Capítulo 2

2341 Words
— Bruno? – A minha voz sai alta. — O que você está fazendo aqui? — Oi, Mel. Você disse que eu podia ver a Bolinha. Eu dei algumas respostas para os paparazzis e acho que consegui deixá-los satisfeitos por enquanto, mas nunca se sabe quando vão voltar. Achei melhor aparecer aqui antes que aconteça. — Ah... claro. Olha, eu acho que essa não é uma boa h... A voz de Thiago me interrompe.  — Lindinha, acho que já vou embo... Ele para de falar. Não preciso virar para saber que viu Bruno. Isso não pode estar acontecendo comigo! — Hum, é... Thiago, esse é o Bruno. Bem, acho que você já ouviu falar dele. Bruno, esse é meu namorado, Thiago. Thiago se aproxima devagar e coloca o braço em volta de meu ombro. Os dois se encaram. Ainda sem emitir uma única palavra, meu namorado estende a mão para Bruno, que a encara um segundo a mais que o normal antes de apertar. — Então, porque você está na casa da minha namorada? Um falso sorriso se espalha no rosto de Thiago. Ele parece quase descontraído, mas eu vejo a clara tensão por trás da máscara de indiferença. — Eu queria ver a Bolinha. — Bruno responde calmamente, os olhos dele ainda presos em Thiago. — Eu já te disse que a Bolinha foi um presente de Bruno, né? Ele me deu quando nós dois éramos crianças. Foi no meu aniversário! Eu deveria te mostrar uma foto, ela era tão pequenininha. A mamãe comprou uma caminha para ela e ficava no meu quarto, e...  Eu estou divagando. A insinuação de um sorriso surge nos lábios de Bruno. Ele me acha fofa. Eu sei, já vi essa expressão em seu rosto milhares de vezes. Eu paro de falar, porque Bruno não tem o direito de me olhar assim. — É, você já disse que a Bolinha foi um presente. Sinto muito cara, mas ela está dormindo. Thiago começa a brincar com uma mecha do meu cabelo e Bruno segue o movimento dos seus dedos. Percebo sua garganta subir e descer. Ele fecha os olhos por um segundo e depois se concentra apenas em nossos rostos. — Certo. Volto outra hora.  — Claro. Venha outra hora na casa da minha namorada, isso é perfeito. Bruno sorri. — Algum problema, amigo? — Com o cara arrumando desculpas para ver a minha namorada? Nenhum. — Outra hora, então. — Interrompo seja lá o que está rolando entre os dois. — Tchau, Bruno. Meus olhos imploram para que ele vá embora. Eu sei que ele pode ler isso em mim, Bruno sempre soube me interpretar facilmente. Ele assente lentamente e dá às costas para nós, parando para falar por cima do ombro. — Boa noite, Mel. Thiago fecha a porta, tira o braço que ainda estava em volta de mim e depois caminha até o sofá. Respiro fundo e me preparo para a briga. — Existe algum motivo pra que ele ache que pode simplesmente aparecer na sua casa? Ele pergunta antes mesmo que eu me sente ao seu lado. Eu decido ser sincera na minha resposta. — Encontrei com ele quando estava indo para o restaurante. Ele perguntou se podia ver a Bolinha e eu disse que sim — Thiago levanta uma sobrancelha — A Bolinha costumava ser praticamente dele também. Não é nada demais.   — Você deixar esse cara voltar pra sua vida é uma coisa demais, sim. — Isso não vai acontecer. Ele só quer ver a cachorra. — Não se permita voltar a sofrer, Mel. Você não merece.  — Ele não pode fazer isso. Você é o único que me importa, é o único que pode,.  — Eu nunca faria isso — Então, não preciso me preocupar. Thiago acena. Ele segura a minha mão e aperta, depois, levanta do sofá. — Vou pra casa. — Não faz isso. — Relaxa, eu já estava indo. Nós estamos bem. Mas não estamos. Não de verdade. Ele não me beija antes de sair pela porta. De repente, sou tomada por uma onda de raiva. Como Bruno ousa voltar e atrapalhar meu namoro?  