Beijo de Rainha

1716 Words
Cayo A semana foi uma correria do c*****o. Depois de voltar de Angra, com o Zyon doente e a Gabi me enchendo o saco, eu mergulhei no trampo como se minha vida dependesse disso. E, na real, dependia mesmo. Ser motoboy no Rio é tipo correr uma maratona todo dia, só que com o sol torrando a nuca, no trânsito o povo te xingando e o celular apitando com pedido atrás de pedido. Entreguei de tudo: documento no Centro, almoço em Copacabana, remédio em Botafogo, até um bolo de aniversário em Ipanema pra uma festa de criança cheia de balão e palhaço. O ronco da minha moto era meu parceiro, e o vento na cara era a única coisa que me mantinha são. O Zyon, graças a Deus, melhorou. Na segunda à noite, quando passei na casa da Gabi pra ver ele, o moleque tava rindo, correndo pela sala com uma bola de futebol que eu comprei na promoção. Ele veio correndo, me abraçou com aquelas mãozinhas suadas e gritou: — Pai, tu é o melhor pai do mundo! Olha como eu chuto forte! Eu ri, baguncei o cabelo dele e me abaixei pra brincar. — Forte assim? Deixa eu ver, craque! Ele chutou a bola com toda a força que um moleque consegue, e a bola voou uns dois metros antes de cair no chão. Eu bati palma, como se ele tivesse feito um gol na final da Copa. — Caraca, Zyon! Tu vai ser melhor que o Messi, hein? Ele riu, mostrando os dentinhos pequenos, e meu peito aqueceu. Esses momentos com ele são o que me seguram. O que me fazem continuar, mesmo com a Gabi me cobrando, o dinheiro apertado e a vida querendo me engolir. Na quinta, passei lá de novo, levei um sorvete de chocolate que ele ama. Ele lambeu o sorvete todo errado, sujando a cara inteira, e me olhou com aqueles olhos que puxaram os da Gabi, mas com o meu sorriso. — Pai, tu sempre traz coisa boa. Tu é o melhor mesmo. — Claro, moleque. Pra tu, eu faço o impossível — respondi, limpando o rosto dele com a manga da minha camiseta uv. Ele riu e me abraçou, e por um segundo, eu esqueci de tudo. Da correria, das contas, da Analu. Bom, quase esqueci dela. Porque, p***a, a Analu não saía da minha cabeça. Toda hora, entre uma entrega e outra, eu lembrava dela. Do beijo em Angra, do jeito que ela ficou sem ar, do jeito que ela tentou fingir que não sentiu nada. Eu pilotava pela cidade, desviando de carros, e via o rosto dela. Os olhos azul-acinzentados, o cabelo loiro brilhando no sol, a boca macia que parecia feita pra mim. Eu tava puto comigo mesmo. Como assim, eu, Cayo, o cara da quebrada, tava gamado numa patricinha que me olhou com nojo? Uma mina que vive num mundo de carrões, mansões e playboys de camisa polo? Mas não adiantava. Ela tava lá, cravada na minha mente, como um prego que eu não conseguia tirar. Na sexta, o Léo me ligou, todo empolgado. — Mano, consegui ingressos pra uma balada f**a no Leblon amanhã! Um amigo meu tá na lista VIP, liberou pra gente. Bora? Tu tá precisando relaxar, irmão. Eu hesitei. Leblon? Só de pensar, já imaginava um lugar cheio de mauricinhos e patricinhas, com drinks que custam o que eu ganho num dia. Não era minha praia. Minha vibe é mais um bar no morro, com cerveja gelada e pagode rolando. Mas o Léo insistiu. — Vai, Cayo! Os manos vão, e tu tá muito na bad. Vamos curtir, quem sabe não pega uma mina pra te tirar dessa vibe? — Tô de boa, Léo. E o Zyon? Não posso deixar a Gabi na mão de novo. — Relaxa, irmão. É só uma noite. O Zyon tá melhor, tu disse. Vem com a gente, vai ser f**a. Acabei cedendo. Talvez porque eu tava cansado de pensar na Analu sem fazer nada. Talvez porque eu precisava de uma noite pra apagar ela da minha cabeça. Então, no sábado, me arrumei do jeito de sempre: camiseta preta, jeans rasgado, tênis velho e a jaqueta de couro que é tipo minha armadura. Peguei a moto e fui pro Leblon com os manos, o Léo na CB 500 dele, o Juninho e o Vitinho de carona. Quando cheguei na boate, já senti o contraste. O lugar era puro luxo: luzes neon, sofás brancos, garrafas brilhando nas mesas, e uma galera que parecia saída de revista. Caras de camisa social, minas com vestidos que deviam custar mais que minha moto. Eu me senti um peixe fora d’água, com minha roupa surrada e minha vibe de quebrada. Mas, p***a, eu não sou de abaixar a cabeça. Entrei com os manos, peguei uma cerveja no bar e fiquei encostado, observando. Não demorou pra umas gatinhas começarem a olhar. Uma morena de cabelo cacheado veio falar comigo, sorrindo, jogando charme. Outra, com um vestido vermelho colado, passou roçando de propósito. Elas tavam na minha, e eu sabia que era só querer pra rolar. Mas, na real, nenhuma delas me