Analu
Eu tava perdida. Perdida no Cayo, no jeito que ele me fazia sentir, no jeito que ele bagunçava tudo que eu achava que era certo. Cada encontro com ele era como pular de um penhasco: assustador, excitante, viciante. Depois do show de rock no barzinho, com aquele beijo na porta que me deixou sem ar e o toque dele queimando na minha pele, eu sabia que não tinha mais volta. Ele tava cravado em mim, como uma música que não sai da cabeça, e tudo em mim queria ele. Mas, ao mesmo tempo, o peso das mentiras que eu contava pros meus pais e o medo do que eu ainda não sabia sobre ele tavam começando a me sufocar.
Era quinta-feira, e eu tava no meu quarto, deitada na cama com os fones de ouvido, tentando me convencer que podia voltar atrás. Que podia apagar o número dele, ignorar as mensagens, fingir que ele nunca existiu. Mas aí o celular vibrou, e meu coração disparou antes mesmo de eu ver o nome dele na tela.
📲 Cayo: E aí, princesa? Tô com saudade do teu sorriso metido. Que tal uma volta na minha moto amanhã à noite? Só tu e eu, o vento na cara.
Eu li a mensagem umas cinco vezes, mordendo o lábio, sentindo um calor subir pelo corpo. Uma volta na moto dele? No mundo dele? Era loucura.
Minha mãe teria um infarto se soubesse que eu tava pensando em subir na garupa de um motoboy com jaqueta de couro e passado duvidoso. Mas a ideia de sentir ele tão perto, de deixar o vento apagar o peso da minha vida, era demais pra resistir.
📲 Eu: Você é louco, motoqueiro. Mas tá, eu topo. Só não me mata nessa moto, hein?
Ele respondeu com um emoji de risada e um “Te pego às oito, princesa”. E pronto, tava feito. Mais uma mentira pra contar pros meus pais. Falei pra eles que ia dormir na casa da Mari, que a gente ia fazer uma maratona de filmes com as meninas. Minha mãe, como sempre, acreditou, com aquele sorriso de “minha filha é tão responsável”. Meu pai nem levantou os olhos do tablet, só murmurou um “Se comporte, Ana Luísa”. Eu senti um nó no estômago. Mentir tava ficando fácil demais, e isso me assustava. Mas o desejo de ver o Cayo era mais forte que o medo.
Na sexta à noite, me arrumei com cuidado, tentando equilibrar meu estilo com algo que não gritasse tanto “patricinha”. Escolhi uma calça jeans justa, uma blusa preta soltinha com decote que mostrava só um pedaço do ombro, e uma jaqueta de couro que eu nunca usava, mas que achei que combinava com ele. O cabelo solto, um batom vermelho discreto, e um perfume que misturava flores com algo mais quente. Me olhei no espelho e, por um segundo, não reconheci a menina ali. Era eu, mas uma versão que queria se soltar, que queria ser mais do que a filha perfeita dos Bernardes.
Cheguei na esquina que ele marcou, um ponto discreto perto de uma praça na Zona Sul. Ele já tava lá, encostado na Yamaha vermelha, com a jaqueta de couro e um cigarro entre os dedos. Quando me viu, jogou o cigarro no chão e deu aquele sorriso torto que me desarmava. Os olhos castanhos brilharam, percorrendo meu corpo de cima a baixo, e eu senti o calor subir pelo rosto.
— Caraca, princesa, tu tá tentando me matar com essa jaqueta? — ele disse, com a voz rouca, se aproximando. — Tô começando a achar que tu quer mesmo entrar no meu mundo.
Eu ri, tentando manter a pose, mas o jeito que ele me olhava, com desejo puro e uma pitada de admiração, fazia minhas pernas tremerem.
— Não se ilude, motoqueiro. Só tô te fazendo um favor, pra não passar vergonha sozinha nesse rolê.
Ele riu, baixo, e se aproximou mais, até estar a centímetros de mim.
— Um favor, é? Então deixa eu te agradecer direito. — Antes que eu pudesse responder, ele me puxou pela cintura, colando meu corpo no dele, e me beijou.
Um beijo lento, quente, cheio de intenção. Os lábios dele eram firmes, urgentes, e o gosto de cigarro misturado com algo que era só ele me fez suspirar contra a boca dele. Suas mãos subiram pelas minhas costas, os dedos roçando a pele exposta no ombro, e cada toque era como uma faísca, queimando, me fazendo querer mais. Eu segurei a nuca dele, sentindo o cabelo bagunçado sob meus dedos, e me entreguei. Só um pouco. Só o suficiente pra sentir ele.
