneira como ele falou comigo. Havia algo diferente, algo que fazia meu corpo reagir de formas que eu não compreendia. Enquanto o silêncio da casa tomava conta de mim, fiquei deitada, o coração ainda agitado, tentando processar tudo o que tinha acontecido. Mas uma coisa era certa: eu não conseguiria tirar John da minha cabeça tão cedo.
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