Subo frustrada para meu quarto e me jogo na cama. Inevitavelmente, penso em Bruno. Penso em toda a nossa história. Eu tenho evitando pensar sobre coisas que o envolvem, mas agora parece impossível. Tudo começou com os nossos pais. Os quatro eram amigos na faculdade. Inseparáveis, eu diria. Casaram quase na mesma época e decidiram que seria uma boa comprarem casas na mesma rua. Mamãe engravidou de Daniel, Tia Fernanda de Bruno. Depois, mamãe teve a sua menininha. Foi assim, Bruno e eu crescemos juntos. A gente não teve nenhuma escolha. Ele foi o meu melhor amigo desde sempre. Quando éramos crianças, a gente corria de uma casa para a outra o dia inteiro. Onde um estava, o outro estava atrás. Ele era como um outro irmão pra mim e para Daniel. Até que um dia, as coisas entre nós dois mudaram. Eu tinha 13 anos e ele 14. Era um domingo à noite e meus pais estavam jantando na casa de Bruno. Daniel tinha ido ao cinema com uma garota (Não me lembro o nome dela). Eu e Bruno estávamos juntos no quintal da minha casa. Pela primeira vez na vida, a gente estava em silêncio. O meu coração batia estranhamente mais rápido. Ele me olhou e começou a falar de um jeito tímido e nervoso que não era comum entre a gente. — Mel, eu acho que gosto de você... Quer dizer, eu te amo, é claro. Mas acho que gosto, entende? Eu não quero atrapalhar nossa amizade. Você é minha melhor amiga e eu nunca quero mudar isso, mas eu... Eu o interrompi com um beijo. Apenas um leve roçar de lábios. Quando me afastei, estava tão nervosa que lembro de pensar que eu poderia desmaiar. Bruno piscou os olhos, chocado. Abri a boca para pedir desculpas. Talvez eu tivesse interpretado m*l o seu discurso? Mas ele me puxou de volta e me mostrou o que era um beijo de verdade. Dizem que o primeiro beijo é estranho, mas o meu foi perfeito. Quando meus pais voltaram para a casa, a gente tinha "CULPADOS" escrito na testa e Bruno praticamente correu para longe. No dia seguinte, depois de uma noite em que não dormi nada, ele passou na minha casa pra que a gente fosse andando até a escola. Eu estava nervosa o caminho todo e o clima era estranho. Em algum momento, ele parou de andar e segurou as minhas mãos, respirou fundo e me fez a pergunta que eu mais esperava. — Você acha que a gente deveria namorar? Eu achava, mas estava nervosa demais para dizer.  — Não sei... O que você acha? — Acho que sim. — Ele pensou por um segundo e assentiu determinado. — Acho que eu ia odiar ver você namorando qualquer outro garoto. Eu sorri. Foi a primeira vez que tive aquela sensação. — Vamos namorar, então  Ele me beijou. Foi simples, assim. Nenhum grande pedido. A gente não precisava daquilo, porque eu e Bruno juntos? Era inevitável. Eu lembro que nossos pais surtaram. Eles ficavam dizendo que já sabiam que isso iria acontecer. Daniel sentou na sala com Bruno e o interrogou sobre suas intenções, enquanto Bruno respondia tudo da forma mais doce possível, eu revirava os olhos para Daniel. Quando a "entrevista" acabou, ele começou a rir e disse  algo como " Eu, meus pais e os pais de Bruno apostamos quando vocês iam começar a namorar. Eu disse que seria ano passado, então perdi". Ele deu um t**a na cabeça de Bruno e continuou "como você é lerdo, cara". O namoro com Bruno foi tão certo e perfeito que não há forma de explicar. Ele continuou sendo o meu melhor amigo, mas agora ele me beijava, me abraça e mimava o tempo inteiro. Eu passei a amá-lo mais e mais e mais. Eu sempre o amei. Eu achava que esse amor poderia me afogar algum dia. Quando eu tinha 15 anos, Bruno compôs uma música para mim. Aquele foi o presente mais lindo que alguém já tinha me dado e euu queria que o mundo inteiro soubesse como o meu namorado era talentoso. Eu o incentivei a postar um vídeo tocando a música. Foi um sucesso, milhões de acessos em menos de uma semana. Ele foi convidado para participar de programas de entrevistas. Nós m*l acreditamos. Foi tudo uma loucura só. Nós não conseguíamos mais ir ao cinema sem que ele fosse parado para tirar foto. Foi quando surgiu o inesperado convite. Queriam que ele mudasse para Los Angeles. Queriam que ele investisse na carreira. Queriam que ele crescesse artisticamente. Eu também queria... mas não imaginava minha vida sem o Bruno morando na casa da frente. Deram dois meses para ele decidir, e as coisas foram complicando entre a gente. Nós juramos que a decisão seria tomada por nós dois, mas sempre tínhamos medo de falar no assunto.  Foi nessa época que papai morreu no acidente de carro. Eu estava na escola quando o diretor mandou me chamar em sua sala com o material. Lembro que senti medo. Quando cheguei, ele não me contou o motivo de me chamar ali. Ficou falando sobre coisas sem importância e eu percebi que ele estava nervoso. Foi quando a porta abriu e um Bruno de olhos vermelhos entrou. Meu coração disparou quando ele se aproximou e segurou as minhas mãos.  — O que aconteceu? — minha Voz saiu trêmula. Ele respirou fundo.  — Seu pai... sofreu um acidente... Ele ... — Bruno jamais completou aquela frase. Ele me abraçou apertado enquanto eu chorava ruidosamente em seu peito.  — Tudo bem, meu amor. — A voz dele estava trêmula também. Bruno amava meu pai e estava sofrendo, mas tentou se manter forte por minha causa. — Seu pai teve uma linda vida. Ele partiu feliz, não duvide disso. Ele me levantou, quase me carregando no colo e chamou um táxi para nós. Quando vi minha mãe e meu irmão, meu coração se partiu pela segunda vez naquele dia. Eu achei que não poderia suportar aquela dor. Então, Bruno me segurou antes que eu desabasse.   — Vai ficar tudo bem. Estou aqui, sempre aqui.  Ele não parava de sussurrar no meu ouvido. Continuou sussurrando durante a noite e por toda a madrugada.   O velório e o enterro passaram como um borrão. Lembro que parecia que as lágrimas iam afogar todos nós. Lembro da dor sufocante. Lembro da mão de Bruno que nunca soltou a minha. Na semana que se seguiu, Bruno praticamente mudou para a minha casa. Ele não me deixava sozinha mais do que o necessário e acho que nunca o amei tanto como naqueles dias. Mamãe e Daniel estavam distantes, sofrendo o seu próprio luto. Uma tarde, Daniel sentou ao meu lado e pediu que Bruno fosse embora porque nós precisávamos conversar. Foi quando me contou da faculdade, quando me contou que estava indo embora. Não lembro quase nada da conversa, apenas o final. — Você sabe que eu te amo, não é? — Então, por que tá me deixando ? — Não diga isso, Mel. Eu só não posso mais ficar aqui. Você entende? Vai ficar bem? Não. Não entendia. Não ia ficar bem. Eu achava que esse era o momento de nos unirmos, de superarmos juntos. Mas concordei... — Entendo.  No dia seguinte, eu estava pronta pra desabar e chorar no colo de Bruno, mas soube que havia algo errado no segundo que ele entrou na minha casa. Ele não me tocou, andou de um lado para o outro. Eu já sabia e meu coração doeu. Mas eu tinha que ouvir dele. — O que está acontecendo? Ele sentou ao meu lado e segurou a minha mão. — Você tem que saber que é a pessoa que eu mais amo nesse mundo — Ele riu fraco -—Não deixe minha mãe saber.  Forcei um sorriso. — E por que está me dizendo isso? — Eu sinto muito que isso tudo esteja acontecendo agora. Eu quero tanto fazer a dor que você está sentindo passar. Mas eu não posso, e sei que você acha que precisa de mim, mas não precisa. Precisava sim, mas continuei calada. Ele fechou os olhos e respirou fundo.  — Mel, eu vou pra Los Angeles. Dor. As palavras doeram. — Pensei que íamos decidir juntos. — Mas é minha carreira, Mel. Eu tenho que decidir e não você. Aquelas palavras me magoaram mais do que qualquer coisa que eu já tenha ouvido na vida. Tirei minhas mãos das deles. Eu tentava evitar as lágrimas, mas era impossível.  — Por favor, não chore. Ele suplicou e seus olhos estavam marejados. — Você não vai mudar de ideia? Ele me encarou e engoliu. Não me respondeu com palavras, apenas fez um movimento de negação com a cabeça. — Você precisa sair daqui, por favor. — Mel... — Por favor... Ele levantou, olhou para mim da porta e parecia querer dizer alguma coisa, mas se virou e saiu. ... Acordei agitada. O sonho, repleto de lembranças, acelerou a minha pulsação. Escutei o meu nome sendo chamado no andar de baixo e soltei um suspiro. Era tarde, mas mamãe havia acabado de chegar. Decidi tomar um banho antes de descer, para limpar os resquícios daquele sonho i****a e realista. Vesti uma camisola antiga que já era parte do meu guarda roupa desde que eu tinha 12 anos. Estava pequena em mim, mas confortável. Desci as escadas e congelei quando cheguei na sala. Bruno estava sentado de frente pra minha mãe e com uma Bolinha feliz aos seus pés.  — Ah! Olha só ela ai — Mamãe disse quando me viu.  Bruno virou e seus olhos percorreram todo meu corpo... duas vezes. Percebi suas bochechas corarem antes dele desviar os olhos.  — Querida, olhe só quem está de volta! — Ela sorriu animada — Pedi uma pizza, ele vai comer com a gente.  É... aquela seria uma longa noite.
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