Capítulo 1

1933 Words
PEDRO Idade: 19 anos Foi uma longa viagem para chegar até ali. Três horas de voo e um engarrafamento que durou uma eternidade. Eu estava cansado e com fome, junte isso a um sentimento de vazio. Bem, não era exatamente um vazio. Eu estava melancólico. Era a primeira vez que eu me afastava de casa e era estranho pra caramba. Todo adolescente sabe que esse dia vai chegar, o momento de cortar os laços: a faculdade. Saber disso não torna mais fácil, nem um pouco. Eu estava ansioso, feliz, com medo e saudades. Eu não tinha me afastando nem mesmo há um dia e já estava com uma p**a saudades. O meu humor não estava dos melhores e por isso não foi nada legal ser recebido pelo cara alto, de pele escura, quase nenhum cabelo e cara bastante zangada. - Quem é você? Era uma pergunta óbvia. Eu falei com esse cara por telefone centenas de vezes quando estávamos fechando o contrato. Na verdade, mandei uma mensagem há algumas horas avisando que estava à caminho. Vou ficar com um dos quartos da casa, morar no campus da faculdade nunca foi realmente uma opção pra mim. Parece um pesadelo, acordar e dormir no mesmo local em que se estuda. - Hum, oi! Tudo bem? Ele não se comove com a minha tentativa de ser educado, apenas bufa impacientemente. Certo. Mau começo. - Eu aluguei um quarto aqui e... - Ah! - Sem nenhum motivo que eu consiga perceber, toda a postura hostil é deixada de lado. - Colega de quarto! Vamos, entre. Meu nome é Erik. Como eu imaginei, Erik é o cara com quem eu tinha falado todo esse tempo. Ele se adianta e pega a mala da minha mão. Eu tento protestar e dizer que posso carregar as minhas coisas, mas ele já está caminhando para dentro. Eu não tenho opção a não ser segui-lo. - Eu estava mesmo esperando por você. - Bom. Por um momento achei que você estava irritado comigo. - Com você? Não. Eu estou irritado com UMA CERTA PESSOA QUE NÃO SABE OUVIR UM NÃO. Ele grita as últimas palavras. De algum lugar no interior da casa uma voz feminina responde: - VAI SE FERR4R! Erik bufa mais uma vez. - Seja bem-vindo. - Obrigado. - Agora que as formalidades acabaram, escute, nós podemos ser bons amigos, muito bons amigos e isso só vai depender da resposta que você vai dar a pergunta que vou fazer em alguns minutos, ok? Eu não tinha realmente entendido, mas eu concordei mesmo assim. O que eu poderia dizer? - ótimo! Eu volto em alguns segundos. Erik larga a minha mala no chão e desaparece dentro do que imagino ser um dos quartos. Eu balanço a cabeça e rio sozinho. Essa foi uma recepção estranha, mas percebo que um pouco do meu mau humor já se foi. Agora estou animado em conhecer o meu novo lar e também estou tentando descobrir se Erik é um cara legal ou louco de pedra. Eu olho ao redor e acho que tudo parece legal o bastante, é bem conservado também, mais do que eu esperaria de uma república de universitários. O mais importante é que fica perto o bastante do campus, mas não tão perto que eu sentiria que estou morando na faculdade. A sala não tem nada além de dois sofás marrons, um tapete persa, e um pequeno criado-mudo com uma televisão que certamente é grande demais para ele. O aparelho parece estar se equilibrando em uma corda bamba e prestes a cair a qualquer momento. A cozinha fica nos fundos, mas de onde estou consigo ver apenas a geladeira branca. Cogito atravessar a porta para conhecer o ambiente, mas decido que é melhor esperar Erik. Embora eu vá morar por aqui nos próximos anos (com sorte), não quero bisbilhotar antes de ser formalmente apresentado aos cômodos. A parede direita tem três portas ao lado uma da outra e deduzo que sejam os quartos, mas estão fechadas então não tenho certeza. A porta da ponta foi a que Erik entrou e consigo ouvir cochichos vindo de lá. Eu gosto do lugar. Bem, eu meio que odeio a cortina verde musgo que está na janela. Mas posso conviver com isso. Erik finalmente volta para a sala e está arrastando alguém com ele. Eu imagino que seja a dona da voz que mandou Erik se ferrar antes, a mesma que aparentemente não sabe ouvir um não. Ela é pequena, os seus cabelos são cacheados e volumosos, e acho que a sua pele é clara o bastante para que ela fique com a marca da mão de Erik no braço. Ele a solta quando estão próximos de mim. Eu fico tentado a checar o seu braço, ma não faço isso. - Essa peste aqui é nossa outra colega de quarto Briana. Briana revira os olhos para ele, mas sorri para mim. Eu sorrio de volta. - Certo, vamos a pergunta mais importante. - Você não quer envolver ele nisso! - Briana resmunga. - Você é uma criança às vezes, Erik. Erik nem se abala. Ele se concentra em mim. Estou curioso, devo confessar. - Pedro, cuidado com a sua resposta, honestamente, me diga o que você acha daquela cortina? Ele aponta para a cortina h******l. Eu franzo a testa, um pouco incerto do que fazer. Isso é uma pegadinha? Existe uma resposta certa? Pela forma como ele me olha aposto que sim. Briana está me encarando também, braços cruzados, olhar sério. Os dois estão agindo como se esperassem que eu dissese qual é a cura da aides e não apenas se eu gosto ou não de um pedaço de pano pendurado na janela. Eu hesito, achando que eles vão rir e dizer que é uma piada, mas isso não acontece. Era