Um convite que pode mudar tudo.

1384 Words
ISABELLA ROTH A postura dele era firme, imponente. Como se sua mera presença ocupasse todo o espaço da sala. Sutilmente, me afastei dos pequenos, sentindo o peso daquele olhar. — Vocês já estão prontos? Tentei quebrar o silêncio. Antes que qualquer um dos dois pudesse responder, ele me cortou. — Vamos no meu carro hoje. Vou acompanhar. — É, Bella! O papai vai me ver hoje! — Que legal... Respondi sem jeito, evitando o contato com seu olhar, mas era inevitável. O choque da decisão inesperada me fez encará-lo. A troca de olhares durou segundos. Mas foi intensa o suficiente para arrepiar minha pele. Havia algo ali. Algo não dito. Engoli seco e assenti. — Vamos então... Os pequenos vibraram de empolgação. Mas, enquanto saíamos da casa e entrávamos no carro, eu sentia seu olhar sobre mim. O trajeto foi um jogo silencioso. Um campo de batalha de olhares furtivos. Meu corpo inteiro estava em alerta. Para disfarçar, deslizei os dedos pelas pontas das unhas, um velho hábito quando estava nervosa. A pequena, no banco de trás, era a única alheia à tensão no ar. — Papai, minha apresentação tá chegando! Ele fez um som de aprovação baixo. — Eu sei. Ela arregalou os olhos e se inclinou um pouco para frente. — O senhor vai, né? Ele olhou rapidamente para ela pelo retrovisor. — Sim. Era tão prático, chegava a ser seco para falar com uma criança. Ela deu um gritinho animado, sem se importar com a indiferença na voz do pai. — Eu vou ficar tão feliz de ver vocês lá! Vou mostrar pra todo mundo! O impacto daquela frase me atingiu antes mesmo de processá-la. Minhas mãos pararam de se mexer. E então, como se sentisse minha reação, ele olhou para mim. Foi um olhar furtivo. De canto de olho. Mas eu senti. Minha garganta secou. Se antes ele estava apavorado com a ideia da suposta substituição da mãe dela, agora… ferrou tudo. Ele virou o rosto rapidamente, voltando a focar na estrada. Não parecia achar r**m a fala da filha. Os sentimentos dentro de mim estavam tão aguçados perto de sua presença que chego a acreditar que ele também estava sentindo. Ele também sentia isso. Essa tensão invisível, essa coisa silenciosa que nos puxava um para o outro. E eu não sei mais como controlar isso, como fingir não sentir. Eu não posso, não devo sentir isso. Não depois dos erros que cometi com o Renato. Ah, meu Deus… e agora ele me persegue. Ele sabe onde me achar. Quantas vezes vou ter que vê-lo em minha porta? Isso está me sufocando... Será que precisarei mandar barrar sua presença? Ou pior... sair do meu apartamento? Não, eu não quero nem pensar nisso. .... KAIO MAVERICK O silêncio dela estava me incomodando. Desde que deixamos Kaleb no fonoaudiólogo e seguimos para o balé, Isabella parecia distante. Eu a observava de relance enquanto dirigia, tentando ignorar a sensação irritante de que algo estava errado. Ela olhava pela janela, perdida em pensamentos, com os lábios pressionados num reflexo inconsciente de tensão. Não era assim que ela costumava ser. Normalmente, Isabella tinha um jeito… vivo. Mesmo quando tentava manter a postura profissional, ela irradiava algo leve. Mas agora, era como se uma sombra tivesse se instalado nela. E isso me incomodava mais do que deveria. Por que diabos eu me importava tanto? Suspirei, desviando o olhar da estrada por um instante. Quando chegamos à escola de dança, estacionei e saí do carro. Isabella fez o mesmo, ajustando a bolsa no ombro, mas sem erguer os olhos para mim. Zoe desceu animada, segurando sua pequena mochila cor-de-rosa. — A gente pode assistir? Perguntei, e ela sorriu largo. — Sim! Mas tem que ser lá de cima, na sala dos pais. Assenti e segui com ela para o espaço indicado. O local tinha uma parede de vidro, permitindo que os responsáveis assistissem às aulas sem interferir. Nos acomodamos nas cadeiras laterais, e Zoe correu para o grupo de alunas. O silêncio ao meu lado voltou a pesar. Cruzei os braços, observando Isabella de canto de olho. Ela continuava distante. O que estava acontecendo com ela? Por um momento, achei que ainda fosse por causa da nossa discussão mais cedo. Que talvez eu tivesse pegado pesado. Então, fiz algo que normalmente não faço. Falei primeiro. — Se ainda está incomodada com o que aconteceu de manhã, esqueça. Ela piscou, parecendo despertar de seus pensamentos. — O quê? Inclinei levemente o rosto em sua direção. — A discussão... Ela franziu a testa. — Não é isso. — Ah, é? Não parece... Ela soltou um suspiro discreto, mexendo nos dedos. — Eu também tenho uma vida além do trabalho, Kaio. Aquilo foi um corte direto. Mas o que mais me irritou não foi a resposta. Foi a forma como ela disse. Como se quisesse me afastar. Eu deveria aceitar isso e encerrar o assunto. Mas não aceitei. Não desta vez. — Que tipo de problema? Ela hesitou. Por um breve instante, seus olhos encontraram os meus. E foi ali que eu vi. O brilho diferente. A inquietação. Algo estava errado. Mas, num segundo, ela se recompôs. — Nada sério. Problemas banais. Não vou deixar que isso interfira no meu trabalho. Não se preocupe com isso. Havia algo errado na forma como ela dizia aquilo. Como se estivesse colocando uma máscara. E, pela primeira vez, eu quis saber mais. Não sobre a babá. Mas sobre a mulher ao meu lado. Porque, seja lá o que estivesse acontecendo, não era banal. E aquilo incomodava muito mais do que deveria. (...) MAIS TARDE O silêncio do quarto parecia amplificar a bagunça na minha mente. Passei a mão pelo rosto, sentindo a aspereza da barba crescer sob meus dedos, enquanto soltava um suspiro pesado. Aquela sensação estava me corroendo. Desde que deixei Isabella na mansão e subi para o quarto, minha mente não encontrou descanso. Era como se algo dentro de mim estivesse se partindo, rachando a base de um muro que eu ergi por anos. Eu não podia sentir isso. Eu não devia sentir isso. Meus olhos caíram na mesinha de canto ao lado da cama, onde um porta-retratos repousava como um lembrete implacável. Peguei o quadro, segurando-o firme. A foto mostrava Letícia e eu, sorrindo para a câmera, congelados em um tempo que já não existia. Um tempo em que eu ainda sabia quem eu era. — Eu juro que estou tentando, Letícia... Minha voz saiu baixa, quase um sussurro quebrado. — Eu só não sei como passar mais tempo assim. Minhas mãos apertaram o quadro. — Essa promessa, eu não sei porque te fiz ela, não deveria! Deixei o objeto de lado com mais força do que deveria, desviando o olhar. Eu a amei. Durante a vida dela. E por todos os anos desde que se foi. Mas agora... agora parecia tão difícil. Fechei os olhos, tentando sufocar aquela sensação dentro de mim. Aquele desejo latente, aquela necessidade irritante que surgia sempre que Isabella estava por perto. Era físico? Era carência? Ou era algo pior? Eu me recusei a concluir a resposta. O toque do meu celular ecoou no quarto escuro, me arrancando do turbilhão de pensamentos. Peguei o aparelho e vi o nome na tela. Otávio. Soltei um suspiro antes de atender. — Fala, Otávio. — Ih... Pela voz, você está precisando mais do que eu... — Precisando do quê? — Uma noitada, das boas! O som da música alta, abafada já podia ser ouvido. — Tá na hora de sair desse limbo, cara. Fiquei em silêncio. — Você precisa sair, respirar, dar um tempo pra sua cabeça. Eu sabia onde ele queria chegar. — Não tô no clima. — Para de desculpa. Você tá precisando. Minha mandíbula travou. Talvez ele estivesse certo. Talvez fosse só isso. Talvez tudo que eu precisasse fosse aliviar essa maldita tensão e colocar a cabeça no lugar. — Onde? Ouvi a risada leve dele do outro lado da linha. — Te mando o endereço. Só vem. Desliguei o celular, soltando um longo suspiro. Levantei da cama e peguei a carteira. Antes de sair, mandei uma mensagem para Elza, avisando que não voltaria cedo. Eu precisava disso. Eu tinha que acabar com essa sensação. Então saí. Em busca de apagar Isabella da minha mente.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD