“Vivenciar"
Ser esfaqueado pelas costas, ter sua cabeça decepada, ainda não é pior do que ser o motivo de uma discussão que acabou em uma tragédia.
"Uma dor psicológica lhe tortura até sua morte."
Eu jamais imaginaria que uma "simples coisa" resultaria em uma discussão tão grande. Tudo começou pela manhã... Eu ainda era pequena, tinha uns 5 ou 6 anos, quando, por pura inocência, decidi pegar um pequeno pedaço de tijolo e comecei a desenhar no carro do meu pai. Fiz vários desenhos e, por fim, escrevi "Te amo papai" com letras tortas. Os arranhões ficaram visíveis, mas eu estava orgulhosa do meu trabalho.
Meu pai estava bêbado e, assim que percebeu o que eu havia feito, não demorou muito para levantar a mão e bater no meu rosto. Eu fiquei paralisada, sem entender por que ele estava tão bravo. Logo ouvi minha mãe, Sarah, correndo até nós. Ela parecia assustada, mas determinada a entender o que estava acontecendo.
"Por que você defende tanto essa pirralha, Sarah? Olha o que ela fez com o meu carro!" gritou meu pai, furioso. Eu me encolhi, esperando o pior, mas minha mãe não se afastou. Ela ficou entre nós, tentando me proteger.
Minha mãe se colocou entre mim e o meu pai, seus olhos cheios de preocupação e medo, mas também de uma determinação que eu não entendia na época. Ela não levantou a voz, apenas pediu para o meu pai se acalmar. Ele continuava a gritar, acusando-me de ter estragado o carro, como se o que eu tinha feito fosse algo imperdoável.
Eu não conseguia compreender por que ele estava tão bravo. O desenho era para ele, uma prova do meu amor, mas em vez de receber um sorriso ou um abraço, eu só recebi gritos. Minha mãe tentou me explicar depois, dizendo que ele não estava em si, que o álcool o fazia agir de formas que ele não agiria normalmente. Mas essas palavras não faziam sentido para mim, uma criança que só queria o amor de seu pai.
A tensão entre meus pais aumentava a cada dia, e eu podia sentir isso, mesmo sendo tão pequena. As brigas se tornaram mais frequentes, o ambiente em casa se tornou pesado, e eu me sentia culpada por ter desencadeado tudo aquilo.
Algumas semanas depois, tudo mudou de uma vez por todas. Era uma noite chuvosa, e estávamos no carro, voltando para casa depois de uma festa. Meus pais tinham discutido durante todo o caminho, a voz de meu pai estava ainda mais alta do que o normal, e minha mãe implorava para ele dirigir com cuidado. Eu estava no banco de trás, tentando me fazer pequena, tentando não atrair a atenção de ninguém.
De repente, o carro derrapou. Eu senti o impacto antes de entender o que estava acontecendo. O som de metal se retorcendo, o vidro estilhaçando, e a sensação de tudo girando ao meu redor. Tudo ficou confuso, um borrão de dor e medo.
Quando finalmente tudo parou, eu estava presa no banco de trás, o corpo do meu pai caído sobre o volante, imóvel. Minha mãe também estava silenciosa, o sangue escorrendo pela sua testa. Eu chamei por eles, mas não obtive resposta. A dor no meu peito era esmagadora, mas não tanto quanto o silêncio que seguiu.
Naquela noite, eu perdi meus pais, e nada mais seria o mesmo...
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Depois do acidente, fui levada para morar com a minha tia. E, pra falar a verdade, eu preferia estar morta. Nada melhorou; na verdade, tudo só piorou. Eu tinha perdido meus pais e, em vez de encontrar algum consolo, fui jogada em uma casa onde me tratavam como se eu fosse invisível. Minha tia nunca me deu o apoio que eu precisava. Em vez disso, eu era ignorada, como se fosse um objeto esquecido em um canto.
Ela era jovem, tinha 26 anos, e parecia mais preocupada com a própria vida do que comigo. À noite, ela costumava me dopar com remédios, para que eu dormisse profundamente e ela pudesse sair sem se preocupar. Eu me lembro de olhar para aqueles comprimidos, me perguntando se era isso que minha vida se tornaria — uma existência entorpecida e solitária.
