A festa finalmente chegou ao fim, e a sensação de alívio misturada com ansiedade tomou conta de mim enquanto os últimos convidados se despedia. Miguel estava em um canto da sala, ajudando a arrumar as coisas, mas sua expressão era de descontentamento. O clima no apartamento estava pesado, e eu sentia que o ar estava carregado de tensão, como se uma tempestade estivesse prestes a desabar.
Depois que Clara se despediu, deixei o espaço e fui até a cozinha, onde um copo de vinho esquecido me aguardava. Levei a taça aos lábios, sentindo o líquido suave escorregar pela garganta, tentando encontrar um pouco de conforto naquela noite caótica. O gosto frutado e encorpado parecia uma lembrança distante de momentos em que eu me sentia livre e feliz. Mas a liberdade parecia um conceito distante agora.
— Você ainda está aqui? — A voz de Miguel ecoou na cozinha, interrompendo meus pensamentos. Ele entrou, com um olhar que mesclava preocupação e irritação. — Eu pensei que você já estivesse se preparando para dormir.
— Eu só queria um momento para mim. — Respondi, tentando evitar o conflito, mas as palavras saíram com um toque de defensiva. Eu sentia que estava sempre em modo de defesa, como se estivesse lutando contra um inimigo invisível.
— Você sabe que não é bom ficar sozinha aqui. A festa foi um sucesso, e você deveria estar lá fora aproveitando. — Miguel estava começando a se irritar, e eu podia perceber que sua paciência estava se esgotando.
— Eu só... — hesitei, buscando as palavras certas. — Eu só preciso de um tempo para processar tudo isso.
Ele soltou um suspiro profundo, como se estivesse tentando encontrar a calma em meio ao caos que era nosso relacionamento. Era um padrão que se repetia: eu precisava de espaço e Miguel queria que eu estivesse sempre presente, sempre disponível.
— Laura, você sabe que eu me preocupo com você. — Ele disse, mas havia uma conotação de possessividade em suas palavras que me incomodava. — Não quero que você se afaste de mim.
— Não estou me afastando de você, Miguel. Só estou tentando entender o que está acontecendo. — A frustração começou a transparecer na minha voz. Eu sentia que as palavras que eu dizia não eram suficientes para transmitir o que realmente sentia.
— O que está acontecendo é que você está sendo fria e distante. — Ele cruzou os braços, e a tensão no ar aumentou. — Eu não sei como lidar com isso.
Eu queria gritar. Queria expor a dor que se acumulava dentro de mim, mas sabia que isso só faria com que ele se fechasse ainda mais. A última coisa que eu queria era uma discussão, mas a verdade estava lá, pulsando entre nós, esperando para ser reconhecida.
— Miguel, eu não sou um robô. Tenho sentimentos, e você precisa entender que isso não é fácil para mim. — Eu disse, tentando encontrar um equilíbrio entre a assertividade e a fragilidade.
— E o que você quer de mim? — Ele respondeu, a voz elevada, mas com um tom de desespero que eu não esperava. — Eu estou fazendo o melhor que posso para que tudo funcione, mas você parece não se importar.
Aquelas palavras doeram como um golpe. Eu me importava, mas a maneira como ele expressava suas preocupações só tornava tudo mais difícil. A pressão que eu sentia estava se tornando insuportável, e a ideia de continuar naquela situação me deixava angustiada.
— Eu me importo, Miguel. É por isso que estou aqui, tentando resolver isso. — Respondi, mas a sinceridade em minha voz não parecia ressoar com ele.
— Então por que você não fala? Por que não me diz o que está acontecendo na sua cabeça? — Ele insistiu, e eu percebi que a conversa estava se tornando uma armadilha.
O silêncio se instalou entre nós, e eu sabia que precisava sair dali. A cozinha, que antes parecia um lugar seguro, agora se tornava um espaço claustrofóbico. Precisava de ar, de espaço, de liberdade.
— Eu preciso de um tempo para pensar. — Falei, mas a decisão estava mais relacionada a escapar do que a refletir.
— Laura, por favor... — Miguel começou, mas eu não queria ouvir mais. A sensação de estar sendo sufocada me dominava, e eu precisava me afastar.
Saí da cozinha, passando por ele sem olhar para trás. O corredor parecia interminável enquanto eu caminhava em direção à varanda, onde a brisa fresca da noite me aguardava, como um abraço que eu tanto precisava.
Quando cheguei lá fora, fechei os olhos e respirei fundo, permitindo que a liberdade temporária me envolvesse. O céu estrelado acima de mim parecia prometer algo diferente, algo que eu não conseguia definir. A cidade pulsava ao longe, e eu sentia como se estivesse à beira de uma escolha que mudaria tudo.
