Será obsessão?

2384 Words
Helena Todo ano, no dia do meu aniversário, as minhas tias-avós aparecem para me parabenizar. Isso, claro, quando estou na casa dos meus pais. Eu estou falando de 8 irmãs da minha vozinha Benedita, mas conhecida como Vó Dita, que é a filha mais nova entre uma carrada de filhos que a mãe dela trouxe para este mundo. Eu amo meu aniversário, principalmente essas partes, porque os presentes sempre são os melhores e eu sempre abro junto com o meu irmão, Bernardo, e meu pai, Beto. Elas têm uma criatividade maravilhosa para dar coisas que eu realmente não preciso: enxoval de casamento. Nem pretensão de casar eu tenho. De verdade, não por agora. Mas nunca me oponho aos conselhos que elas me dão. Todos os anos elas trazem mais itens para o meu enxoval de casamento e olha, tem um quarto só pra isso aqui em casa. Usamos tudo que ganhamos, mas no dia do meu aniversário, guardamos tudo no quarto e usamos coisas que elas não deram, porque esquecer um nome é fácil para elas, mas esquecer o que elas me deram, isso nunca aconteceu. E como sempre, é claro, essas ficam admiradas comigo. Uma delas segurava meu rosto, com sua mão enrugada e cheia de anéis de ouro, enquanto conversava com minha avó. — Como se parece com Catarina. É impressionante a semelhança, Benedita! Esses olhos redondos e elas bochechas bem marcadas e cheinhas. Eu sorri sempre com muita gentileza. Sei que a maioria delas já está um pouco míope, mas ser comparada a minha mãe é uma honra. A minha mãe era linda demais. — E o jeito dela é o mesmo da mãe. — vovó abraçou meu braço. — Sempre doce, responsável, educada. Um amor de pessoa. A vovó é a melhor sogra! — Ah, vovó, falando assim a senhora me deixa toda derretida... — abri um sorrisão bobo. A porta de entrada da nossa casa faz um barulhão terrível de ferro emperrado. Quando meu irmão a abriu, todas as minhas tias, até as mais surdas, ouviram e olharam na direção da entrada. Eu esqueci de dizer que, quando Bernardo aparece, o propósito de todas estarem aqui se perde. — E esse rapaz lindo? — a tia que antes me elogiava saiu a todo vapor atrás do meu irmão. — Como cresceu, Benedita! — a outra estava mais apavorada do que surpresa. Olhei para a minha avó com um sorriso conformado sobre a reação que elas tiveram em me abandonar e ir para cima do Bernardo. Nenhuma delas mora com ele, caso contrário, elas não o elogiariam tanto. O menino é um porco. Meu pai se aproximou de mim com o sorriso cheio de ternura que sempre está em seu rosto. — 27 anos e ainda não concordo com as tias. — Em quê? — sorri. — Minha menina não está pronta pra casar. Eu concordei, mas me fez gargalhar. — Deixe de influenciar a menina! — vovó lhe deu um tapa no braço. — Não existe isso de pronta. Uma hora ela vai encontrar o príncipe dela. — Príncipe. — eu e meu pai falamos juntos num tom debochado. Vovó já está tão velha e ainda é iludida desse jeito. Ela foi se juntar às minhas tias e ficou só eu me meu pai, rindo dela. — Filha, eu tenho uma coisa pra te dar. Já sei que não é enxoval. Geralmente, o presente do meu pai é o mais simbólico. O presente do Bernardo é sempre uma comemoração surpresa com os amigos. Tão clichê... Ele me levou até a sua salinha de estudos e me entregou uma caixinha que estava em cima da mesa. Logo que vi, soube o que era e me recusei a aceitar. — Pai, isso é a sua lembrança da minha mãe. Eu não posso aceitar. — Você é a minha lembrança da sua mãe. — ele abriu a caixinha e tirou o anel de esmeraldas que segundo ele, a minha mãe comprou quando estudava na faculdade e fazia trabalhos para os outros. Naquela época essas coisas deviam ser bem baratas. Ele segurou a minha mão e colocou o anel. — A sua mãe deve estar feliz da mulher que você se tornou, Helena, onde quer que ela esteja. Olhei para o porta-retrato que tem a foto dela, que vive em cima da mesa daquela sala. Eu não me lembro dela, era muito pequena quando o acidente aconteceu, mas só de olhar para suas fotos e ouvir meu pai falando sobre ela, sinto que a conheci na sua plenitude. Abracei meu pai, agradecendo ao presente e alguém bateu na porta, entrou logo em seguida. Eu e meu pai nos soltamos do abraço. Era Bernardo, com um pano de prato na mão. — Quem