A garota que eu não quis amar

PEDRO Ano: 2011 Idade: 9 anos Eu ia cair. Ficou claro que aquela tinha sido uma ideia r**m. Mamãe vive dizendo que eu tenho uma cabecinha cheia de terríveis ideias. Aquela era uma, com certeza. Ela ficaria furiosa, eu já conseguia imaginar. Protegi o rosto com as mãos e me preparei para o impacto. O skate rolou sob meus pés e voou alguns metros, depois eu rolei também. Minhas costas bateram no chão duro e eu fechei os olhos com o impacto. Imediatamente senti o líquido quente escorrendo pela minha perna. Eu não me importava com o machucado, mas estava torcendo para não ter quebrado nada. Quebrei o braço no ano passado e foi um saco. Fiquei um mês inteiro proibido de "fazer arte", como disse a minha mãe. Não poder fazer arte é o mesmo que não fazer nada divertido. Eu já conseguia imaginar como ela iria surtar se eu tivesse quebrado alguma coisa de novo. Aposto que ia me proibir de andar de skate e isso seria uma d***a porque eu quero mesmo aprender a fazer isso. Talvez eu não devesse ter começado descendo de uma ladeira. Foi uma péssima ideia, mas em minha defesa, não parecia ser tão difícil no jogo de vídeo game. A mamãe sempre fareja as minhas péssimas ideias, por isso quando sento a presença de alguém ao meu lado, tenho a certeza de que era ela. Apertei os olhos mais forte, pensando em como eu a convenceria de que estava tudo bem e ela não precisava me botar de castigo. Nem estava doendo tanto assim. - Eu peguei o seu skate pra você. Uma voz que não era a da mamãe falou. Abri os olhos devagar, piscando algumas vezes por causa do sol e demorei para conseguir enxergar completamente a garota acima de mim. Ela estava usando um vestido florido e eu tomei cuidado para não acabar vendo a sua calsinha. Os seus pés, bem próximos do meu rosto, estavam calçados com botas de cowboy e isso me fez sorrir. Eu a conhecia. Não realmente, mas sabia quem ela era. A sua família se mudou para a casa no fim da rua no início do mês. Ela parecia sempre estar espiando pela janela quando eu passava. Às vezes eu via a cortina balançando como se alguém tivesse puxado com pressa, e eu sabia que era ela se escondendo. Outras vezes, quando ela não fazia essa coisa estranha de se esconder como uma criminosa, os nossos olhares se encontravam. O meu skate estava em uma de suas mãos e ela ofereceu a outra para me ajudar a levantar. Eu a peguei, e quando fiz isso, quando encostei a mão na dela, senti a pele do meu pescoço arrepiar. Franzi o rosto, sem entender. Ela estava me dando um choque? - Você tá legal? Assenti com a cabeça, um pouco envergonhado que ela tivesse me visto cair. - Foi uma queda e tanto. - Ela empurrou uma mecha do cabelo loiro, que havia se soltado do r**o de cavalo, para trás. O seu penteado estava uma bagunça, ainda assim, não ficava r**m nela. - Do que você tá brincando? - Eu não tô brincando. Tô aprendendo a andar de skate. A garota olhou para o meu skate, ainda em suas mãos, e deu de ombros. - Tudo bem. Se você me ensinar, posso fazer isso com você. Eu olhei na direção da ladeira de onde eu havia caído, depois para o sangue escorrendo pela minha perna. - Eu acho que não consigo te ensinar. - Que besteira. Todo mundo cai. Semana passada eu cai de bicicleta e bati o joelho direto no meio fio. Doeu pra caramba. Olha só. - Ela puxou o vestido para me deixar ver o machucado ainda não cicatrizado no seu joelho, depois empurrou de novo o cabelo para trás da orelha e me encarou. - Vai me ensinar? - Mas eu ainda não sei e... - Você vai aprender, e aí me ensinar. Ela parecia determinada, como se não tivesse qualquer dúvida de que eu poderia fazer isso. O que eu podia dizer? - Tá bom. O meu joelho estava ardendo e, sério, de onde saiu essa garota? Mas eu iria a ensinar, se é o que ela queria. Claro, teria que aprender primeiro, mas eu achava irado uma garota querer andar de skate. Eu estava ainda mais determinado do que antes a conseguir fazer aquilo. Ela sorriu quando eu concordei em ajudar e reparei que o seu sorriso era bonito. Eu nunca pensei que um sorriso era bonito antes, mas era. - Eu me chama Elisa. - Pedro. - Eu posso limpar o seu machucado pra você. - Elisa ergueu o rosto. - eu vou ser médica. -Legal. Eu vou ser engenheiro. - Você pode construir o hospital onde eu vou trabalhar! Um hospital grande e bonito. Eu ouvi minha mãe dizer que não tem bons hospitais por aqui. Parecia um bom plano. Eu gostaria de construir um hospital grande e bonito. E se não tinha um assim por aqui era justo que alguém cuidasse disso. - Eu posso fazer isso. - Legal. É melhor eu começar a treinar então. - Ela olhou o meu machucado. O seu cenho estava franzido e concentrado. - Acho que a gente deve começar lavando. Vamos. Elisa agarrou a minha mão e me puxou. Eu sabia que estava me levando na direção da sua casa. Mamãe não ia gostar que eu fosse para casa de alguém desconhecido. Mas ela não era mesmo desconhecida, era? Era a Elisa! Eu sabia o seu nome! Talvez essa fosse uma das ideias ruins de que mamãe tanto fala, mas eu não a impedi de me puxar. Elisa lavou o meu machucado e depois derrubou um monte de coisa nele para ajudar a limpar. Ela finalizou o curativo com um ban-aid m*l colocado. Ficou uma d***a e minha mãe teve que refazer tudo quando cheguei em casa, mas eu não me importei. Esse foi o dia que Elisa entrou na minha vida...