só o que me faltava! - Bom... eu acho que... eu não curto muito essa cor. - Admito da forma mais educada que posso. Eu poderia dizer que aquela era a coisa mais h******l que eu já tinha visto, mas acho que é melhor ser neutro. E se aquela fosse uma relíquia de família? O rosto de Erik se ilumina. O de Briana fecha. - Decidido! Aquela coisa sai hoje. - O que? Por quê? Ele chegou hoje, por que a opinião dele vale mais que a minha? - É uma democracia, Briana. - Desde quando? - Desde agora! Agora nós somos três. Dois contra um e não mais um contra um. Eu venci. Eu estava observando os dois como um mero telespectador e não pretendia dar nenhuma outra opinião. Estava óbvio que eu era um intruso no meio da dinâmica dos dois. Talvez um dia eu fizesse parte do grupo, mas por enquanto iria me contentar em assistir porque era engraçado e estranho na mesma medida. Briana parecia prestar a tacar alguma coisa em Erik. Ela era tão pequena e, honestamente, sua irritação a deixava engraçada, fofa, eu diria. Acho que Erik pensava o mesmo, a sua postura não parecia verdadeiramente hostil e quando Briana cruzou os braços e começou a bater o pé, eu percebo um sorriso querendo aparecer na boca dele. A gatota é a primeira a desistir do breve concurso de encarar que os dois estão protagonizando. Achei que estava livre dessa coisa estranha com a cortina, mas quando deixa de encarar Erik, Briana vem até mim. - Vamos nos cumprimentar direito. - Ela fica na ponta dos pés para beijar o meu rosto. Uma parte de mim acha que é um cumprimento impróprio, mas instintivamente eu me abaixo um pouco para que ela consiga me alcançar. Eu não a afasto quando seus lábios tocam o meu rosto, e provavelmente jamais faria isso porque seria mau educado. Eu também não a beijo de volta. Mas eu nem preciso, os pés de Briana voltam para o chão e um segundo depois ela já esta tagarelando. - Eu acho que você não avaliou bem a coisa, sabe? Você pode olhar e ver apenas uma cortina verde, mas sabe o que eu vejo, Pedro? - Neguei com a cabeça, me divertindo com o tom teatral que ela dava ao seu discurso. - um pedacinho de natureza. Você sabe que nós somos jovens e irresponsáveis, então não poderíamos ter plantas dentro de casa, elas morreriam de sede porque a gente iria esquecer de molhá-las. Mas aquelas cortinas ali lembram o musgo das florestas e quando o sol bate ali, o tom de verde lembra folhas molhadas. Tirar essa cortina irá acabar com toda e qualquer conexão que a gente tenha com a natureza. Eu pisco. Eu acho que ela é louca, engraçada ou fofa. Talvez as três coisas. Erik bufa mais uma vez. Ele faz bastante isso. Eu olho para a cortina e ainda a acho h******l, mas Brina se esforçou bastante para me convencer então dou de ombros. - Acho que ela não é tão r**m. - Não! - Erik lamenta. - Você não caiu nessa, né? Ela é perigosa, Pedro! Essa garota e seu olhar de gato de botas! Nunca escute o que ela fala, Briana poderia convencer uma pessoa a se atirar de uma ponte. - Erik balança a cabeça e parece inconformado. Olhei para Briana, checando se as palavras a magoaram, mas ela estava completamente se divertindo. - O lado bom é que eu sou imune a ela. - Erik declara e vira para Briana, cruzando os braços. - A cortina sai hoje. - Na-na-não. É uma democracia. O navato mudou de ideia. - Eu odeio você. - Ele diz, derrotado e irritado. Acho que a cortina iria ficar. E tenho certeza que a minha opinião não tem nenhuma influência sobre isso. Aposto que Erik seria o primeiro a pular da ponte. Briana sorriu. - Não odeia não. - Quer saber? Que seja! - Os seus olhos acusadores viraram para mim. - Garoto novo, você é uma decepção e eu preciso de cerveja. Estou saindo. - Traz kit-kat para mim. Briana pediu toda inocente, como se ela e Erik não tivessem acabado de ter uma pequena discussão. - Vai se ferrar. Ele responde e vai embora, fazendo questão de bater a porta quando sai. Mas eu podia apostar dinheiro que ele traria o chocolate. - Uau. Isso foi... - Esquisito? - Pode apostar. Ela deu de ombros. - Bem-vindo ao seu novo lar. - Vocês são sempre assim? - às vezes melhores, às vezes piores. - Morar aqui vai ser no mínimo engraçado. - Ou estressante. - Briana riu. - mas eu juro que somos boas pessoas. - Eu conto com isso. Aliás, nunca vi ninguém defender tão fervorosamente uma cortina. Estou curioso, é uma herança de família? A garota começou a rir e o seu riso era musical. Riso musical? O quê? - Aquela coisa? É terrível, não é? Parece que alguém vomitou nela. Estreito os olhos. - Eu não entendi... - irritar Erik é meu passatempo favorito. Briana faz uma cara que só posso descrever como: travessa. - Espera, você não gosta da cortina? - Fala sério, você já olhou para aquilo? É uma vingança. Eu rio, sem acreditar. - Pelo quê? - Ele me deu um abajur h******l de aniversário e eu sou obrigada a deixar aquela coisa no meu quarto. - Você não pode jogar fora? - Não, eu não quero ferir os sentimentos dele. - Briana, você é esquisita. - E as melhores pessoas, não são? Eu sorrio. - É, acho que sim - Vem, novato, vamos te apresentar ao lugar mais bizarro que você poderia morar. Ela é dramática. Mas acho que pode estar certa.
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