Quando se afastou, eu tava ofegante, o coração disparado. Ele sorriu, como se soubesse exatamente o que tava fazendo comigo.
— Pronta pra voar, princesa?
Ele me entregou um capacete, e eu subi na garupa da moto, hesitante. Nunca tinha andado de moto antes, e a ideia de me segurar nele, com o vento batendo, me dava um frio na barriga. Mas quando ele ligou o motor, e a Yamaha roncou alto, eu passei os braços pela cintura dele, sentindo a firmeza do corpo dele sob a jaqueta.
— Vai com calma, tá? — murmurei, meio brincando, meio nervosa.
— Calma não é comigo, Analu — ele respondeu, rindo, antes de acelerar.
O vento bateu no meu rosto, frio e livre, enquanto a cidade passava num borrão. Eu me segurava nele, o peito contra as costas dele, sentindo o calor dele mesmo com a velocidade. Era como se o mundo inteiro sumisse, e fosse só eu, ele, e a estrada. Ele pegou a orla, passando pela praia de Copacabana, com o mar brilhando sob a luz da lua. Eu ria, o cabelo voando, o coração leve. Por um momento, esqueci as mentiras, os meus pais, o peso de ser a Ana Luísa Bernardes. Era só a Analu, na garupa da moto de um cara que me fazia sentir viva.
Ele parou num mirante, com vista pro mar e pro Pão de Açúcar ao fundo. Desligou a moto, tirou o capacete e me ajudou a descer. Eu tava rindo, o rosto quente, o corpo ainda vibrando com a adrenalina. Ele me puxou pra perto, as mãos na minha cintura, e me olhou nos olhos, sério dessa vez.
— Tu já sentiu isso antes, princesa? — perguntou, a voz mais baixa, quase vulnerável. — Essa liberdade? Esse negócio de esquecer tudo e só... viver?
Eu engoli em seco, sentindo o peso da pergunta.
— Não — admiti, olhando pro mar pra não encarar ele por muito tempo. — Minha vida é toda planejada. Meus pais, minhas amigas, o Humberto... tudo é certinho. Mas contigo... é diferente. É como se eu pudesse ser eu mesma, sabe?
Ele ficou quieto por um segundo, e eu vi algo nos olhos dele. Uma vulnerabilidade que ele não mostrava sempre.
— Eu também, Analu. Tu me faz querer ser mais. Mais que o cara da moto, mais que o moleque da quebrada que só fode tudo. Mas, sei lá, às vezes acho que não sou bom o suficiente pra você.
Aquilo me pegou desprevenida. O Cayo, o cara confiante, descarado, tava se abrindo. Mostrando um lado que eu não imaginava. Eu toquei o rosto dele, sentindo a barba por fazer sob meus dedos.
— Você é mais do que pensa, Cayo. Eu vejo isso.
Ele sorriu, mas o sorriso era triste.
Ele me puxou pra mais perto, e me beijou de novo. Dessa vez, o beijo era mais lento, mais profundo, como se ele quisesse dizer algo que as palavras não conseguiam. Suas mãos subiram pelas minhas costas, os dedos roçando a pele nua sob a blusa, e cada toque era como fogo. Eu sentia o desejo dele, o meu, misturados, me puxando pra um lugar que eu queria, mas temia. Minhas mãos apertaram a jaqueta dele, puxando ele mais pra mim, e eu me entreguei, só um pouco mais, deixando o calor dele me consumir.
Mas então, o peso voltou. As mentiras. O medo do que meus pais fariam se descobrissem. O medo do que eu ainda não sabia sobre ele. Ele tinha um passado, eu via nos olhos dele, nas cicatrizes, no jeito que ele falava de si mesmo. E se fosse pior do que eu imaginava? E se ele fosse mais perigoso do que eu pensava? Eu me afastei, ofegante, tentando recuperar o controle.
— Cayo, eu... eu preciso ir — falei, a voz tremendo. — Meus pais... eles não podem saber.
Ele assentiu, sem forçar, mas o olhar dele dizia que ele entendia.
— Beleza, princesa. Mas a gente vai se ver de novo. Tu sabe disso.
Ele me levou de volta, e eu desci da moto com as pernas ainda tremendo, o corpo quente dos toques dele. Quando cheguei em casa, deitei na cama e senti ele em mim. O cheiro de gasolina, o calor das mãos dele, o gosto dos beijos. Eu tava me entregando, mais a cada vez, mas o peso das mentiras crescia. O medo de ser descoberta. O medo de que o passado dele fosse um abismo que eu não podia atravessar. Mas, acima de tudo, o desejo. Tudo em mim queria ele. E isso era mais perigoso do que qualquer coisa.