Noite Envolvente

1218 Palavras
O som do último martelo ecoou como um sinal de alívio. Os aplausos se espalharam pelo salão, e o apresentador agradeceu a generosidade dos convidados. A orquestra retomou a música, suave, elegante. O ambiente voltava a respirar, agora tomado pelo burburinho das conversas e risadas discretas. Nathan estava recostado na cadeira, o sorriso satisfeito de quem se diverte com o próprio caos. — Eu admito, Leo. Foi melhor do que eu esperava. — O evento? — A disputa. — Ele ergueu a taça. — Você e a mulher de vermelho deviam ser colocados no catálogo da noite. — Pare de dramatizar. — Eu? — fingiu ofensa. — Eu estou apenas observando o comportamento humano. E o comportamento humano dela, meu caro, te achou interessante. Revirei os olhos. — Você vê romance até num relatório contábil. — É um talento natural. — Ele piscou, e o sorriso dele se alargou de repente. — E falando em comportamento humano… aquele par de olhos atrás de você está prestes a mudar minha noite. Virei o rosto por reflexo. Uma mulher de vestido prateado, cabelo escuro em ondas longas, o observava do outro lado da mesa com um sorriso sugestivo. Nathan correspondeu de imediato — o caçador reconhecendo o sinal. — Dê-me dois minutos. — Ele ajeitou o paletó, pegou a taça e foi até ela. Assisti à cena de longe. Algumas palavras, um riso, o toque leve no braço. Em menos de cinco minutos, os dois já pareciam antigos conhecidos. Nathan voltou até mim apenas para recolher o casaco. — Tenho que resolver um assunto sério, — disse, segurando o riso. — Assunto sério? — Gravíssimo. — Ele colocou a mão sobre o peito com falsa solenidade. — Essa moça acabou de confessar que nunca andou de carro conversível à noite. É meu dever moral corrigir essa injustiça. — Você é um homem de princípios admiráveis. — Alguém tem que manter a chama da aventura acesa. — Deu um tapa leve no meu ombro. — Não fique aí com essa cara de mármore. Aproveite um pouco. — E fazer o quê? Competir em outro leilão? — Talvez com algo menos previsível. — Ele piscou. — Boa sorte, doutor Duarte. E foi embora. Assim, do jeito Nathan: deixando o eco da própria risada e o perfume de uísque caro no ar. Fiquei sozinho. O salão começava a esvaziar, aos poucos. Alguns convidados já se despediam, outros dançavam sob a música leve do quarteto. Decidi ir até o bar. O balcão era de madeira escura, iluminado por pequenas luzes douradas. O barman me reconheceu de outros eventos, serviu meu uísque sem que eu precisasse pedir. O gelo tilintou no copo. Sentei-me, girando o líquido lentamente, observando as bolhas de ar que subiam e estouravam como pensamentos que se recusam a ficar quietos. A solidão, ali, não era desconfortável. Era familiar. O tipo de silêncio que não exige nada — apenas companhia para o próprio cansaço. Foi então que percebi o perfume. Suave, envolvente, diferente de todos os outros naquela sala. Algo entre jasmim e especiarias. Um segundo depois, a voz. — Belo gesto o seu — disse alguém atrás de mim, com um timbre baixo e seguro. — Arrematar tantas peças por uma causa nobre. Virei o rosto. Ela estava ali. Manuela. De perto, a presença dela era ainda mais impactante. A luz do bar suavizava o vermelho do vestido, realçando o contorno dos ombros e o brilho discreto do colar. Os olhos — agora eu podia ver claramente — eram de um tom esverdeado, impossíveis de definir com precisão. Tinham aquela profundidade que só se encontra em pessoas que já viveram demais e, ainda assim, continuam belas. — Não costumo ver disputas tão animadas em eventos beneficentes — continuou, sorrindo. — Foi… divertido. — A senhora transformou o leilão num campo de batalha — respondi, mantendo o tom leve. — Eu apenas defendi minha posição. Ela riu. O som era baixo, elegante, quase musical. — Então está dizendo que fui eu quem começou? — Apenas constatei um fato. — E, no entanto, foi o senhor quem terminou com todos os aplausos. — Ela pousou a taça sobre o balcão. — Generoso e competitivo. Uma combinação curiosa. — Generosidade e competição andam juntas quando o objetivo é justo. — Ou quando há uma plateia observando — retrucou, provocando. Sorri. — Pode ser. Mas acredito que o aplauso é só consequência. — Ou prêmio. — Ela se virou parcialmente para mim, apoiando o cotovelo no balcão. — E o senhor parece gostar de prêmios. — Depende do prêmio. Ela me olhou por um segundo mais longo do que o protocolo permitiria. — Justo. O silêncio entre nós não foi incômodo. Era o tipo de pausa que dizia mais do que palavras. Ao redor, o som do piano enchia o espaço, e o brilho das taças refletia na madeira. Ela ergueu a taça de espumante. — À disputa, então. — O sorriso dela era convidativo, irônico, irresistível. Ergui meu copo, brindando. — À disputa. Bebemos. O olhar dela continuou preso ao meu, e pela primeira vez em muito tempo, percebi que não estava analisando nada. Estava apenas olhando. — O senhor frequenta muitos desses eventos? — perguntou. — Apenas quando alguém insiste muito. — Um amigo? — Algo assim. — Espero que ele o convide mais vezes. — Deu um gole no espumante. — É bom ver rostos novos entre os mesmos de sempre. — E a senhora? Costuma vir? — De vez em quando. Gosto da ideia de fazer o bem… mas gosto mais ainda de observar o teatro por trás disso tudo. — Teatro? — Claro. — Ela gesticulou discretamente, indicando o salão. — Olhe em volta. Pessoas que doam mais para serem vistas doando do que por real empatia. É um espetáculo curioso. — Concordo. — Inclinei-me um pouco. — Mas ainda assim, o resultado é o mesmo: as crianças são ajudadas. — Um pragmático — disse ela, sorrindo. — Devia ter adivinhado. — Por quê? — Porque tem o olhar de quem pesa cada palavra antes de dizê-la. Homens assim não acreditam no acaso. — E a senhora acredita? — No acaso, não. No destino… às vezes. Deixei o silêncio preencher o espaço. Era o tipo de resposta que abria portas e deixava o ar diferente. Não havia pressa. Ela não parecia ter pressa. Por um momento, apenas observamos o salão. A música, as luzes, as pessoas ainda conversando. Ela brincava com o anel no dedo, distraidamente. — Confesso que foi divertido competir com o senhor — disse, por fim. — Já faz tempo que ninguém me enfrenta num leilão. — Não foi intencional. — Claro que não. — O sorriso dela desmentia as palavras. — Mas foi interessante. — Espero que não tenha levado como provocação. — Ao contrário. — Ela virou-se para mim, encarando de frente. — Foi… revigorante. O olhar dela se demorou um pouco mais do que o necessário. E, naquele instante, percebi que o destino de que ela falava talvez tivesse acabado de se apresentar. O barman recolheu algumas taças, e o bar voltou ao silêncio. Manuela pousou o copo vazio, girou o corpo devagar, pronta para dizer algo mais. Mas não disse. O sorriso, porém, permaneceu — discreto, curioso, promissor. A conversa estava apenas começando.
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