CAPÍTULO 1

2479 Words
JAMES MOORE Sinto que provavelmente minha próxima noite de sono adequada, com oito horas em posição horizontal sem que o mundo esteja desabando, será no dia em que eu morrer.  Certamente será, considerando que meu melhor e mais confuso amigo, Damon Fox, tem um talento nato de meter os pés pelas mãos e me chamar para limpar a bagunça.  Mas, com toda a certeza essa sua maneira de lidar com as coisas não tinha me surpreendido tanto até essa madrugada quando ele me ligou para cuidar de um possível estuprador.  Eu não entendi metade do que ele disse ou o motivo pelo qual ele teria se envolvido com alguém assim, mas as peças se encaixaram logo que cheguei ao bar de beira de estrada para “cuidar de uma situação”. Encosto o carro em uma espécie de estacionamento decadente e logo vejo uma mulher esguia, cabelos negros compridos em uma calça jeans super apertada batendo boca com um homem corpulento. Ela fala rápido, excessivamente rápido, e mistura o inglês com um espanhol impossível de entender. Encaro a mensagem de texto que Damon me enviou e, ao que parece, a situação é no beco. Os dois logo param de discutir quando me veem aproximar e eu sorrio, como se fosse absolutamente normal um homem em um carro esportivo estar zanzando em um bar de caminhoneiros.  — O que quer aqui? — O homem praticamente resmunga, quando nota que estou me aproximando da lateral para bisbilhotar.  — Boa noite. — Digo com falsa simpatia. — Soube que teve um problema com uma funcionária e vim resolver. — Assim que anuncio a situação, a mulher empalideceu como se tivesse medo de mim.  — Situação? — Um incidente que aconteceu… — ¿Veniste por lo que pasó a Maia? — Em inglês, por favor. — Peço, sem compreender absolutamente nada, senão o nome de Maia.  — Cala boca. — O homem a ordena. — Entra e fica quieta.  — É o pai dela? — Pergunto cinicamente.  — Você é policial? — Não, apenas um amigo. Vim para deixar as coisas mais calmas. Você. — Eu a chamo e noto que ela parece mais aliviada em saber que não sou policial. — Conhece a Maia?  — Sim. Ela estava aqui, mas sumiu… — Responde, mas ainda desconfiada. — Estou pedindo que ele chame a polícia. E você, por que conhece Maia? — Ela está em segurança. — Afirmo, tranquilizando-a. — Um amigo a ajudou e eu vim resolver o problema ali. — Indico o beco.  — Graças a Deus, alguém aqui parece ter algum neurônio! — Ela exclama e passa pelo homem que logo a impede de prosseguir.  — Quer mesmo se meter nessa confusão, garota? Isso vai dar polícia. — Foi sutil, mas eu senti o tom de ameaça.  — Vou embora antes. Não precisa fingir preocupação, Travis. Não será por mim que alguém vai saber que você… — Você ainda morre pela língua. — ele resmunga, impedindo-a de falar.  — Venha. — Ela me chama e eu a sigo.  Um caminhoneiro se encontra jogado no chão com a cara completamente desfigurada. p**a merda, o que Damon fez? — O i*****l se meteu onde não devia. — Ela afirma e vejo certa satisfação em vê-lo destruído no chão.  Pego algumas notas na carteira e pago ao homem para que me ajude com o barbudo ensanguentado. Ele não percebe, mas noto o risinho de lado e irônico que oferece a garota. Ela me olha com indignação como se pagá-lo fosse uma espécie de crime em sua cabecinha.   Enquanto o ajeitamos, ligo para Damon para entender o que aconteceu e, sem muita surpresa, descubro que o cara tentou abusar de Maia.  A menina me olha atenta, prestando atenção de forma descarada em minha conversa.  — Ela está bem? — A morena me pergunta enquanto encara o homem no chão.  — Sim, está. Aliás, está ouvindo minha conversa? — Sim , já que o senhor parece disposto a não me informar sobre Maia. Eu preciso saber onde ela está.   Ela exige cruzando os braços, o que aumenta descaradamente o volume dos seus s***s. A calça apertada e a blusa mais parecendo um top me faz lembrar das sereias dos desenhos que minha sobrinha Ava assiste de forma insistente todas as vezes que vou visitá-la em Nova York.  A morena arqueia a sobrancelha e me olha em desafio, demonstrando que não vai desistir enquanto eu não der a resposta que ela quer.  — Primeiro vou cuidar disso, preciso ligar para alguém da polícia. — Aviso para a mulher exigente. — Não entendi bem sua relação com eles, mas sugiro que suma. Indignada, ela faz um estalo com a língua e se afasta à simples menção das autoridades, como se fosse um gatilho.  Claro, só me falta Maia ter parentes criminosos e Damon anunciar tudo nos jornais.   Bom trabalho, amigo! Excelente!   — Hei! Me dê seu número. Quando for seguro te aviso onde ela está. Pode precisar de um rosto familiar por perto. — Digo como um ser humano que se importa, mas a realidade é que preciso saber quantos danos a morena pode provocar em toda a negociação. — Aliás, qual o seu nome? Ela é receosa em tudo, em cada movimento meu.  — Quem quer saber? — Questiona minha identidade com a mesma petulância com a que não para de me encarar, como se fosse dona da verdade.  — Eu me chamo James e vim até aqui para ajudar Maia. Quero apenas seu nome.  — Alejandra. — Não posso dizer que estabelecemos alguma confiança, mas já não a vejo correndo para bem longe.  — Posso precisar de você para testemunhar… — Não! — Ela é contundente.  — Pensei que Maia fosse sua amiga. Estou enganado? — Ela é! Eu só… — Ela suspira e olha para o alto, como se estivesse se aliviando do estresse. — Deus do céu, eu apenas quero saber se ela está segura… Ele.. — Ela aponta para o homem barbado.  — Eu sei o que ele tentou, Alejandra. E vou cuidar disso, não será impune, mas ajudaria muito o seu depoimento.  — Eu vou ligar para ela. — Ela não responde ao meu pedido e se afasta com seu celular, jeans indecente e petulância.     Chamo um amigo da polícia para evitar que o assunto vire um escândalo e cobro alguns favores. Logo o homem é levado e eu consigo voltar para casa. Amanhã o dia será cheio e preciso cuidar do incidente, antes de voltarmos ao assunto do contrato entre Maia e Damon.  Contratar uma noiva é a coisa mais aleatória que eu já vi na minha vida, mas a mais prática para solucionar os nossos problemas.  Finalmente consigo deitar, por umas míseras horas e, ao fechar os olhos me vem à lembrança o olhar cheio de receio da misteriosa Alejandra.  No dia seguinte, o depoimento de Maia é difícil de ouvir. Ela segue constrangida e, para não piorar tudo, permaneço afastado, apesar de estar ali como seu advogado. Ela narra sobre como o homem tentou pegá-la em seu ambiente de trabalho, como foi “ vendida” pelo seu próprio chefe e sobre como não tinha escapatória até Damon ajudá-la.  Certamente a situação seria outra se ele não tivesse o tempo perfeito para chegar naquele lugar em busca da florista.  Notei sua concentração no rosto da mulher e as mudanças em seu semblante. Eu o conheço e sei que a garota balançou-o de alguma forma.  Em ocasiões normais e com outra mulher, ele jogaria o serviço no meu colo e já teria ido trabalhar, pois a empresa é sua primeira esposa.  Mas, não, estava ali apenas olhando-a e absorvendo seu relato, como se fosse possível ser transportado para aqueles minutos de horror.  Assim que consigo abafar o assunto e a polícia se vai, a morena do bar aparece, seus olhos antes tempestuosos se acalmando assim que encontram a amiga. Algo interessante que reparo é como elas são barulhentas juntas.  Estou tão acostumado ao silêncio esnobe das pessoas com as quais convivemos que a demonstração efusiva de afeto chega a ser engraçada.  Provavelmente eu não duraria um dia com esse barulho, pois ele me impede até de raciocinar, mas para pequenos momentos é um caos interessante de ver. Eu gosto do caos quando ele me desafia, mas isso não significa que ele tenha que ser barulhento.  Não, definitivamente eu não sobreviveria.  Ou o meu trabalho.  Ela me cumprimenta com um leve aceno na cabeça e, antes que elas entrem em um espiral de palavras que eu não consigo acompanhar, chamo a atenção de Maia.  — Maia, nós vamos ao escritório, mas Damon deixou o motorista disponível para vocês.  —  Motorista? —  Ela me encara surpresa. —  Não, eu preciso… —  Ela olha a amiga. —  Preciso resolver com ele uma coisa.  Deixando-nos com Sophia, ela segue em direção ao escritório de Damon e eu continuo analisando a morena com jeans de sereia.   —  Eu disse que ela estava segura. —  Afirmo.  — Eu precisava conferir. Obrigada por ajudá-la.  — Fiz meu trabalho. Mas seu depoimento… —  Insisto na omissão da amiga, com certa suspeita do motivo. E isso me preocupa. Mas não consigo concluir, quando Damon me envia uma mensagem pedindo para ir ao escritório onde ele e Maia estão. Enfim, eles decidem assinar o bendito contrato.  A discussão dos termos contratuais de ambos é longa e cheia de exigências por ambas as partes, mas surpreso de verdade eu fico quando a missão do dia é conseguir um emprego para Alejandra.  Ela e Maia são melhores amigas, pelo que entendi e, ao que parece, a morena veio de brinde no contrato entre o CEO e a florista. O brinde veio para mim que sequer sou parte do plano maluco de Damon de se passar por noivo da florista, mas… Eu amo um caos.  