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CHLOE
Meu estômago dá um nó quando Nikolai retorna, a torrada que eu comi parecendo uma pedra. Sei que Konstantin é seu irmão mais velho, o gênio tecnológico da família, e suspeito fortemente que o “algo” que sua equipe encontrou está relacionado à minha situação.
Agora que tive a chance de pensar sobre isso, Konstantin é, provavelmente, como Nikolai soube de todas essas coisas sobre mim desde o início – como o fato de eu não ter postado em minhas redes sociais altamente privadas durante meu mês de fuga. E foi também por ele que Nikolai teve acesso aos arquivos da polícia e descobriu que foram alterados para fazer o assassinato da minha mãe parecer ainda mais um suicídio.
Konstantin e sua equipe devem ser os “recursos” que Nikolai mencionou durante a viagem de carro aqui, a vantagem que ele tem sobre Bransford.
Com certeza, o rosto de Nikolai está sério quando ele se senta na beira da minha cama e aperta minha mão esquerda em sua palma forte. Seu toque me aquece e me arrepia.
— Chloe, zaychik... — Seu tom é preocupantemente gentil. — Há algo que você deve saber.
Meu coração, que já estava galopando em meu peito, dá um salto mortal para trás. Seu olhar não é mais o de um estranho; em vez disso, há pena em seu olhar de tigre dourado.
O que quer que ele esteja prestes a dizer é horrível, eu posso sentir.
— O quanto você sabe sobre as circunstâncias de seu nascimento? — ele pergunta no mesmo tom gentil. — Sua mãe alguma vez falou sobre isso?
É como se um vento gelado soprasse por dentro de mim, congelando todas as células no caminho. — Meu nascimento? — Minha voz soa como se estivesse vindo de alguma outra parte do quarto, de alguma outra pessoa.
Ele não pode dizer o que acho que está dizendo. Não há nenhuma maneira de Bransford ser…
— Vinte e quatro anos atrás, sua mãe morava na Califórnia — Nikolai diz calmamente. — Em San Diego.
Eu assinto no piloto automático. Mamãe tinha me falado isso. Ela viveu em todo o sul da Califórnia, na verdade. Depois que o casal de missionários que a adotou no Camboja morreu em um acidente de carro, ela passou de um lar adotivo ao outro até se emancipar aos dezessete anos – o mesmo ano em que me deu à luz.
— Ela não era a única que morava em San Diego na época — continua Nikolai. — O mesmo aconteceu com um certo jovem político brilhante, cuja campanha local ela se ofereceu como voluntária para obter crédito extra para sua aula de História Americana.
O vento gelado dentro de mim se transforma em um vendaval de inverno.
— Bransford. — Minha voz é quase um sussurro, mas Nikolai ouve e acena com a cabeça, apertando minha mão suavemente.
— O primeiro e único.
Eu fico olhando para ele, simultaneamente fervendo de emoções e entorpecida.
— O que você está dizendo?
— Sua mãe tentou suicídio quando tinha dezesseis anos. Você sabia disso?
Minha cabeça balança concordando. Quando eu era criança, mamãe sempre usava pulseiras e faixas em volta dos pulsos, mesmo em casa, mesmo enquanto cozinhava, limpava e me dava banho. Foi só quando eu tinha quase dez anos que eu a vi e descobri as linhas brancas em seus pulsos. Ela me sentou e explicou que, quando era adolescente, passou por um período difícil que culminou na tentativa de suicídio.
— Ela disse que tinha sido um erro. — Minha garganta está tão apertada que cada palavra sai raspando. — Ela me disse que estava feliz por ter falhado, porque logo depois, ela soube que estava grávida. De mim.
Seus olhos ficam opacos. — Entendo.
Entende? O quê? Enfurecida de repente, eu puxo minha mão de seu aperto e sento-me ereta, ignorando a onda de tontura e dor que me acompanha. — O que exatamente você está tentando me dizer? O que sua tentativa de suicídio tem a ver com Bransford? Ele tentou matá-la daquela vez também? Esse é o seu maldito MO?
— Não, zaychik. — O olhar de Nikolai se enche de pena desconcertante novamente. — Temo que essa tentativa não tenha sido encenada. Mas há motivos para acreditar que Bransford foi o responsável. De acordo com os registros do hospital que a equipe do meu irmão desenterrou, sua mãe tinha ido ao pronto-socorro duas vezes naquele ano: uma para a tentativa de suicídio e dois meses antes como vítima de estupro.
Uma vítima de estupro? Eu fico olhando para ele, manchas pretas pontuando as bordas da minha visão.
