Laços desfeitos.

1039 Words
Após todo o lamento e o concretizar da cremação de Laysa, voltamos pra casa em um silêncio ensurdecedor. Nada foi dito, apenas o som da voz da minha mãe, enquanto o som dos paços do sapato social do meu pai ecoava subindo as escadas. — Se quiser ficar no seu quarto antigo, ele está do jeito que você deixou, ou pode ficar em um de hóspedes, Celina já o organizou pra você. Acenei, ela logo subiu também. Fiz o mesmo indo ao meu quarto antigo. … No escuro do quarto, naquela noite dolorosa levantei pra pegar um copo d'água. O corredor era só sombras, mas as fotos da minha irmã enfeitavam as paredes. Só que reparei: não tinha uma foto minha ali desde que fui estudar em outra cidade. Encarando cada quadro, a falta de fotos minhas era óbvia. As risadas nas fotos, que antes eram da família toda, agora só gritavam minha ausência. A casa era só silêncio, com o som do chão rangendo sob meus pés, reforçando a solidão que eu sentia. Uma foto em especial chamou a atenção, onde Laysa e meus pais sorriam. Aquela imagem parecia registrar o último suspiro da época em que eu ainda era parte daquela família. As lembranças das fotos antigas, cheias de abraços e promessas, vieram à mente, mostrando o contraste com a realidade atual. A sensação de exclusão ficou mais forte, uma amargura crescendo dentro de mim. Parecia que, no dia em que parti em busca dos meus próprios caminhos, uma parte de mim morreu pra eles. Uma certeza triste se formou: essa exclusão vinha do meu pai, uma escolha que deixou minha ausência marcada. Voltando pro quarto, o espaço vazio na parede, onde deveria ter uma foto minha, mostrava a distância emocional que agora separava as imagens felizes do passado e a tristeza silenciosa que era a minha realidade naquela casa. Cansada de remoer tanta dor, e suas indiferenças, resolvi que deixaria aquela cidade e tudo que se tratava da indiferença entre mim e minha irmã morreria junto com ela. Voltaria pra minha vida de verdade sem aquele peso! … Na manhã seguinte, a casa estava mergulhada em um silêncio que parecia perpetuar a solidão. Na cozinha, o café da manhã solitário se desdobrava diante de mim. Cada talher tocando o prato era um eco do vazio que se estendia pela casa, e o aroma do café não conseguia preencher a ausência que pairava no ar. Celina, a empregada, uma mulher de 60 anos com olhos sábios que viam além das aparências, entrou na cozinha com um sorriso caloroso, mas seus olhos expressavam uma preocupação perceptível. — Bom dia, minha querida. Como está se sentindo hoje? — perguntou, enquanto preparava o café. A sinceridade em sua voz me surpreendeu, e senti um impulso de compartilhar minhas emoções com ela. — Estou... bem, Celina. Só tentando me ajustar a tudo isso, sabe? Ela parou por um momento, colocando a chaleira no fogão, e fixou seu olhar em mim. — Eu entendo, Layla. A casa está diferente sem a alegria da sua irmã. Como você está lidando com tudo isso? A pergunta dela penetrou além das formalidades, e eu respirei fundo antes de responder. — É complicado, Celina. Sinto que, de alguma forma, eu não pertenço mais aqui. Ela assentiu, compreensiva, enquanto preparava uma xícara de café. — Às vezes, as coisas mudam, e nem sempre para melhor. Sabe, muitas vezes, as pessoas não percebem o quanto machucam quem está à sua volta. Você sente que seus pais não te amam? A pergunta direta da Celina me pegou de surpresa, mas sua expressão carinhosa me encorajou a ser honesta. — Às vezes, sim. Parece que, desde que parti, algo mudou, e eu me tornei uma estranha aqui. Celina pousou a xícara de café diante de mim, seu olhar cheio de compaixão. — Às vezes, Layla, as pessoas se perdem nas próprias dores. Mas isso não significa que você não seja amada. Talvez, eles só não saibam mostrar isso da maneira certa. Se precisar de alguém para conversar, estarei aqui. Aquelas palavras simples, mas cheias de sabedoria, trouxeram um conforto inesperado. Enquanto eu tomava meu café solitário, senti que, pelo menos naquela casa, havia alguém que se importava com os meus sentimentos. Passei três dias na casa dos meus pais, minha mãe quase não saiu do quarto, já meu pai saia todos os dias, trabalhava o dia inteiro e voltava apenas pra adentrar sua caverna escura regado de dor (quarto) e somente saia pra mais um dia aprisionado ao seu trabalho. Decidida a ir embora, pois não fazia diferença minha presença ali, fui até o quarto de minha mãe. Bati em sua porta sutilmente leve. TOC TOC ( som de batidas) Abrir devagar e adentrei pois sua falta de resposta me preocupou. — mãe? Ela se moveu apenas me deixando aliviada. — A senhora está bem? — Sim.. -Ouvi sua voz mas fraca. Receosa se devia dizer a ela que já estava partindo pra minha vida pessoal novamente, gelei por alguns segundos o que a fez me olhar. — aconteceu alguma coisa? — questionou. Suspirei pesado revelando: — minha licença do trabalho termina hoje.. Preciso retornar pra casa. Ela parou por alguns segundos me encarando sem fisionomias aparente. — Sua casa é aqui layla. — disse Essa já não era minha casa a muitos anos, não era o que eu sentia a muito tempo, mas não diria isso a ela em um momento tão dolorido. — a senhora entendeu o que quis dizer. Ela acenou voltando a deita-se sobre a cama. — faça uma boa viagem! Sua frieza cortou meu coração em mil pedaços, queria poder sentir o anseio de dar-lhe um abraço forte, mas não havi a******a pra isso. Caminhei até a porta e tive o desprazer de suas falas magoadas e venenosas. — sua irmã largaria tudo pra ficar conosco em um momento como este! Nem mesmo virei pra olhar, e respondi: — Deveria ter sido eu ao seu lugar não seria melhor? A dor jamais seria sentida pois seu bem precioso estaria aqui! Ela virou rapidamente me olhando, pasma. Não disse mas uma palavra se quer, sair por aquela porta e partir pra onde nunca deveria ter saído.
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