Passo o dia em uma correria infinita e deixo para depois a questão do emprego da amiga de Maia enquanto eu posso. Mas, no décimo sétimo e-mail de Damon me avisando que a florista já o ameaçou trinta vezes com abandonar o acordo, decido agir. Converso com a área de Recursos Humanos da empresa, finalmente consigo o sobrenome da mulher que o escondia como se fosse um segredo e vejo as vagas possíveis para alguém que não tem qualificação profissional.  Finalmente chamo a bendita para tomar um café comigo e oferecer-lhe as opções.  — Alejandra Mondego? —  Questiono assim que atende o telefone.  — Quem deseja? — James Moore, amigo de Damon Fox. Pode vir à empresa hoje ao final do dia? Maia deve ter comentado com você sobre…  —  Não. —  Assim, simples, como se eu estivesse implorando, ela n**a.  —  Como não? —  Eu não posso ir à empresa, passar pela recepção… Olha. O que você quer, hein? — Oferecer um emprego. Sugestão de Maia, mulher, não precisa vir com vinte pedras nas mãos.  —  Maia? Ela é doida. Não, muito obrigada viu. —  Ela diz e desliga.    A mulher simplesmente desliga na minha cara.  Insisto na ligação umas cinco vezes e não sou mais atendido.  Ótimo! Termino as coisas que tenho a fazer, pego o carro e, ao anoitecer, sigo direto para aquele muquifo de bar.  De novo.  Daqui a pouco me acharão frequentador.  Fico ali mesmo, esperando que ela apareça, quando a vejo agarrada em sua bolsa enorme. Os cabelos presos em um r**o de cavalo que balançam no ritmo da sua caminhada, cadenciados.  Saio do carro e interpelo o seu caminho adorando sua surpresa transmudar-se em indignação quando me reconhece.  —  ¡Ahora qué! — Resmunga. —  Você de novo? Meu Deus, não me diga que aqui tem sua bebida favorita, senhor James? —  Bebida eu não sei, mas a solução dos meus problemas, definitivamente.  — Aqui não tem nada para o seu bico. Por favor, vá embora.  —  Não posso. —  Digo dando de ombros e a acompanhando até a entrada. — Seu carro ali, sua chave deve estar no bolso… basta usar.  — Se me acompanhar, sairei com muito prazer.  —  Acompanhar? O que está achando… —  Hei! oferta de paz, não estou achando nada e acho que sua mente vai um pouco longe. —  Defendo-me quando entendo o que ela pensou.  —  Alejandra! Para de corpo mole! —  O tal Travis reclama.  —  Já vou!  — Um emprego. Estou te oferecendo um emprego em um bom lugar, bons benefícios e em um horário mais… adequado.  — Emprego para essa aí só se for de p**a! —  O homem que entendo ser seu chefe escuta nossa conversa.  — Já chega. —  Ela afirma de forma dura. —  Eu já vou Travis. Ainda não tem nenhum cliente aqui e…  — Você tem horas para repor.  Assisto a cena com certa curiosidade. O homem age como se fosse dono de Alejandra e ela o responde com se quisesse arrancar o seu pescoço.  —  Olha, senhor James, eu não posso trabalhar com você.  — Vai me dizer que prefere aqui? — Pergunto incrédulo. —  Sua amiga recomendou, acho que você poderia dar-lhe atenção.  Ela bufa e larga a bolsa em cima de uma das mesas, morde os lábios chamando minha atenção e me pega pelo braço arrastando-me para fora.  — Entenda, eu não posso! Meu Deus eu não sei ser mais clara do que isso! — Pode ser mais clara dizendo o motivo. —  Falo como quem constata o óbvio.—  Maia pediu e eu só saio daqui fazendo o que eu prometi. —  Por que ela pediria isso para alguém? Não faz sentido! —  Ela se questiona andando para lá e para cá em sua calça apertada. —  Ela sabe que eu não posso nem se eu quisesse e… — Você é ilegal? — Isso já foi longe demais! —  Ela afirma de forma dura. —  Eu não quero seu emprego, por favor, só vai embora. Sua presença aqui apenas me prejudica.  — Vou embora por agora. Mas eu volto assim que descobrir porque você prefere trabalhar aqui quando sua amiga, o ambiente e até mesmo seus olhos dizem o contrário.  — Você não me conhece!  — Mas sua amiga sim. —  Afirmo contundente. —  Tenha certeza que nos vemos amanhã, Mondego.  Aviso, saindo do local com a suspeita ainda mais firme em minha mente. Alejandra Mondego é uma imigrante ilegal e, nesse caso, não pode trabalhar no mercado formal.  Maia sabe disso e sabia que seria impossível eu conseguir um emprego para sua amiga. Sabia que Damon não cumpriria com sua parte no acordo. Ele perde se cumprir, pois empregar uma ilegal acabaria com sua reputação e os seus planos de celebrar um contrato milionário.  Ele perde se não cumprir, pois fica sem a noiva que sustenta sua reputação perante os olhos de Edmund e Miguel Hidalgo. Sem reputação, sem bilhões de dólares.   Eis o desafio.  E eu acabo de aceitá-lo.   
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