pegava. Não como ela. E então, eu vi. Lá no meio da pista, dançando com as amigas, estava ela. Analu. Vestido preto justo, salto dourado, cabelo solto brilhando sob as luzes da boate. Ela parecia uma rainha, intocável, mas com aquele ar de quem tá tentando se convencer que tá no controle. Nossos olhos se cruzaram, e eu senti um choque no peito. Levantei a cerveja, com um sorriso torto, e ela desviou o olhar, mas não antes de eu ver o rubor nas bochechas dela. Ela sabia que eu tava ali. E, p***a, eu sabia que ela tava pensando em mim. Os manos perceberam. O Juninho riu. — Mano, a loirinha tá ali! Tu vai deixar passar de novo? — Cala a boca, p***a — respondi, mas já tava andando na direção dela. Não sei o que me puxava. Raiva, desejo, tudo misturado. Ela tava dançando com as amigas, rindo, mas dava pra ver que era forçado. Como se ela quisesse se convencer que tava se divertindo. Cheguei perto, e ela parou, me encarando. — Loirinha, tá me evitando? — perguntei, com a voz rouca, me aproximando o suficiente pra sentir o perfume caro dela. Ela cruzou os braços, com aquele jeito metido que me dava raiva e t***o ao mesmo tempo. — Evitando? Não, eu só não achei que você frequentasse lugares assim. Não é muito — ela fez uma pausa me olhando de cima a baixo me medindo. — seu estilo, né? Eu ri, dando um passo mais perto. — Meu estilo é onde eu quiser, princesa. E você? Tá aqui fingindo que é feliz nesse mundo de playboy, mas eu sei que você tá pensando em mim. No beijo que eu te dei em Angra. Ela abriu a boca pra responder, mas não disse nada. A música tava alta, um house que fazia o chão vibrar, e eu estendi a mão. — Beijo? Foi só um momento, Cayo. Nao significa nada. Eu tava entediada, você tava lá. Só isso. — Só isso? — Ergui uma sobrancelha, analisando ela. — Então por que você tá corada agora? Por que não consegue para de olhar pra mim? Ela ficou sem reação. Eu então estendi a mão pra ela. — Vem, dança comigo. Ou tá com medo de se soltar de verdade? Ela hesitou por uns segundos. — Medo? — Ela falou em tom de desafio. — Eu não tenho medo de você. Só não quero perder meu tempo. Puxei ela pra pista, e o contraste era f**a: ela, toda chique, brilhando como uma joia, e eu, com minha camiseta surrada e minha vibe de quebrada. Mas quando começamos a dançar, tudo se encaixou. Ela se movia com graça, mas com uma tensão que eu sentia na pele. Eu cheguei mais perto, as mãos na cintura dela, e a provoquei: — Tá vendo? — Eu disse no ouvido dela. — Você pode fingir que é de outro planeta, mas tá gostando disso. De estar aqui comigo. — Você é convencido, hein? — ela retrucou, mas tava sorrindo, os olhos brilhando sob as luzes. — Só tô dançando pra te mostrar que não tenho medo de você. Eu ri mano. A música mudou, ficou mais lenta, sensual. Eu não pensei duas vezes: colei meu corpo no dela, as mãos firme na cintura, sentindo o calor dela contra mim. Ela não recuou. Pelo contrário, se aproximou, os braços subindo pros meus ombros. — Relaxa, princesa. — Eu sussurrei, os lábios já roçando na orelha dela. — Só deixa rolar. E então, eu fiz o que meu corpo tanto queria, eu a beijei. Bruto, intenso, quente. Como se o mundo fosse acabar ali. Os lábios dela se abriram pros meus, e o gosto dela — gin, coco, algo doce — me levou pra outro planeta. Minha mão desceu, apertando a b***a dela, sentindo a curva sob o vestido. Ela riu contra minha boca, um som que me fez perder o chão, e eu larguei os lábios dela pra descer beijos pelo pescoço. Cada toque fazia ela tremer, e eu sentia o corpo dela respondendo ao meu. Era química pura, como se a gente fosse feito pra isso. A música parou, e a gente se afastou, ofegantes. Ela me olhou, os olhos arregalados, o rosto vermelho. — Cayo... — ela começou, mas não terminou. Eu sorri, tentando fingir que tava no controle. — Fala, princesa. Quer que eu pare? Ela riu, mas não respondeu. Quando a música terminou nos afastamos. — Tô te ganhando, Analu. Pode negar o quanto quiser. Ela riu sem graça, não conseguia negar tenho certeza. — Você sonha alto, motoqueiro. E voltou pras amigas. Eu fiquei ali, na pista, com o coração batendo como se eu tivesse corrido uma maratona. Voltei pro bar, pedi outra cerveja, mas tava mexido. Confuso. Puto comigo mesmo. Porra, eu tava apaixonado. Apaixonado por uma mina que nunca ia me levar a sério. Uma patricinha que vive num mundo que não é o meu. Mas aquele beijo... aquele beijo de rainha me pegou. E agora, como é que eu ia sair dessa? ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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