Mas eu não queria ceder. Diversas vezes, depois de tomar os remédios, eu forçava vômito para que eles não fizessem efeito. Eu me recusava a aceitar que minha vida deveria ser assim, mesmo que não soubesse o que mais poderia fazer. O vazio que eu sentia parecia impossível de preencher, mas, mesmo assim, eu lutava, mesmo que fosse uma luta
silenciosa e desesperada.
Eu tentava agradá-la de todas as formas possíveis. Fazia o que ela mandava, mantinha a casa arrumada, ficava quieta quando ela trazia amigos, mas nada parecia ser suficiente. Sempre havia algo que eu fazia de errado, alguma coisa que a irritava. Ela brigava comigo por qualquer coisa, e eu nunca entendia o porquê.
Às vezes, me perguntava o que eu havia feito para a Tia Larah. Por que ela me odiava tanto? Eu não conseguia encontrar uma resposta. Será que ela me culpava pelo que aconteceu com meus pais? Será que, de alguma forma, eu era responsável pelo fato de ela ter que cuidar de mim? Essas perguntas giravam na minha mente, sem nunca me trazer paz.
Eu só queria que ela gostasse de mim, que me aceitasse, que me desse algum sinal de que eu não estava sozinha no mundo. Mas tudo que eu recebia em troca eram gritos, desprezo e a sensação de que eu nunca seria boa o suficiente para merecer seu amor. Cada dia que passava naquela casa me fazia sentir mais pequena, mais insignificante. E a cada noite, eu me perguntava se algum dia tudo aquilo mudaria.
Antes de dormir, ou até mesmo quando me encontrava sozinha nos cantos da casa, eu simplesmente parava e chorava. Sentia as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, cada uma carregando um pouco da dor que eu não conseguia expressar de outra forma. A angústia no meu peito era intensa, como se houvesse espinhos perfurando meu coração, me lembrando constantemente do vazio e da solidão que eu vivia. O silêncio ao meu redor só fazia com que a dor parecesse ainda mais insuportável, e tudo o que eu conseguia fazer era chorar, esperando que, de alguma forma, isso aliviasse um pouco o sofrimento.
Eu só desejava apoio, amor, carinho. Tudo aquilo que uma criança deseja e tem direito. Era o que eu mais ansiava, algo que parecia tão simples, mas que estava sempre fora do meu alcance. Eu queria alguém que me abraçasse e dissesse que tudo ficaria bem, que me confortasse quando o mundo parecia desmoronar ao meu redor. Mas, em vez disso, eu me sentia cada vez mais sozinha, presa em uma realidade onde o amor parecia ser apenas um sonho distante.
Na escola, eu já estava acostumada a ser ridicularizada. Não era por minha aparência, não. As outras crianças não me julgavam pelo jeito que eu me vestia ou pelo meu rosto. O que realmente as fazia me desprezar era a minha história, o que eu carregava comigo. Elas sabiam do acidente, dos meus pais, da minha vida com a tia Larah. Sussurros e risadas surgiam sempre que eu passava pelos corredores, como se eu fosse uma espécie de piada c***l que todos entendiam, menos eu. E cada vez que isso acontecia, a dor em meu peito ficava mais intensa, e o desejo de ser invisível, mais forte.
Porque isso acontece somente comigo? Eu só queria ser amada...
Eu só queria ser entendida. Não, não é normal ter pensamentos suicidas na infância e em nenhuma fase da vida. Mas a dor de todos esses 8 anos depois do acidente vem me matando aos poucos. Desde pequena, chorando com a mão na boca para abafar os sons que meu choro transmitia, a dor intensa no peito, a vontade de gritar, de desabafar, mas eu sabia que não tinha com quem contar, eu sempre seria julgada. Professores, colegas, parentes, ninguém nunca me disse um "Pode Contar Comigo". Então a única opção foi, “Sofrer Sozinha"...