Breathe Me

Callie     Acordei com o estridente som do despertador, olhei pela janela do meu quarto e o dia estava nublado e garoava um pouco. Podia ver perfeitamente as gotas de chuva escorrendo pelo vidro da janela, eu sabia que precisava levantar, que precisava encarar mais um dia de aula, que tinha de viver mais um dia, mas eu não queria...      Mesmo contra a minha própria vontade, mesmo com cada parte do meu estar implorando para que eu continuasse naquela cama, eu me levantei ainda sonolenta tentando não pisar nas roupas e livros jogados pelo chão do meu quarto, coloquei meus óculos que eu havia deixado sobre a minha cômoda na noite passada, vesti uma calça jeans de lavagem escura que estava ao lado dele e meu all star surrado, peguei uma regata preta que estava no chão a cheirando e vestindo em seguida acompanhada de uma camisa xadrez vermelha. — Merda... Cadê minha bolsa... — Sussurrei enquanto procurava embaixo da cama.     A achei embaixo de um monte de roupas que estavam na cadeira coloquei alguns livros da minha escrivaninha que eu precisava devolver a biblioteca. Antes de ir para a cozinha fui até o pequeno banheiro que havia no meu quarto e me olhei no espelho acima da pia. — Você está péssima... — Disse a mim mesma encarando meu reflexo no espelho. Eu não tinha mais olheiras, eu tinha túmulos embaixo dos olhos, meu aspecto era ligeiramente pálido.     Sai de lá pegando minha mochila e indo até a cozinha. No caminho passei pelo quarto da minha mãe, a porta estava entre aberta então pude ver que ela estava apagada, jogada na cama ao lado do meu padrasto Charlie como uma boneca desmontada, o quarto inteiro cheirava a cigarros e bebida barata. Revirei os olhos fechando a porta da forma mais cuidadosa que eu podia, respirando fundo e seguindo para a cozinha.     Abri um dos armários pegando o saco de pães e a manteiga de amendoim na geladeira, fiz um sanduíche o mais rápido que eu pude e fui comendo indo para o ponto de ônibus com meus fones de ouvido a toda altura.     Todos os dias eu acordo cedo para pegar um ônibus para ir à escola na qual eu só entrei por ter conseguido uma bolsa, a Midtown High School. O caminho era sempre sossegado, eu podia estar em meio a uma multidão, mas conseguia me desconectar daquela realidade indo para uma outra onde eram apenas eu e minha playlist de músicas indie tocando no volume máximo.     Assim que cheguei na escola fui direto para o meu armário pegar alguns livros desviando de todos na minha frente que andavam como moscas mortas. Enquanto colocava a senha algumas líderes de torcida estavam me encarando e rindo... Odeio esse tipo de garota... Eu sei que elas devem estar rindo por causa dos diversos boatos sobre mim que circulam pela escola toda, mas sinceramente, eu tenho problemas mais sérios para me preocupar do que adolescentes fúteis e burras. Coloquei minha mochila no armário e peguei meu livro de literatura e um pequeno caderno com capa de couro preta. Cheguei à sala de aula antes que os outros chegassem, me sentei no fundo como sempre, prendi meu cabelo com uma caneta, apoiei o cotovelo na mesa, o rosto na mão e comecei a rasurar nas folhas amareladas e pontilhas do meu caderno enquanto a aula não começava. Mas o meu sossego durou pouco, assim que o sinal tocou aos poucos foram chegando as pessoas fazendo algazarra como sempre já que o professor ainda não estava na sala.     — Eai p***o!! — Gritou o b****a do Josh assim que Peter cruzou a porta tirando totalmente a minha concentração.     Revirei os olhos olhando para a porta, por uma fração de segundo nossos olhares se cruzaram, mas ele logo desviou e sentou ao lado de um garoto gordinho, não sei se ele é tímido ou só mais um i****a, mas resolvi não dar atenção e voltar aos meus rabiscos.     Quando o sinal tocou avisando o intervalo esperei que todos saíssem da sala para me levantar da cadeira e ir em direção a porta.     — Calliope! — Chamou Sra. Morales a professora de literatura me fazendo caminhar até ela. —  Você faltou nas minhas últimas duas aulas.     — É eu fiquei doente. —  Respondi sem nem ao menos me esforçar para que ela acreditasse no que eu dizia. — Sei... Precisa fazer o relatório do livro Morro Dos Ventos Uivantes se não quiser ficar de recuperação Srta. Patterson. — Na verdade, eu já fiz. — Peguei uma folha que estava entre os livros entregando a ela. — Nessa história parece que o drama é geral, a dor é intensa e parece que tudo é só sofrimento, mas até que o final vale a pena. — Bom trabalho Calliope. — Disse pegando a folha com o meu trabalho e dando uma rápida olhada antes de guardá-lo em suas coisas.      Dei as costas a ela saindo da sala. Fui até o refeitório peguei uma maçã e uma caixinha de suco e me sentei em uma mesa afastada. Coloquei meus fones de ouvido e tirei uma caneta do bolso voltando a desenhar em meu caderno. Por mais que eu estivesse distraída e focada na música e nas linhas que se formavam no caderno tive a sensação de ser observada, olhei ao redor e novamente Peter estava me olhando, quando o olhei ele abaixou a cabeça..., mas que p***a ele tanto me olha?!     Assisti a todas as aulas e em praticamente todas ele estava lá. Quando as aulas acabaram peguei minha mochila e fui embora, passei na padaria do Sr. Miguel, comprei um sanduíche que provavelmente seria o meu jantar e fui correndo para casa em meio a garoa, eu morava em um simples apartamento no Queens com a minha mãe e o marido inútil dela. —Mãe? — Chamei entrando e fechando a porta.     Mas ninguém respondeu... Ótimo... Fui até o meu quarto, joguei a minha mochila no chão e me sentei na janela para observar a chuva enquanto comia metade do meu sanduíche. Me levantei e fui até o meu banheiro, abri a primeira gaveta do gabinete e peguei um frasco de vidro amarelado com meu nome no rótulo e alguns comprimidos dentro, peguei um e tomei com a água da pia mesmo...     Voltei para o quarto deixando meu tênis e minha calça pelo caminho, peguei meu celular e fones que estavam na mesa de cabeceira, coloquei os fones no meu ouvido procurando por alguma música até deixar tocar Vídeo Games- Lana Del Rey, abracei o meu travesseiro e já começava a sentir os efeitos do remédio, meus olhos estavam pesados indicando que eu apagaria logo, mas ainda deu tempo de deixar algumas lágrimas rolarem pelo meu rosto como as gotas de chuva na janela...