O Professor Ilegível

1402 Words
Um feixe de luz cruzou a porta de vidro do café, acendendo as ramificações azuis dos olhos dele. Por um maldito segundo, deliciei-me da futilidade que via nas minhas colegas de classe. Ele tinha uma mecha cacheada do cabelo preto caindo na frente do rosto e até mesmo bagunçado era incrivelmente bonito. — Professor — sussurrei, a pronúncia estranha aos meus lábios. Quase um semestre inteiro havia se passado e aquela era a primeira vez que via aquele homem sorrir. Um sorriso pequeno e presunçoso, mas ainda assim um sorriso. — Diana — devolveu-me ele, divertido. A presença dele era tão pesada. Parecia que o mundo inteiro estava caindo nas minhas costas por um milésimo de segundo. Suspirei. A conversa casual que tive não cabia a um professor e uma aluna. Não devia ter sido tão informal com ele, brincando sobre gatos e namorados tão despreocupadamente. Alcancei minha xícara de café e beberiquei lentamente, observando-o enquanto o fazia. Dante levantou uma sobrancelha grossa e bem desenhada, divertindo-se com meu embaraço. As palavras saíam da boca dele com enorme facilidade enquanto dizia: — Parece que estou te deixando desconfortável. Engoli a cafeína, deleitando-me da amargura. — Um pouco, talvez — respondi, repentinamente cansada do peso da presença dele. Ele pegou o próprio café e tomou um gole. Como o conhecia pouco, não conseguia interpretar aqueles olhares que me dava. Olhando de perto, percebi que tinha uma ideia errada ao considerá-lo inexpressivo. Ele só era difícil de ler. Constrangida pelo silêncio que caiu sob nós, olhei para os lados. Não havia ninguém além de nós e os atendentes da cafeteria, o que tornava aquilo ainda mais estranho. Limpei a garganta, evitando encará-lo. — Seria falta de educação ir embora? — Questionei-o. Eu sabia que não era uma pergunta apropriada e culpava minha vida apressada pela falta de bom senso quando era exageradamente sincera daquele jeito. Tentando ser um pouco cortês, entretanto, acrescentei: — Ficou estranho. Ouvi ele suspirar. — Você é bem direta — comentou. Minhas mãos por cima do colo pareceram de repente muito interessantes. Era tudo o que eu tinha para evitar olhar para ele, já que voltar ao notebook seria falta de educação. — Desculpa — murmurei. Pelo canto dos olhos, tive a impressão de vê-lo se apoiar na mesa, aproximando-se dos meus materiais escritos. Aquilo me incomodou. Minha pesquisa não estava pronta e minha letra era feia. — Estava curioso — disse ele, a voz baixa e ao mesmo tempo firme. Aquilo me fez voltar a encará-lo, mas ele estava olhando para os papéis, parecendo distante ao explicar: — Queria saber mais sobre a sua pesquisa. Se puder me explicar, posso te aconselhar e acelerar o processo de criação. Pisquei. Um alívio tomou conta de mim de um jeito estranho. Senti o acolhimento de ter alguém me oferecendo ajuda quando tudo o que eu fazia era quebrar a cabeça sem ninguém para discutir os pontos principais daquele trabalho que levou todos os meus últimos meses. O fato dele ser meu professor talvez me tornasse privilegiada por receber ajuda. Seria injusto com meus colegas de pesquisa, mas não comigo mesma. Eu estava exausta demais para recusar ajuda. Quando comecei a falar, Dante se reclinou e ouviu atentamente. Ele assentia a cada ponto que eu explicava, parecendo aprovar meu material de pesquisa, e algumas vezes achei tê-lo visto sorrir. A beleza dele deixou de me intimidar dez minutos depois da apresentação. Ele passou a interagir, fazendo perguntas e acrescentando comentários valiosos que insisti em anotar para não esquecer. Dante era novo. Devia estar na faixa dos vinte e seis anos e provavelmente havia passado todos os últimos anos da vida dele se dedicando aos estudos, levando em consideração que se tornou professor de Universidade. Talvez ele tivesse mais privilégios, mas aquilo não invalidava seu esforço. Privilégio nenhum resolve a vida de um estudante desinteressado. Quarenta minutos depois, minha garganta estava seca e eu havia finalizado a apresentação da pesquisa. Tinha obtido uma folha A4 de comentários feitos por ele que resultariam no final do meu trabalho. — De verdade, obrigada — falei, os olhos passando rapidamente pelas anotações. — Eu me sinto um pouco corrupta