Segredos

1015 Palavras
Nos despedimos de todos, após todo aquele desconforto, não havia mais espaço para confraternização. Assim que a porta do quarto se fechou atrás de nós, o mundo lá fora simplesmente deixou de existir. O corredor silencioso do resort, o brilho das luzes, os comentários educados, os olhares curiosos… tudo ficou para trás. Ali dentro, só restava o quarto amplo, elegante, iluminado por abajures de luz quente e pelo reflexo suave da lua entrando pelas cortinas semiabertas. Manuela caminhou alguns passos à frente, largou a clutch sobre a mesa e ficou parada, de costas para mim. Ela não disse nada de imediato. Tirou os sapatos devagar, como se cada gesto estivesse sendo pensado. Passou a mão pelos cabelos, respirou fundo. Eu conhecia aquele silêncio. Não era timidez, nem cansaço. Era nervosismo. Um nervosismo que não combinava com a mulher segura que tinha enfrentado Rafael horas antes. — Manuela… — comecei, dando um passo à frente. Ela se virou rápido demais. — Senta, por favor. O pedido veio baixo, quase frágil. Não era uma ordem. Era um pedido de quem precisava conduzir algo difícil. Sentei na beira da cama. O colchão afundou sob meu peso, e eu apoiei os antebraços nas coxas, esperando. Manuela se aproximou lentamente e parou diante de mim, ainda em pé. Por um instante, pensei que ela fosse se sentar no meu colo, como tantas vezes fazia quando queria carinho ou proximidade. Mas não. Ela permaneceu ali, me olhando como se estivesse procurando coragem no meu rosto. — Eu preciso te contar uma coisa… — disse enfim. Meu estômago deu um leve nó. — Não é nada do que você está pensando — ela se apressou em completar — mas… eu não fui totalmente sincera com você. Aquelas palavras caíram pesadas demais para um quarto tão bonito. Não respondi. Apenas assenti com a cabeça, dando espaço. Ela respirou fundo outra vez e finalmente se sentou ao meu lado, mas mantendo uma pequena distância. As mãos dela estavam entrelaçadas, os dedos inquietos. — O Rafael… — começou, desviando o olhar — ele foi, durante muito tempo, um grande amigo. Fez uma pausa. — Quando eu ainda era casada… — a voz dela ficou mais baixa — ele foi uma das pessoas que mais esteve comigo. Me ouviu, me apoiou, me fez enxergar coisas que eu fingia não ver. Engoli em seco, mas continuei em silêncio. — Foi ele quem me ajudou a criar coragem para pedir o divórcio — ela confessou. — Não no sentido de interferir, mas… de me mostrar que eu não precisava continuar em algo que já tinha acabado por dentro. Ela levantou os olhos para mim, como se tivesse medo da minha reação. — Depois da separação… — continuou — eu estava frágil. Perdida. E o Rafael estava ali. Sempre ali. O silêncio ficou ainda mais denso. — A gente teve… — ela hesitou — algo passageiro. Um caso bobo. Curto. Confuso. Senti o peito apertar. — Ele dizia que era apaixonado por mim — completou. — Mas eu nunca senti por ele o que ele sentia por mim. Nunca. Ela se virou de vez para mim. — Eu percebi isso rápido e dei um basta. Não quis alimentar nada. Não quis criar falsas expectativas. As peças começaram a se encaixar. O olhar dele no jantar. A hostilidade. O desprezo m*l disfarçado. — As atitudes dele hoje… — Manuela suspirou — foram ciúmes. Orgulho ferido. Talvez uma mistura de tudo. Ela abaixou a cabeça. — Eu devia ter te contado antes. Me desculpa. Eu sempre achei que era algo tão irrelevante que não mencionava como algo que fez parte da minha vida, mas não imaginei que ele agiria assim. O quarto ficou em silêncio. Eu não sabia por onde começar. As palavras se acumulavam, mas nenhuma parecia certa. Então fiz a única coisa possível naquele momento: falei a verdade. — Eu fiquei chateado — disse, com a voz baixa. — Não pelo passado… mas por não saber dele. Ela levantou o rosto de imediato. — Hoje, naquele jantar… — continuei — eu me senti exposto. Julgado. Humilhado. Minha garganta apertou. — Eu senti que todo mundo sabia de algo que eu não sabia. E isso… machuca. Manuela tentou falar, mas eu levantei a mão, pedindo mais um segundo. — Eu confio em você. Mas confiança também é dividir o que pode virar problema. E aquilo virou um problema ali, na frente de todo mundo. Ela fechou os olhos, como se aquelas palavras doessem nela também. — Me desculpa… — repetiu, com a voz embargada. Então, antes que eu pudesse continuar, ela se moveu rápido, sentando-se mais perto, segurando meu rosto com as duas mãos. — Olha pra mim. Obedeci. Os olhos dela estavam marejados, mas firmes. — Eu nunca senti por ninguém o que eu sinto por você. A frase veio sem hesitação. Sem ensaio. — Nunca — reforçou. — Nem perto. Meu coração acelerou. — Com você é diferente. É fácil. É leve. É intenso. É verdadeiro. Ela apoiou a testa na minha. — Eu não quero jogar nada fora por medo do passado. Respirou fundo, como quem se prepara para pular. — Eu quero construir algo com você. O silêncio voltou, mas agora era outro. Cheio de expectativa. Então ela disse. Simples. Direto. Sem rodeios. — Eu quero casar com você. O mundo parou. Não houve música, nem luz especial. Só aquelas palavras ecoando dentro de mim. Casar. Comigo. Ali, naquele quarto, depois de um jantar tenso, de uma verdade difícil, de um passado finalmente exposto. Eu não respondi de imediato. Apenas a abracei. Forte. Como se precisasse sentir que aquilo era real. Ela se encolheu nos meus braços, vulnerável como eu nunca tinha visto. — Eu não espero resposta agora — murmurou. — Só precisava que você soubesse o que eu sinto. Beijei o topo da cabeça dela, demoradamente. — Obrigado por confiar em mim — disse, por fim. Ela sorriu, ainda emocionada. E naquele momento, mais do que qualquer promessa, ficou claro que algo muito maior tinha começado ali. Não perfeito. Não sem tropeços. Mas verdadeiro.
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