— Você está dizendo que Bransford a estuprou?
— Ela nunca apresentou nenhuma queixa nem nomeou seu agressor, então, não podemos saber com certeza, mas sua primeira visita ao pronto-socorro coincidiu com o último dia de seu voluntariado na campanha. Ela nunca mais voltou depois disso, e nove meses depois, quase no mesmo dia, ela deu à luz uma menina. Você.
Os pontos pretos se multiplicam, assumindo mais a minha visão.
— Não. Não, isso não é... Não. — Eu balanço enquanto o quarto fica embaçado em minha visão.
Os braços fortes de Nikolai já estão ao meu redor. — Aqui, recoste-se. — Sou guiada de volta para o monte de travesseiros. — Respire fundo. — Sua palma quente alisa meu cabelo para trás da minha testa úmida. — Isso mesmo, assim mesmo — ele murmura enquanto tento obedecer, arrastando inspirações superficiais em meus pulmões anormalmente rígidos. — Está tudo bem, zaychik. Só respire…
A tontura diminui, lenta mas segura, e quando Nikolai recua, meu cérebro está funcionando novamente, e começando a processar o que ele me disse.
Mamãe foi estuprada.
Nove meses depois, eu nasci.
Eu quero vomitar.
Quero esfregar minha pele em carne viva e ferver meu DNA em alvejante.
— Ela nunca... — Minha voz vacila. — Ela nunca falava do meu pai. Nem uma vez. E eu perguntei, repetidamente.
Nikolai acena com a cabeça, me olhando com a mesma pena inquietante.
As palavras continuam saindo da minha boca, como água vazando de um cano com defeito.
— Ela me disse que tinha sido um período difícil em sua vida. Ela largou o colégio. Arrumou emprego de garçonete e pediu a emancipação judicial, por conta da gravidez e tudo.
Ele assente novamente, me deixando lidar com isso sozinha – e eu faço. Porque, pela primeira vez, muito sobre minha mãe faz sentido. Sempre me intrigou como ela engravidou, porque, pelo que eu sabia, ela era o oposto de uma adolescente selvagem. Embora mamãe raramente falasse sobre si mesma, eu descobri o suficiente para saber que ela era uma aluna nota A antes de desistir, muito quieta e introvertida para ir a festas e flertar com garotos. Ela também não demonstrou interesse em namorar quando adulta; ela nunca trouxe para casa um namorado solteiro, nunca me deixou com uma babá para sair e se divertir. Quando criança, eu achava que isso era normal, mas conforme fui crescendo, percebi o quão estranho era para uma bela jovem se fechar assim.
Foi como se ela tivesse feito um voto de castidade... ou nunca tivesse se recuperado do trauma do estupro.
— Você acha... — engulo a bile amarga na minha garganta. — Você acha que ele sabia? Sobre a gravidez dela? Sobre mim?
Sempre achei que meu pai simplesmente se afastara da responsabilidade, embora mamãe nunca tivesse dito isso abertamente, apenas insinuado. Achei que ele mesmo era um adolescente, alguém que simplesmente não estava pronto para ser pai. Mas isso – isso muda tudo. Mamãe pode nem ter contado a ele sobre minha existência. Por que ela teria, se ele a estuprou?
Exceto... ele tem que saber agora.
Porque ele a matou e tentou fazer o mesmo comigo.
Oh, Deus.
Eu m*l contive uma onda de vômito.
Meu pai biológico não é apenas um estuprador – ele é um assassino.
Nikolai pega minha mão na sua novamente, seu toque chocantemente quente na minha pele gelada. — Acho que ele precisava saber — diz ele, ecoando meus pensamentos. — Talvez não desde o início, mas mais tarde, com certeza.
— Porque ele tentou nos matar.
— Sim, e por causa da bolsa que você recebeu.
Eu pisco, sem compreender a princípio. Em seguida, suas palavras filtram.
— Você quer dizer... ele pagou pela minha faculdade?
— Konstantin está rastreando a origem exata desses fundos, mas tenho quase certeza do que ele vai descobrir. — Os olhos de Nikolai estão sombrios no meu rosto. — Era uma bolsa privada —, destinada a apenas uma pessoa: você. Lembra que você me disse que sua amiga se inscreveu e não conseguiu, apesar de ser ainda mais qualificada do que você? Isso porque nunca foi para ela. Esse dinheiro era seu o tempo todo.
Porra. Ele tem razão. Minha amiga Tanisha foi a oradora da turma com notas perfeitas no SAT, mas ela não conseguiu essa bolsa integral para Middlebury – eu consegui. Eu até disse a Nikolai como isso era estranho. Exceto…
— Não entendo. Por que ele faria isso? Por que ele pagaria pela minha educação se odiava a mim e minha mãe? Se ele... planejava nos matar? — Eu m*l consigo pronunciar as últimas palavras.
