AFETOS QUE NÃO APROVO.

1274 Words
KAIO MAVERICK Havia acabado de receber a notícia de que ela havia saído muito cedo do apartamento. O que me fez desligar aquela ligação com um pensamento confuso. Por que não me ligou? Levei o celular ao queixo, pressionando-o em minha mão com o pensamento distante. Fui interrompido quando a porta do meu escritório se abriu e meus dois filhos passaram por ela. — Papai!! Soltei o celular quando ela veio correndo em minha direção. — Opa! Kaleb veio acanhado e abraçou minhas pernas. — Desculpa! Elza disse assim que me viu despido, virando o olhar, enquanto meus filhos me abraçavam. — Você ficou! Elza disse que você não foi trabalhar hoje. — Fiquei sim, hoje vamos ter um dia diferente. Os olhos dela brilharam, Kaleb me olhou com confusão. Era fora da sua rotina uma faltinha. — Já tomaram café? — Hurrum! — Certo então... me esperem se trocar, vamos ter um dia diferente hoje. — Eba!!! Olhei para o meu menino e dei um sorriso leve, passando a mão em seus cabelos bagunçados levemente. — Tudo bem, garotão? Ele acenou com um sorriso pequeno. — Hurrum. — Eu vou trocar de roupa rapidinho. Ele acenou. Olhar para ele sempre me trazia lembranças dela, ele era tão parecido. Soltei Zoe do meu colo e a pus no chão. — Separe tudo que for preciso, Elza, vamos dar um passeio. Ela, sem me olhar, acenou com um sorriso orgulhoso. — Certo, vamos crianças... vamos organizar as mochilas. Eles correram felizes, fui atrás para por uma roupa decente. Era um novo começo, bom... ao menos para eles. ... Dirigia com as mãos firmes no volante, mas a mente longe. Desde que deixei Isabella no meu apartamento na noite passada, não recebi nenhuma ligação dela. Nenhuma mensagem, nenhum sinal. Eu sequer tinha seu número. Apenas deixei meu cartão de visitas para que ela me procurasse, e até agora… nada. Parte de mim queria acreditar que ela apenas tinha esquecido ou que não precisava de nada. A outra parte, porém, não conseguia afastar a inquietação no peito. No banco de trás, Zoe e Kaleb estavam entretidos olhando a paisagem passar. Kaleb, como sempre, silencioso. Zoe, por outro lado, falava sem parar. — E a Isabella dança comigo. Comentou de repente, balançando os pezinhos no banco. Meu olhar foi direto para o retrovisor. — Ah, é? Tentei soar leve, mesmo com a estranheza na voz. — E o que mais ela faz? — Ajeita meu cabelo, faz trança! Contou animada. — E canta musiquinha baixinho pra eu dormir. Senti um aperto no peito. Engoli em seco e olhei rápido para Elza, a babá que trabalhava comigo há anos. Ela sorriu de canto, mas não comentou nada. — E a Elza não faz isso? Perguntei, mais por reflexo do que por qualquer outra coisa. — A Elza faz também! Ela garantiu, dando um sorriso doce para a babá. — Mas Isabella canta diferente… Eu acho que seria parecido com a voz da mamãe. Meu peito apertou. Zoe já não mencionava a mãe há algum tempo. Agora, do nada, estava comparando Isabella a ela? Antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa, Kaleb puxou a barra da blusa da irmã, como se pedisse que ela parasse de falar. Ele não se expressava com palavras, mas seu olhar dizia muito. — O que foi, Kaleb? Perguntei, atento. Ele apenas me encarou e balançou a cabeça devagar. — Ah, é segredo! Zoe soltou uma risadinha, tapando a boca com as mãos. Minhas sobrancelhas franziram. — Segredo? — É... Segredo nosso. Ela repetiu, inocente. Meu estômago revirou. Isabella tinha segredos com a minha filha? Respirei fundo, tentando me manter tranquilo. Eu m*l conhecia Isabella. Apenas senti que deveria ajudá-la. Mas, ao que parecia, Zoe já a enxergava como algo muito maior do que eu