verificou se tinha guardado tudo? — ele estava assustado e ao mesmo tempo irritado. — Quase que a tia Cassilda via esse pano de prato. E foi ela quem bordou! — Como você sabe que foi ela, dramático? — ergui a sobrancelha. Ele revirou o pano. — Aqui. Ela bordou o nome dela. — mostrou o bordado enorme que ela fez e eu e meu pai rimos. Isso que é querer marcar o presente. — Deixe ali na gaveta. — apontei para trás da mesa. — Amanhã a gente pega. — andei na direção da saída e eles vieram juntos. O anel da minha mãe coube certinho em mim e ficou lindo no meu dedo. Vou tomar cuidado com ele. É a primeira joia que tenho de verdade. Tocaram a campainha e logo imaginei que poderia ser uma das minhas amigas. Corri avisando que iria atender. Abri a nossa porta barulhenta, apernando os olhos por causa do barulho e quando os abri, vi que na verdade era meu vizinho e candidato a namorado nos tempos de escola, Xavier. Ele vive me procurando. Desta vez, segurava um embrulho enorme, igual a seu sorriso. — Xavier... — sorri desconfortável. Sua aparição era inesperada, visto que aquele momento era exclusivamente familiar. — Parabéns. — estendeu o embrulho para mim. Parecia leve, pela facilidade com que ele estendeu o presente. Fiquei sem graça com o tamanho do negócio, mas aceitei. — Você nunca esquece meu aniversário, não é? — isso também me deixa desconfortável. — Jamais. Você é a flor mais bela do jardim de esmeralda. Tão poético... Pena que eu não me impressiono tanto com essas coisas. — Obrigada. De verdade. — balancei a cabeça, esperando que ele só tenha vindo trazer esse presente para mim e logo vá embora. — É sempre um prazer. — ele balançou a cabeça, aparentemente nervoso. Até sua testa está suando. Eu não posso o chamar para entrar, porque minhas tias vão pensar coisas. Coisas que eu não quero que elas pensem. — Então... eu vou entrar. — dei passos para trás e uma respiração quente, chegou no meu pescoço. Fechei os olhos rezando para que não fosse alguma das tias. — E quem é esse rapaz?! — uma delas perguntou e eu olhei para trás. Estavam todas, amontoadas, com olhares curiosos para o Xavier. — É só um amigo. — Um amigo que te deu um presente tão grande? — uma delas reparou no embrulho em meus braços e eu quis chorar por ter que passar pela tortura que se seguirá quando uma delas fizer o tal convite. — Venha, Xavier. Entre. Vamos comemorar o aniversário da Heleninha. — duas das minhas tias o arrastaram pelos braços e ele foi consumido pelo fogo casamenteiro que elas carregam. Choraminguei do lado de fora da casa. Eu não gosto dessa coisa de casamento arranjado. — Ai que feiura, você chorando, Helena. Abri os olhos, desmanchando toda a minha careta e encarei o meu irmão, que esticava o pescoço para fora. — Cale-se. — ordenei em tom de ameaça. — Seu aniversário é na semana que vem e eu posso muito bem me vingar. — Você é muito boazinha pra isso. — Se engane comigo, Bernardo. Você não abra a boca para alimentar a imaginação das nossas tias. — olhei feio para ele. — Tarde demais. — O que?! — me abalei e ele saiu correndo. Que garoto desgraçado! — Eu vou adiantar os parabéns. Assim a festa termina mais cedo. — falei comigo mesma e entrei na casa. Meu pai veio logo em seguida. — Convidou um amigo. — estava surpreso. — Que milagre foi esse? — Pela minha cara e pelo jeito das tias, o que você acha? Ele olhou para elas e riu. — Vamos cantar meus “parabéns” logo. — me apressei e fui para trás da mesa, colocando o presente do Xavier no chão. — Cadê a idade? — Bernardo cutucou na única velinha que tinha no bolo e eu acertei um tapa em sua mão. — Deixa em off, desgraça. — arrumei tudo e olhei para as minhas tias, batendo palmas antes mesmo de cantar. — Bora, meu povo! Bora cantar esses parabéns, que a aniversariante está com fome. Com fome nada, eu quero é outra coisa. Elas vieram bem devagar e quando todos ficamos ao redor da mesa, meu irmão se tornou o fotógrafo e o resto bateu palmas e cantou. Assim que cortamos o bolo, eu comi rapidinho e mandei mensagem para as meninas. No nosso grupo elas já perguntavam sobre a minha demora. Parece que elas não têm família! Agradeci a todas as minhas tias e ao Xavier e pedi licença para sair. Xavier saiu logo atrás de