Nikolai aperta minha mão.
— Não sei ao certo, mas tenho uma teoria. Acho que sua mãe o contatou em algum momento e lhe contou sobre você. E acho que ela o ameaçou. Provavelmente foi algo como ‘se você não fornecer os fundos para a educação de nossa filha, vou divulgar minha história a público’.
— Você acha que ela o chantageou?
Com o aceno de Nikolai, afundo mais nos travesseiros, balançando a cabeça.
— Não. Não, você está errado. Mamãe não teria feito isso. Ela não é... ela não era... — Para minha vergonha, meus olhos se inundam de lágrimas, minha garganta fechando quando uma onda de dor esmagadora me pega desprevenida.
— Uma criminosa? Uma chantagista? — A voz profunda de Nikolai é suave enquanto seu polegar massageia minha palma em círculos suaves. Com muito tato, ele espera até que eu me controle, então, diz baixinho: — Você tem que se lembrar, zaychik, ela foi mãe, antes de tudo. Uma mãe solteira que trabalhava como garçonete, cujos ganhos não poderiam cobrir nem mesmo uma fração dos custos exorbitantes da educação universitária neste país. O que você teria feito para garantir o futuro do seu filho?
Eu teria feito tudo o que tivesse que fazer – e provavelmente, foi o mesmo com mamãe.
— Se isso é verdade, por que ele esperou? — Eu pergunto em desespero. Alguma parte infantil em mim ainda espera que tudo isso seja um grande m*l-entendido, que meu pai biológico não seja um monstro total. — Por que pagar por todos os quatro anos de minha escolaridade e depois tentar nos matar? Se ele já tinha gasto o dinheiro…
— Não era sobre dinheiro. Ele é rico o suficiente para ter pago por dez filhas ilegítimas. — O tom de Nikolai endurece. — É sobre a carreira dele. Sua candidatura à presidência.
Claro. As apostas são infinitamente maiores agora, e enquanto alguns políticos prosperam em escândalos, Bransford é um ícone totalmente americano da moral e dos valores da classe média, com uma reputação completamente limpa que não sobreviverá a esse tipo de golpe.
Ainda assim, presumindo que tudo isso seja verdade, há algo que não faz totalmente sentido. Posso ver como mamãe era uma ameaça para ele, já que ela poderia vir a público com sua história a qualquer momento. Mas por que tentar me matar?
Quão vilão você tem que ser para enviar assassinos atrás de sua própria filha? Especialmente se ela não souber nada sobre você?
Então, de repente, me ocorre.
— Eu sou a prova viva do crime dele, não? — digo, olhando para Nikolai. — Um único teste de DNA e ele está acabado. Mesmo que ele tente alegar que foi consensual, mamãe ainda era menor de idade na época da minha concepção. Dezesseis anos dela para os mais de trinta dele.
Nikolai acena com a cabeça.
— No mínimo, ele é culpado de estupro estatutário. É o caso raro em que não é a palavra dele contra a dela. Não importa o quanto ele tente burlar, o que ele fez é uma ofensa criminal.
— E ele provavelmente não sabe que mamãe nunca me contou sobre ele. No que diz respeito a ele, posso aparecer a qualquer momento, reivindicando-o publicamente como meu pai.
— Receio que sim, zaychik. — Ele inclina a cabeça, me estudando atentamente. — Você está bem?
Eu começo a acenar com a cabeça no piloto automático, então, n**o.
— Não. Não, eu não estou. Eu preciso de um minuto. — Ou dez mil minutos. Ou o resto da minha vida.
Meu pai biológico é um estuprador e um assassino que está tentando me matar.
Eu não sei nem como começar a processar isso.
Com o olhar cheio de compreensão, Nikolai aperta minha mão novamente, em seguida, curva a palma da mão sobre meu queixo e se inclina, acariciando minha bochecha com a ponta do polegar.
— Vou deixar você descansar, zaychik — ele murmura, seu hálito quente e sutilmente doce contra meus lábios. — Falaremos mais quando você estiver se sentindo melhor.
Fechando a pequena distância entre nós, ele me beija. Seus lábios são gentis nos meus, ternos, mas posso sentir a possessividade faminta por trás da restrição. Isso me apavora quase tanto quanto a resposta instintiva do meu corpo.
Posso fugir de Bransford com sua ajuda, mas não haverá como fugir dele.
Não há como escapar do d***o.