imaginava. Algo além do que eu havia sentido. Antes que o assunto fosse mais longe, estacionei no parque ecológico e saí do carro. Hoje era para ser um dia de diversão com meus filhos. Eu precisava me concentrar neles. O parque estava cheio. Crianças corriam de um lado para o outro, e o cheiro de pipoca doce misturado com grama fresca trazia um pouco da minha infância de volta. — Vamos pegar sorvete! Anunciei, tentando quebrar o peso que ainda pairava sobre mim. Zoe aplaudiu animada e correu ao meu lado, enquanto Kaleb seguia mais devagar, segurando a mão de Elza. No carrinho de sorvete, olhei para os sabores disponíveis. Sem nem pensar muito, pedi um de morango para Zoe. — Aqui, princesa. Seu favorito. Ela franziu o nariz, cruzando os braços. — Eu não gosto de morango, papai. Pisquei, confuso. — Como assim? Você sempre gostou. — Mas agora eu gosto de baunilha e cereja! Fiquei parado por um instante, segurando o sorvete de morango, enquanto Zoe pedia seu novo sabor favorito. Quando foi que isso mudou? Quando foi que minha filha parou de gostar de morango? Olhei para Kaleb, que lambia seu sorvete de chocolate em silêncio, e depois para Zoe, que devorava o dela de baunilha com cerejas. Senti o peso do tempo. Eu os conhecia… Mas só até onde minha memória permitia. Até a idade em que eu ainda estava presente. Desde então, as coisas mudaram, eles mudaram… e eu estava atrasado. --- Enquanto caminhávamos pelo parque, Kaleb se distraiu com um grupo de tartarugas em um pequeno lago, puxando a mão de Elza para levá-la até lá. Aproveitei o momento e chamei Zoe para perto, abaixando-me até ficar na altura dela. — Filha, eu queria falar com você sobre a Isabella. Ela olhou para mim com seus olhinhos brilhantes, lambendo um restinho do sorvete nos lábios. — O que foi, papai? Respirei fundo, tentando escolher as palavras certas. — Eu percebi que você gosta muito dela… — Eu gosto! Ela confirmou, sorrindo. — Ela é boazinha. — Mas, filha… você não pode se apegar tanto assim a uma babá. O sorriso de Zoe diminuiu um pouco, e ela inclinou a cabeça de lado. — Por quê? Suspirei. Eu sabia que seria difícil explicar isso para uma criança de seis anos, mas precisava tentar. — Porque babás vão e vêm. Elas não ficam para sempre. E ninguém… Pausei por um instante, sentindo o aperto no peito. — Ninguém pode substituir sua mãe. Ela me encarou por alguns segundos, depois baixou os olhos, chutando uma pedrinha no chão. — Mas eu não quero substituir a mamãe… — Eu sei, meu amor. Mas eu fiz uma promessa à sua mãe antes de ela partir. Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. Essa promessa era um mantra que eu repetia para mim mesmo desde o dia em que enterrei a mulher que amei. Eu prometi que cuidaria deles. Que não deixaria ninguém tomar o lugar dela. — Isabella não é da nossa família, Zoe. Você pode gostar dela, mas não como se fosse alguém que vai ficar para sempre. Zoe franziu o rostinho, parecendo confusa. — Mas… ela é diferente, papai. Minha mandíbula travou. — Diferente como? Ela olhou ao redor, como se verificasse se Elza e Kaleb estavam longe o suficiente. Então, segurou minha mãozinha e sussurrou: — Ela disse que tem um segredo comigo. Meu corpo ficou tenso. — Que segredo? — Eu não posso contar. — Zoe… Ela hesitou, mordendo o lábio, e depois disse baixinho: — Ela disse que se eu contasse, você ia brigar com ela. Fechei os olhos por um segundo, tentando controlar a onda de frustração que me tomou. Isabella. Primeiro, ela mexia com a minha cabeça. Agora, estava mexendo com a minha filha. O que diabos estava acontecendo?
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