ISABELLA ROTH
Senti meu peito apertar. A luz da manhã entrava pela fresta da cortina, iluminando o quarto bagunçado — os lençóis amassados, algumas peças de roupa pelo chão. Tudo me lembrava da noite anterior. Só que, do jeito que ele tava, sério, arrumado, parecia que nem tinha estado comigo.
Mexi de leve, fingindo que tava me ajeitando, só pra ver se ele notava que eu tava acordada. Ele me olhou rápido, e naqueles olhos eu vi uma coisa que me doeu: arrependimento. Quase chorei na mesma hora. Puxei o edredom, tentando esconder meu corpo e meu constrangimento.
Não queria falar, mas a pergunta escapou:
— Está tudo bem?
Ele respirou fundo, e a frieza na voz dele me cortou por dentro:
— Ninguém pode te ver aqui. A gente conversa depois.
Meu estômago embrulhou, e senti o rosto esquentar de vergonha e de raiva. Como assim ninguém podia me ver? E eu, como ficava? Ele se levantou, seguindo pra porta. Meu coração deu um salto, e as palavras saíram sem que eu pensasse:
— Kaio...
Ele parou, virando metade do corpo na minha direção, sem me encarar totalmente. Parecia segurar uma tensão enorme dentro dele. Juntei o pouco de coragem que me restava e soltei:
— O que... o que foi isso pra você?
Ele ficou em silêncio por uns segundos, me torturando com aquela falta de resposta. A respiração dele tava pesada. Me senti péssima, como se tivesse perguntado algo que não devia.
— Você me procurou — acrescentei, tentando lembrar que ele tinha tomado a iniciativa.
— Eu sei — foi tudo que saiu da boca dele, sem olhar nos meus olhos, antes de dizer que a gente ainda ia conversar. Só que a pergunta que martelava na minha cabeça não me deixou parar:
— E como... a gente fica?
Ele me cortou de novo, antes que eu conseguisse terminar:
— Do mesmo jeito.
Meu coração despencou. Meu peito parecia cheio de pedras, pesado. Depois, ele finalizou sem piedade:
— Nada mudou.
E simplesmente saiu. Fiquei ali, abraçada ao edredom, sentindo um nó na garganta. Olhei pro quarto e vi a bagunça que a gente tinha feito, mas também vi como aquilo tudo podia sumir num piscar de olhos. Ele diz que nada mudou, mas, dentro de mim, tudo tava diferente. E eu não fazia ideia de como ia encarar o trabalho, as pessoas, e principalmente ele... depois dessa noite que parecia ter virado só um erro pra ele.
....
NARRAÇÃO KAIO MAVERICK.
Acordei com a luz entrando pela fresta da cortina e demorei alguns segundos para me situar. O lençol estava caído pela metade do meu corpo e, ao lado, notei o contorno delicado de Isabella. Seu cabelo loiro estava espalhado pelo travesseiro, a pele parcialmente coberta pelo edredom. Um cenário que, em outro momento, poderia ter sido reconfortante… mas, no instante em que percebi onde eu estava e o que tinha acontecido, senti um peso insuportável no peito.
Não consigo tirar da cabeça que fiz isso aqui, neste quarto, nesta casa. A mesma casa que construí com a Letícia, onde imaginamos uma vida inteira juntos, onde sonhamos em criar nossos filhos. E eu… eu simplesmente perdi o controle. Todas as barreiras que ergui desde que ela morreu, todas as promessas que fiz a mim mesmo, foram ignoradas no momento em que eu cedi ao desejo de ter Isabella nos meus braços.
Eu havia dormido com outras mulheres depois que Letícia se foi. tentativas vazias de preencher um vazio que eu sabia que não tinha solução. Mas nada nunca me abalou dessa forma. Quando abri os olhos e vi Isabella, tudo o que senti foi culpa, arrependimento e um medo sufocante de estar traindo a memória da Letícia, de estar a substituindo. Foi um pensamento automático: não posso deixar ninguém ocupar o lugar dela. Nunca.
Senti Isabella se mexer ao meu lado e ouvi sua respiração mudar. Ela estava acordando. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, me levantei apressado. Puxei a roupa que achei pelo chão e, sem conseguir encarar ela direito, soltei as únicas palavras que consegui reunir:
— A gente conversa depois. Nada mudou.
Eu sabia que soava frio, quase c***l, mas não conseguia lidar com aquilo. Não podia ou não queria me abrir e mostrar a confusão que estava dentro de mim. Saí do quarto, deixando-a para trás, e fui direto para a porta de entrada.
Quando já estava prestes a sair, me deparei com Elza chegando. Ela arregalou os olhos e, por um segundo, tive certeza de que ela iria deduzir tudo que tinha acontecido. Minha cabeça estava uma bagunça, mas eu precisava dizer algo, ainda mais depois de tudo que Isabella contou sobre o problema da filha dela.
— Ela já me explicou, não tem problema algum — falei rápido, sem muita clareza. Cocei a têmpora, tentando parecer calmo. — Espero que sua filha esteja bem, qualquer coisa que precisar, pode falar comigo.
— Obrigado, senhor Kaio, eu nem sei como agradecer sua compreensão.
Elza agradeceu, mas eu podia ver a curiosidade na expressão dela. Não quis prolongar a conversa; eu precisava fugir daquela casa, dos meus próprios pensamentos. Entrei no carro e parti para o escritório.
No caminho, o silêncio do carro foi uma tortura. Minha mente voltava, repetidamente, para as cenas da noite anterior: o toque de Isabella, a forma como me fez esquecer por alguns instantes a dor que carrego desde a morte da Letícia. Sentir aquilo me fez ter medo. Medo de admitir que ainda posso viver algo intenso, de descobrir que sou capaz de me envolver de novo e principalmente, de encarar o fato de que eu mesmo disse, em voz alta, que nunca mais amaria ninguém.
Chegando ao escritório, tentei me concentrar no trabalho, mas tudo parecia sem sentido. Eu me sentia um covarde por ter saído daquele jeito, por não ter sequer tentado conversar de verdade com a Isabella. Me odiava por vê-la tão vulnerável naquele quarto e não ter agido com o mínimo de consideração ou cuidado. Ainda assim, parte de mim se justificava, dizendo que não havia outra saída. Como eu poderia abrir meu coração e expor tudo o que sinto? Contar sobre a Letícia, sobre a promessa que fiz a mim mesmo? Não… isso ainda não é possível.
Por enquanto, tudo o que consigo pensar é em como consertar esse estrago. Ou talvez nem seja possível consertar. Mas também não posso ignorar o que aconteceu. É como se tivesse rasgado uma ferida que nunca cicatrizou por completo. E agora, aqui estou eu, preso entre a culpa e a lembrança arrebatadora do que senti ao ter Isabella nos meus braços.
Resta saber se vou conseguir manter essa distância que insisto em impor ou se, inevitavelmente, vou ceder outra vez. Nesse exato momento, cada parte de mim ainda treme com o que houve na última noite – e, pela primeira vez em muito tempo, não tenho certeza de como seguir adiante.
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