O Diário Perdido

823 Words
Lucas (18) estava inquieto. A foto antiga que ele encontrou, com o jovem Daniel Albuquerque ao lado de sua mãe, queimava em seu bolso. As palavras de Viviane – “Você é muito parecido com Daniel” – ecoavam em sua mente. Ele precisava de mais do que insinuações e semelhanças. Precisava de provas. Seu foco estava agora na ala mais secreta e menos visitada do apartamento de Helena: a pequena biblioteca privada que ela usava para armazenar volumes raros e caixas de arquivos pessoais selados com fita adesiva. Helena era organizada, e Lucas sabia que se havia um segredo, ele estaria guardado sob uma camada de ordem. Ele esperou até a noite, quando Helena estava imersa em uma videoconferência com Tóquio, o som abafado de jargões jurídicos vindo do escritório. Com a cautela de um espião, Lucas acessou a biblioteca. Ele procurou atrás dos livros mais antigos, aqueles que ela nunca tirava da prateleira. Seus dedos roçaram uma caixa de madeira escura, escondida atrás de uma série de volumes de jurisprudência europeia. A caixa não tinha cadeado, mas estava disfarçada. Abrindo-a, Lucas encontrou cadernos velhos, cartas amareladas e, no fundo, um diário de capa de couro marrom, gasta nas bordas. O nome "Helena" estava rabiscado na frente, com a caligrafia impetuosa de uma adolescente. Ele levou o diário para o seu quarto e trancou a porta. A respiração dele estava acelerada. Ele não estava invadindo a privacidade da mãe; ele estava buscando a própria identidade. Ele abriu o diário. A primeira página tinha a data de dezenove anos atrás. “14 de março. Ele me olhou hoje na aula de Torts. Daniel. Ele tem aquele jeito de promotor mesmo quando está apenas pedindo um sanduíche. Ele me desafia. É errado. É completamente errado me sentir assim pelo garoto mais irritante e mais lindo do campus.” Lucas sentiu o choque gelado percorrer suas veias. Daniel e Helena, juntos. A atração era antiga. Ele pulou as páginas, procurando por um momento de clímax, o ponto de virada. A escrita de Helena era cheia de paixão e conflito, descrevendo encontros secretos, beijos roubados na biblioteca da faculdade e a intensidade daquela relação proibida. Então ele chegou à página que paralisou seu coração. A tinta estava borrada em alguns pontos, como se a caneta tivesse tremido. “10 de outubro. Eu estou grávida. G. R. Á. V. I. D. A. Eu não posso contar a ele. Não posso arrastá-lo para isso. A vida dele está começando, a Promotoria, o futuro brilhante que ele merece. Nós somos o caos. E eu não quero que o nosso filho seja marcado pelo caos.” Lucas largou o diário. O caderno caiu no tapete com um baque seco, mas ele não ouviu. As palavras o haviam atingido como um raio. O nosso filho. Ele não era o amante. Ele era o filho. Ele era o motivo. Helena não havia fugido por medo dele, o amante. Ela havia fugido por amor, por um sacrifício distorcido para preservar o futuro de Daniel. Ela o escondeu para que Daniel pudesse vencer, pudesse se tornar o Promotor respeitado que ele era hoje. Lucas pegou a foto. O homem na imagem não era um estranho, nem um mentor. Era o pai que ele nunca conheceu. A semelhança que Viviane notou não era um "jeito analítico"; era a genética. A verdade o esmagou. A raiva que ele sentia pela frieza de sua mãe se transformou em uma dor lancinante de compreensão. Ela viveu na mentira por dezoito anos, carregando o peso da Minha Escolha sozinha. Mas a revelação tinha um lado sombrio. Ele era o resultado de um segredo. E Daniel o odiava, pensando que ele era o homem que roubou Helena. O ódio do pai era baseado na mentira que a mãe havia criado para protegê-lo. Lucas pegou o celular e discou um número que Daniel havia lhe dado, mesmo após a demissão, para "assuntos urgentes do caso". Ele precisava confrontar o pai, confrontar a mãe. Mas ele parou antes de ligar. Se ele falasse, a guerra no tribunal se tornaria uma guerra familiar. Ele tinha o poder de expor tudo, de destruir as vidas que eles haviam construído sobre a mentira. Ele não faria isso. Não ainda. Ele precisava de mais provas e de um plano. Ele pegou o diário e encontrou uma página final, escrita dois dias antes de sua fuga. “12 de outubro. Vou partir amanhã. Minha escolha. Não haverá volta. Daniel vai me odiar, mas é a única maneira de salvar a nós três. Eu o amo. E nunca contarei a ele sobre nosso filho.” Lucas fechou o diário. O segredo estava em suas mãos. Ele agora sabia que o ódio de Daniel e o medo de Helena eram justificados, mas baseados em uma premissa falsa. Ele precisava reunir os dois, forçá-los a enfrentar a verdade, antes que o ódio de Daniel, manipulado por Viviane, destruísse a todos.
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