O som do último martelo ecoou como um sinal de alívio.
Os aplausos se espalharam pelo salão, e o apresentador agradeceu a generosidade dos convidados.
A orquestra retomou a música, suave, elegante.
O ambiente voltava a respirar, agora tomado pelo burburinho das conversas e risadas discretas.
Nathan estava recostado na cadeira, o sorriso satisfeito de quem se diverte com o próprio caos.
— Eu admito, Leo. Foi melhor do que eu esperava.
— O evento?
— A disputa. — Ele ergueu a taça. — Você e a mulher de vermelho deviam ser colocados no catálogo da noite.
— Pare de dramatizar.
— Eu? — fingiu ofensa. — Eu estou apenas observando o comportamento humano. E o comportamento humano dela, meu caro, te achou interessante.
Revirei os olhos.
— Você vê romance até num relatório contábil.
— É um talento natural. — Ele piscou, e o sorriso dele se alargou de repente. — E falando em comportamento humano… aquele par de olhos atrás de você está prestes a mudar minha noite.
Virei o rosto por reflexo.
Uma mulher de vestido prateado, cabelo escuro em ondas longas, o observava do outro lado da mesa com um sorriso sugestivo.
Nathan correspondeu de imediato — o caçador reconhecendo o sinal.
— Dê-me dois minutos. — Ele ajeitou o paletó, pegou a taça e foi até ela.
Assisti à cena de longe.
Algumas palavras, um riso, o toque leve no braço.
Em menos de cinco minutos, os dois já pareciam antigos conhecidos.
Nathan voltou até mim apenas para recolher o casaco.
— Tenho que resolver um assunto sério, — disse, segurando o riso.
— Assunto sério?
— Gravíssimo. — Ele colocou a mão sobre o peito com falsa solenidade. — Essa moça acabou de confessar que nunca andou de carro conversível à noite. É meu dever moral corrigir essa injustiça.
— Você é um homem de princípios admiráveis.
— Alguém tem que manter a chama da aventura acesa. — Deu um tapa leve no meu ombro. — Não fique aí com essa cara de mármore. Aproveite um pouco.
— E fazer o quê? Competir em outro leilão?
— Talvez com algo menos previsível. — Ele piscou. — Boa sorte, doutor Duarte.
E foi embora.
Assim, do jeito Nathan: deixando o eco da própria risada e o perfume de uísque caro no ar.
Fiquei sozinho.
O salão começava a esvaziar, aos poucos.
Alguns convidados já se despediam, outros dançavam sob a música leve do quarteto.
Decidi ir até o bar.
O balcão era de madeira escura, iluminado por pequenas luzes douradas.
O barman me reconheceu de outros eventos, serviu meu uísque sem que eu precisasse pedir.
O gelo tilintou no copo.
Sentei-me, girando o líquido lentamente, observando as bolhas de ar que subiam e estouravam como pensamentos que se recusam a ficar quietos.
A solidão, ali, não era desconfortável.
Era familiar.
O tipo de silêncio que não exige nada — apenas companhia para o próprio cansaço.
Foi então que percebi o perfume.
Suave, envolvente, diferente de todos os outros naquela sala.
Algo entre jasmim e especiarias.
Um segundo depois, a voz.
— Belo gesto o seu — disse alguém atrás de mim, com um timbre baixo e seguro. — Arrematar tantas peças por uma causa nobre.
Virei o rosto.
Ela estava ali.
Manuela.
De perto, a presença dela era ainda mais impactante.
A luz do bar suavizava o vermelho do vestido, realçando o contorno dos ombros e o brilho discreto do colar.
Os olhos — agora eu podia ver claramente — eram de um tom esverdeado, impossíveis de definir com precisão.
Tinham aquela profundidade que só se encontra em pessoas que já viveram demais e, ainda assim, continuam belas.
— Não costumo ver disputas tão animadas em eventos beneficentes — continuou, sorrindo. — Foi… divertido.
— A senhora transformou o leilão num campo de batalha — respondi, mantendo o tom leve. — Eu apenas defendi minha posição.
Ela riu. O som era baixo, elegante, quase musical.
— Então está dizendo que fui eu quem começou?
— Apenas constatei um fato.
— E, no entanto, foi o senhor quem terminou com todos os aplausos. — Ela pousou a taça sobre o balcão. — Generoso e competitivo. Uma combinação curiosa.
— Generosidade e competição andam juntas quando o objetivo é justo.
— Ou quando há uma plateia observando — retrucou, provocando.
Sorri.
— Pode ser. Mas acredito que o aplauso é só consequência.
— Ou prêmio. — Ela se virou parcialmente para mim, apoiando o cotovelo no balcão. — E o senhor parece gostar de prêmios.
— Depende do prêmio.
Ela me olhou por um segundo mais longo do que o protocolo permitiria.
— Justo.
O silêncio entre nós não foi incômodo.
Era o tipo de pausa que dizia mais do que palavras.
Ao redor, o som do piano enchia o espaço, e o brilho das taças refletia na madeira.
Ela ergueu a taça de espumante.
— À disputa, então. — O sorriso dela era convidativo, irônico, irresistível.
Ergui meu copo, brindando.
— À disputa.
Bebemos.
O olhar dela continuou preso ao meu, e pela primeira vez em muito tempo, percebi que não estava analisando nada.
Estava apenas olhando.
— O senhor frequenta muitos desses eventos? — perguntou.
— Apenas quando alguém insiste muito.
— Um amigo?
— Algo assim.
— Espero que ele o convide mais vezes. — Deu um gole no espumante. — É bom ver rostos novos entre os mesmos de sempre.
— E a senhora? Costuma vir?
— De vez em quando. Gosto da ideia de fazer o bem… mas gosto mais ainda de observar o teatro por trás disso tudo.
— Teatro?
— Claro. — Ela gesticulou discretamente, indicando o salão. — Olhe em volta. Pessoas que doam mais para serem vistas doando do que por real empatia. É um espetáculo curioso.
— Concordo. — Inclinei-me um pouco. — Mas ainda assim, o resultado é o mesmo: as crianças são ajudadas.
— Um pragmático — disse ela, sorrindo. — Devia ter adivinhado.
— Por quê?
— Porque tem o olhar de quem pesa cada palavra antes de dizê-la. Homens assim não acreditam no acaso.
— E a senhora acredita?
— No acaso, não. No destino… às vezes.
Deixei o silêncio preencher o espaço.
Era o tipo de resposta que abria portas e deixava o ar diferente.
Não havia pressa.
Ela não parecia ter pressa.
Por um momento, apenas observamos o salão.
A música, as luzes, as pessoas ainda conversando.
Ela brincava com o anel no dedo, distraidamente.
— Confesso que foi divertido competir com o senhor — disse, por fim. — Já faz tempo que ninguém me enfrenta num leilão.
— Não foi intencional.
— Claro que não. — O sorriso dela desmentia as palavras. — Mas foi interessante.
— Espero que não tenha levado como provocação.
— Ao contrário. — Ela virou-se para mim, encarando de frente. — Foi… revigorante.
O olhar dela se demorou um pouco mais do que o necessário.
E, naquele instante, percebi que o destino de que ela falava talvez tivesse acabado de se apresentar.
O barman recolheu algumas taças, e o bar voltou ao silêncio.
Manuela pousou o copo vazio, girou o corpo devagar, pronta para dizer algo mais.
Mas não disse.
O sorriso, porém, permaneceu — discreto, curioso, promissor.
A conversa estava apenas começando.