por receber sua ajuda, mas que se dane. Isso vai ficar incrível. — Você não se importar em se corrupta talvez seja preocupante — ele comentou, a voz carregada pelo sarcasmo. Revirei os olhos em resposta. Com aquele sorriso pequeno, ele disse: — Mas se quer a verdade, conheço o tutor dessa pesquisa e ele me confidenciou que os alunos colaram grande parte dos itens da Internet. — Como se fosse novidade — soltei, distraída. Dante devia estar prestes a dizer algo, mas foi interrompido pelo som do meu despertador. Eu era cheia deles tocando vez ou outra durante o dia para me avisar que eu precisava ir embora. Deslizando o dedo para dispensar o despertador, automaticamente passei a enfiar todos os meus materiais na mochila. — Eu tenho que ir — expliquei-me, apressadamente fechando o zíper da mochila. — Agradeceria se mantivéssemos essa conversa em segredo. Não quero rumores sobre ser a aluna prestigiada quando tirar notas boas. As sobrancelhas dele se ergueram levemente, os olhos azuis brilhando. Novamente, não consegui ler aquela expressão. Ele repetiu minhas palavras como se quisesse confirmar se ouviu direito: — Quando tirar notas boas? Assenti, confusa. — É. Eu sempre tiro. Enfiei a mochila nas costas e me levantei. Dante me acompanhou, um metro e oitenta ou mais fazendo com que eu olhasse para cima para fitá-lo. — Você é sempre assim? — Dante questionou, a voz alguns tons mais baixa. Percebi que ele estava me olhando como se eu fosse um ET. Ponderei a pergunta dele. Talvez ele tivesse me achado convencida por dizer a verdade, mas eu não podia diminuir meu mérito como boa aluna apenas pela modéstia. Conhecia suficientemente meu valor pelo esforço investido. — Não gosto de dar rodeios para dizer o que penso. — Dei de ombros, depositando o dinheiro do café no balcão para Vitória e acenando para ela. Não tinha mais tempo disponível para conversar com meu professor de anatomia, precisava chegar no estágio em dez minutos. — Tenham um bom dia! ▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬ O estágio no Hospital Veterinário Público foi excessivamente entediante. Os pacientes marcados para o dia cancelaram ou faltaram, deixando estagiários cansados como eu livres para fazer exatamente nada. Usei o tempo livre para acrescentar à minha pesquisa os conselhos que anotei. Ela já estava praticamente terminada e tudo o que eu acrescentava era como ouro nas páginas. Deveria ter agradecido melhor pela ajuda dele, talvez me oferecido para pagar o café. O problema era que Dante tinha aquela aparência desnecessária que causaria facilmente a impressão de que eu estava dando em cima dele como minhas colegas costumavam fazer. Não queria assumir aquela postura como aluna. Respeito era a única coisa que deveria existir no relacionamento entre aluna e professor. — Um centavo pelos seus pensamentos? — Vitor propôs, sentando-se ao meu lado. Estávamos na sala da nossa preceptora parecendo dois fantasminhas naquele branco todo do jaleco e da sala. Era um consultório comum com alguns desenhos de animais domésticos e tartaruga, a supervisão da nossa preceptora há muito tempo abandonada pela saída dela para fazer fofoca com outras preceptoras. — Meus pensamentos valem mais do que um centavo — respondi, olhando-o de soslaio. Vitor era outro homem irritantemente bonito, mas um pouco sem sal e muito metido. Eu não era exatamente fã do rapaz. Começamos a estagiar juntos e ele tinha a infeliz mania de dar em cima de qualquer tutora mulher que inocentemente levava o animal para uma consulta. Felizmente, porém, eu não fazia o tipo dele e não tinha sido vítima. Ele tinha sido também uma das inúmeras paqueras do Wallace que não deu frutos e eu fui a mediadora das más notícias. — Acho que a preceptora vai liberar a gente cedo — Vitor comentou, os olhos no relógio em seu pulso. — Posso te levar para casa. Pegar ônibus essa hora é perigoso. Assenti. — Pode ser, mas vou compartilhar minha localização. Nem pense em tentar gracinhas. Vitor colocou a mão no topo da minha cabeça, bagunçando os fios de brincadeira. Divertido, disse: — Paranoica como sempre. Dei um tapa na mão dele, expulsando-a para longe. Todo cuidado nunca bastaria para alguém com o meu passado.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD