O velório que oculta verdades.

1012 Words
O horário da sua despedida se aproximava, contudo me isolei em um lugar mais reservado e busquei na enorme estante um álbum de fotografias antigas. … Enquanto folheava o álbum de fotos da infância, uma onda de nostalgia e dor inundou meu peito. As imagens coloridas retratavam uma Laysa sorridente, sempre cercada de carinho. Seus olhos brilhavam, refletindo uma felicidade que parecia distante da minha própria experiência ao lado da família. Uma foto em particular capturou minha atenção: Laysa, pequena e radiante, abraçada pelos nossos pais, seus rostos irradiando alegria. Ao olhar para aquela imagem, não pude deixar de notar as sutilezas, os gestos carinhosos que eu raramente experimentara na infância. Meus dedos tocaram a fotografia, como se tentassem desvendar os segredos escondidos por trás dos sorrisos congelados no papel. A lembrança de me sentir à margem, de ser a filha que não conseguia arrancar um sorriso tão fácil, ressurgiu dolorosamente. Observando as outras fotos, onde os olhares indiferentes dos meus pais contrastavam com a felicidade estampada no rosto de Laysa, uma tristeza profunda se instalou. As fisionomias familiares nas fotografias se tornaram lembranças dolorosas, marcadas por uma indiferença que perdurou ao longo dos anos. Cada imagem parecia ecoar a falta de conexão, as tentativas frustradas de buscar aceitação. Naquele momento de reflexão, as fotografias se tornaram testemunhas silenciosas de uma jornada marcada por mágoas não ditas e pela busca incessante por um lugar de pertencimento em um núcleo familiar que parecia distante demais. Minha mãe se aproximou, notando seus paços escoados pelo salto baixo, social e preto. Ela levava um lenço ao nariz. — Ela era tão divertida.. — falou sorrindo ao se aproximar e ver a foto. Na imagem Laysa sorria abertamente ao lado deles, seu rosto manchado de bolo que ela havia comido com as próprias mãos. Naquele dia ela não foi corrigida, porém a mim que roubei um docinho da mesa fui abordada de forma vergonhosa naquele piquenique. Tinha apenas 9 anos, e nada daquilo era necessário. Não era o momento de questionar a ela sua diferença entre as irmãs, mas isso já me engolia como um buraco profundo e sem fim. Apenas acenei que sim em respeito a sua dor. — vocês nunca se pareceram - disse rindo. Permaneci em silêncio — Laysa um dia me disse que você era perfeitinha.. A olhei com intensidade. — Perfeitinha? Ela acenou que sim sorrindo — que sempre correu atrás dos seus sonhos quando bem queria, sem se importar com a opinião de ninguém. Abrir um sorriso sincero pois era verdade. — Ela não merecia morrer assim. Sua conversa mudou drasticamente, seu olhar ficou vazio. Curiosa por não saber o que causou ou como aconteceu a questionei: — porque ninguém quer falar do que aconteceu mamãe? Ela me olhou agora mas vazia. — sua irmã estava embriagada.. perdeu o controle do carro e só isso que deve saber! Seu tom seco me deixou nervosa, ela saiu logo em seguida sem dizer mais uma palavra. Todos estavam misteriosos diante da morte de Laysa. Seu velório não foi divulgado, tão pouco a notícia de sua morte, eles foram estreitamente sigilosos. Éramos uma família de classe alta, meu pai tinha seus investimentos e não sabia bem com o que trabalhava. Na verdade nada que era do seu respeito interessava a mim. … Logo estávamos a sair daquela casa e adentrar o local onde seria dada as últimas despedidas, Laysa seria cremada. .. O ambiente do velório se tornou um cenário sombrio, onde a dor coexistia com o silêncio carregado de segredos. Encarei a foto de Laysa, a expressão alegre agora uma lembrança distante. No entanto, minhas lágrimas, como se reticentes a cair, permaneciam teimosamente contidas. Diante do caixão fechado, a ausência de um lamento mais visceral era desconcertante. Cada lembrança dolorosa, cada mágoa acumulada, parecia convergir para aquele momento, mas as lágrimas se recusavam a fluir. Era como se a intensidade da situação estivesse além da capacidade das minhas emoções. Enquanto os familiares prestavam seus últimos respeitos, uma inquietação crescia dentro de mim. As palavras não ditas entre nós, os segredos guardados a sete chaves, transformavam aquele adeus em um interrogatório silencioso. A verdade sobre o acidente de Laysa pairava no ar, um mistério sutil que pairava sobre a tragédia. Aproximei-me da minha mãe, cujos olhos estavam vermelhos pela tristeza. Com uma coragem resoluta, questionei: — Mãe, por que não há amigos de Laysa aqui? Ela era tão popular, tantas pessoas a amavam. Sua resposta vacilante intensificou minha curiosidade, criando mais perguntas do que respostas. — Você sabe como as coisas são. Às vezes, as pessoas têm compromissos, ou talvez não soubessem. Não se preocupe com isso agora. A evasiva da minha mãe alimentou a intriga, ampliando o véu de mistério ao redor do acidente de Laysa. As respostas não ditas reverberavam no silêncio, e minha busca por compreensão tornou-se uma jornada ainda mais intensa, permeada por uma necessidade de desvendar as sombras ocultas entre as lágrimas e as palavras não ditas. Vi ali a última vez o rosto gélido de minha irmã, apesar de sermos gêmeas as poucas semelhanças eram os olhos, e talvez um pouco dos lábios. Não éramos irmãs idênticas e sempre fiz questão de parecer o menos possível, mesmo que por muitos anos nossa mãe insistisse em nos vestir com roupa iguais, lados e presilhas de cabelo. Sempre Fiz questão de estar sempre diferente de Laysa. Seu cabelo loiro mel tornava-se diferente do meu, agora com mechas loiras que mesclavam com meus fios cor de mel. A despedida foi dolorida, e aquela noite foi a última vez que vi a irmã que dividiu o mesmo útero comigo, mas que não dividiu a vida, pois ela havia roubado toda a atenção pra si.. E agora era como se um buraco no coração daqueles que a amava se tornasse o fim do mundo. Pois eles se quer olhavam pra mim, e não sentia o tamanho do m*l que haviam me feito. Talvez nunca sentiram pois eles foram capazes de me enterrar em vida nos seus corações! Mesmo eu ainda estando aqui…
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