mim. — Aonde você vai, Leninha? — Não é do seu interesse, Xavier. Eu queria ser mais gentil, mas isso é obvio. Só diz respeito a mim. — Poxa, Leninha... — ele parou de andar. Eu tão atrasada e ainda tenho que ficar consolando gente sensível... Me virei para ele. — Estou indo ao encontro das minhas amigas. Ok? — Quer companhia? — Não. Não preciso. Muito obrigada novamente pelo presente e pelos parabéns. Mas agora eu tenho que ir. — apontei para a rua. Ele quis dizer alguma coisa, mas hesitou e aceitou a minha recusa. [...] Depois dos abraços e parabenizações, sentamos para conversar. Patrícia, minha n***a gostosona, Liliana, a baixinha mãe de dois e só faltava a Érica, que chegou logo em seguida, com as bebidas. — Olhe, vocês têm que parar de me usar como distribuidora de bebida alcóolica! — ela colocou as caixas na mesa da cozinha, com a ajuda de Patrícia e o resto de nós ficou rindo. — Sem brincadeira, o dono da venda já me olha com pena, achando que esse tanto de bebida é pra mim. Ele acha que sou alcoólatra. — Daqui uns dias ele vai te dar o cartãozinho do AA. — brinquei e todas ficamos rindo da situação. Nos encontramos sempre para beber e a Érica sabe os melhores lugares para comprar as bebidas. É inevitável. — Então, como foi o níver com as tias? — ela já foi abrindo uma garrafa de cerveja. — Foi mil maravilhas. Ganhei um novo enxoval e de quebra, o Xavier apareceu na nossa porta com um presente enorme, elas o viram e o chamaram para participar da festa. — Meu Deus, Xavier não larga do teu pé, né? — Patrícia trouxe cerveja para todas nós. — Ele sempre está por perto. — abri uma bebida para mim. — Isso é preocupante. — falou a Érica. — É como se fosse uma obsessão que ele tem por você. Desde criança. — E não é só ele. — Liliana falou depois de um gole. — Parece que todos os caras com quem você já se envolveu, e alguns até que nunca se envolveram com você, são obcecados. — Afs, Liliana. — meu coração apertou de medo. — Você fala de um jeito tão assustador! — Estou falando sério. Isso não é normal. — ela continuou com o tom de voz tenebroso. A Paty riu. — Que macumba que tu jogas nesses machos, Helena? — Nenhuma. — fiquei desconfortável, ainda com o jeito que a Liliana falou. — Eu só sou gentil com as pessoas. Tem gente que confunde as coisas. — De qualquer forma, guarde essa sua gentileza e use em pessoas que valem a pena, tipo o novo morador de Esmeralda. — Quem? — fiquei curiosa com a fala da Paty. — Lorenzo Bragança. — contou extasiada. — Só o herdeiro do Hotel-fazenda e daquele jardim milionário dos Bragança. É uma novidade para mim. Devo ter ficado muito tempo concentrada no meu aniversário para não ouvir essa fofoca. — Eu acho que ele é dono de mais coisas. — Liliana especulou. — Porque aparentemente, o avô dele ainda é vivo e não passou nada para o pai do Lorenzo, e eu sei que ele é dono de uma caralhada de coisas aqui na cidade. O boy é podre de rico. — Eu lembro de ter visto ele quando criança. — me veio uma vaga lembrança. Muito vaga mesmo. — O pai dele não é um cara que tem uma barba grande e é todo gentil? — Não! — Erica me contrariou. — O pai dele ninguém nunca vê. Dizem que ele ficou cego de um dos olhos depois de um acidente e não gosta de aparecer por causa disso. Foda. — Eu sempre quis entrar naquele hotel-fazenda. — Liliana divagava. — Parece tão chique, mas é tão caro... — Tão caro que ninguém vai lá. — Paty concluiu. — Por isso que esse tal de Lorenzo voltou. Pra botar o negócio pra frente. Pensar que não, ele te procura, Helena. Pra você fazer as artes e divulgação. — ela deu um sorrisinho animado. — Tomara. Todo trabalho é bem-vindo e se for com um bonitão, melhor ainda. Vai que ele é gente fina e me paga uma boa grana? — Vamos focar no meu aniversário? Vamos? — pedi, mostrando animação com esse momento. — Cadê a caixinha? Coloca pra tocar uns funks que eu quero rebolar a raba. Érica balançava a cabeça em desaprovação para as minhas ideias. — Eu queria ver a cara das suas tias vendo que a doce Helena é uma piriguete alcoólatra que adora um funk de baixo calão. Eu ri. — Eu não mandei elas me julgarem como boa moça. — virei o copo de cerveja goela a dentro.
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