Mas, ao abrir os olhos, fui surpreendida por Rafael, que estava encostado na balaustrada da varanda, observando a cidade com um copo na mão.
— Rafael! — exclamai, surpresa ao vê-lo ali. — O que você está fazendo aqui?
— Eu estava apenas pensando. — Ele sorriu, e a tensão que eu sentia começou a dissipar-se. — E você? Parecia que precisava de um momento a sós.
— Eu... sim. — Respondi, aliviada por ter alguém com quem compartilhar aquele momento. — A festa ficou insuportável.
— Sinto muito por isso. — Ele deu um gole em sua bebida, e eu notei que havia um brilho nos seus olhos, algo que me fez sentir à v*****e. — Às vezes, as pessoas não percebem o que realmente importa.
— O que importa? — Perguntei, sem pensar, mas a pergunta fluiu naturalmente, como se eu estivesse pronta para ouvir o que ele tinha a dizer.
— O que importa é que você se sinta livre para ser quem você realmente é. — Rafael respondeu, e sua sinceridade me tocou de uma maneira que eu não esperava.
Fiquei em silêncio, absorvendo as palavras dele. O que ele dizia parecia tão simples, mas ao mesmo tempo tão distante da realidade que eu vivia. A conexão que sempre tivemos estava ali, pulsando entre nós, e eu percebi que precisava de mais daquele conforto.
— Obrigada por estar aqui. — Eu disse, e ele sorriu de volta, um sorriso que parecia iluminar a noite.
— Sempre estarei aqui, Laura. — Ele disse, e por um momento, tudo parecia possível.
Olhamos juntos para a cidade iluminada, e a conversa fluiu naturalmente, como se o tempo não tivesse passado. Falei sobre a festa, sobre Miguel, sobre como tudo parecia tão sufocante. Rafael ouviu atentamente, fazendo perguntas que me ajudaram a refletir sobre o que estava acontecendo.
— Você merece ser feliz, Laura. — Ele disse, e suas palavras ressoaram em mim. A ideia de felicidade parecia tão distante, mas a presença dele tornava tudo mais real.
Os minutos se transformaram em horas enquanto conversávamos. A tensão que eu havia sentido mais cedo parecia se dissipar, e eu me permiti rir, esquecer um pouco do mundo lá dentro. Rafael era um bálsamo para minha alma, e eu me sentia mais leve ao seu lado.
Mas enquanto a noite avançava, a realidade começou a se infiltrar novamente. A lembrança de Miguel, sua possessividade e a pressão que eu sentia em nosso casamento estavam sempre à espreita, esperando para me lembrar da luta que eu enfrentava.
— Você deveria fazer algo a respeito. — Rafael disse, quebrando o silêncio que se instalara entre nós. — n******e continuar vivendo assim, Laura.
— Eu sei, mas é complicado. — Respondi, sentindo a tristeza retornar. — Não quero ferir Miguel, mas não sei como mudar isso.
— Às vezes, a mudança é necessária, mesmo que seja difícil. — Ele olhou para mim com uma intensidade que me fez sentir um frio na barriga. Havia algo em seu olhar que sugeria que ele sabia mais sobre mim do que eu mesma.
O som de uma porta se abrindo dentro do apartamento interrompeu nosso momento. Era Miguel, que veio até a varanda com um olhar preocupado.
— Laura, o que vocês estão fazendo aqui fora? — Ele perguntou, e eu percebi a tensão em sua voz. A possessividade que eu conhecia tão bem estava de volta.
— Estávamos apenas conversando. — Rafael respondeu, mas a tensão entre os três estava palpável. A presença de Miguel era como um peso, e eu sabia que a situação poderia escalar rapidamente.
— É melhor voltarmos para a festa. — Eu disse, tentando suavizar o clima, mas a verdade era que o desconforto estava crescendo.
— Sim, vamos. — Rafael concordou, mas seus olhos refletiam uma preocupação que não consegui ignorar.
Enquanto retornávamos para o interior, senti a pressão aumentar. O que eu havia construído com Miguel estava se desmoronando, e a conexão que eu tinha com Rafael era uma lembrança do que eu realmente desejava.
No entanto, à medida que a noite avançava, percebi que a tempestade que se aproximava não era apenas sobre mim ou sobre Miguel. Era uma tempestade que mudaria tudo ao nosso redor, e eu estava prestes a ser pega no meio dela.
E assim, enquanto a festa continuava, a verdadeira batalha estava prestes a começar, e eu sabia que não poderia evitar por muito mais tempo.