ISADORA MONTENEGRO NARRANDO:
Eu saí do apartamento dele como se estivesse fugindo de um incêndio. As pernas trêmulas, o coração disparado, os olhos tão cheios de lágrimas que m*l enxergavam o caminho. Tudo em mim gritava. Eu queria correr, gritar, desaparecer. Queria arrancar minha própria pele pra ver se a dor diminuía.
O elevador parecia nunca chegar. Apertei o botão uma, duas, dez vezes, como se isso fosse adiantar. Quando a porta finalmente se abriu, entrei tropeçando nos próprios pés. Sozinha naquele cubículo metálico, o silêncio me esmagou.
Desabei.
A mão foi direto ao peito, como se eu tentasse segurar o coração que se despedaçava dentro de mim. A respiração vinha em soluços, o choro era tão alto que ecoava nas paredes.
— Como ele pôde fazer isso comigo? — sussurrei, repetindo a pergunta como um mantra, tentando encontrar um sentido que não existia.
— Como? Como? Como?
Quando o elevador chegou ao térreo, saí quase correndo, mas ainda ouvi a voz do porteiro, educado como sempre:
— Boa noite, dona Isadora.
Não consegui responder. Só balancei a cabeça e continuei andando, com o nó na garganta crescendo até doer.
A chuva me acompanhou o caminho inteiro, como se o céu compartilhasse da minha dor. Eu andava sem rumo, com os pés afundando nas poças, a roupa colada no corpo e a alma… a alma completamente encharcada.
Joguei a aliança no meio da rua como quem arranca uma parte do próprio coração. Vi a joia bater no asfalto molhado, quicar uma, duas vezes, e desaparecer num bueiro. E junto com ela, foi embora tudo: o sonho, o amor, a promessa.
Cheguei em casa um trapo. Molhada, tremendo, soluçando como se meu peito tivesse se rompido por dentro. Entrei e tranquei a porta depressa, como se o mundo lá fora pudesse me ferir ainda mais. Joguei a bolsa no chão, me encostei na parede da sala e desabei.
O grito veio antes das lágrimas. Um grito de dor, raiva, incredulidade.
— COMO VOCÊ PÔDE FAZER ISSO COMIGO? — gritei, mesmo sozinha. Gritei como se ele pudesse ouvir, como se ela pudesse sentir o que fizeram comigo.
As lágrimas não paravam. Caí de joelhos no chão frio e chorei. Chorei por tudo. Por cada beijo. Cada plano. Cada “eu te amo” dito com os olhos. Chorei pelas noites em que dormi abraçada nele acreditando que tinha encontrado o amor da minha vida.
Fechei os olhos e os flashes vieram, como facadas:
Júlio me pedindo em casamento em frente à vitrine da Tiffany’s, ajoelhado, com aquele sorriso torto que me fazia derreter.
Júlio colocando a mão na minha barriga e dizendo: “Um dia a gente vai ter um bebê com o seu sorriso.”
Júlio dançando comigo no meio da sala, de pijama, rindo da nossa própria falta de ritmo.
Júlio me olhando com carinho quando eu chegava exausta do trabalho e dizendo: “Vem, fiz seu prato preferido.”
Tudo mentira.
Tudo.
Mentira.
Passei a noite sem conseguir dormir. Encolhida no sofá, me abraçando como se pudesse me juntar de novo. A cada tentativa de fechar os olhos, a imagem deles dois naquela cama voltava com força. E o cheiro, o perfume de vela aromática misturado à música romântica, me fazia querer gritar.
Quando o dia clareou, meu corpo doía como se eu tivesse apanhado. Eu estava febril, exausta, com a cabeça latejando.
Peguei o celular com as mãos trêmulas e disquei o número da loja.
— Isadora? — Kristen atendeu quase de imediato, com aquele tom controlado e impaciente.
— Oi… Kristen… eu tô muito m*l. Peguei chuva ontem… acho que tô com febre — minha voz saiu fraca, embargada.
Ela suspirou do outro lado, e eu quase pude ver o revirar de olhos.
— Isadora, eu entendo. Mas hoje é impossível. Tenho a entrega da coleção, a reunião com os investidores e a apresentação pro grupo japonês. Você sabe que ninguém organiza essa loja como você. Preciso de você aqui.
Fechei os olhos e respirei fundo. Ela não queria saber da minha dor. Ninguém queria.
— Tá… eu vou.
Desliguei e fiquei ali, sentada, encarando o nada. Eu não queria levantar. Não queria ver ninguém. Mas levantei mesmo assim.
Tomei um banho rápido, como se a água pudesse apagar alguma coisa. Me vesti sem pensar: jeans, blusa escura, cabelo preso. Olhei no espelho e quase não me reconheci. Eu parecia… vazia.
E foi então que ouvi.
TOC, TOC, TOC.
Congelei. Não podia ser.
TOC, TOC, TOC.
— Isa, abre… por favor… — a voz dele.
Meu sangue gelou.
Me aproximei da porta em silêncio, encostei a testa na madeira. Ele continuava ali.
— Isadora, me escuta. Me deixa explicar. Me perdoa… por favor, me perdoa. Foi um erro. Eu sou um i****a. Eu te amo.
As palavras dele me cortavam como lâminas. Por dentro eu sangrava. Por fora, tremia.
— VAI EMBORA, JÚLIO! — gritei com toda a força que tinha. — EU TE ODEIO! ENTENDE? EU TE ODEIO! EU NUNCA MAIS QUERO OLHAR NA SUA CARA!
Ouvi ele bater de leve na porta, a voz embargada:
— Isa… por favor…
— SOME DA MINHA VIDA! VOCÊ MATOU TUDO ENTRE A GENTE!
As lágrimas voltaram com força total. Me afastei da porta cambaleando e me joguei no chão da sala. Chorei até o corpo inteiro doer.
Ele ainda ficou ali um tempo, em silêncio. Depois, se foi.
Mas a dor ficou. Latejando. Respirando no mesmo ar que eu.
E eu… eu só queria desaparecer.
O celular vibrou em cima da bancada da cozinha. Quando vi o nome “Mãe” piscando na tela, meu coração apertou.
Respirei fundo antes de atender. Eu não podia deixá-la perceber nada. Ela já tinha preocupações demais.
— Oi, mãe — falei, tentando soar leve.
— Oi, minha filha. Como você tá? Tô te ligando porque tenho aquela consulta com o cardiologista hoje, lembra? Mas me diz… você tá bem?
Engoli em seco.
A voz dela sempre foi meu abrigo, meu lar em forma de som. Só que hoje, ouvir ela me chamando de “minha filha” quase me despedaçou de novo.
— Tô bem, mãe… só um pouco cansada. Muita correria na loja. — Forcei uma risada. — Mas normal.
Houve um breve silêncio do outro lado.
— Tem certeza, Isadora? Sua voz tá diferente… não tá gripada, né? Pegou chuva esses dias?
Ela sempre soube ler minhas entrelinhas. Até por telefone.
— Tô bem mesmo, mãe. Só preciso descansar um pouco.
Desliguei minutos depois, com um nó na garganta.
Mentir pra ela era o que mais doía.
Mas o que ela ganharia sabendo que a filha dela foi traída pela melhor amiga e jogada fora como lixo?
Nada.
Então, por enquanto… ela vai continuar achando que tá tudo bem.