Pré-visualização gratuita Prólogo
Matteo Fiori
O amor é a maldição mais perversa de todas.
Acabo de enterrar o meu irmão. As últimas 48 horas têm sido as piores de toda minha vida. Quando atendi aquele telefonema do meu pai, no fundo, eu já sabia. Na noite anterior ao acidente, eu tive um sonho, e nele, meu irmão me pediu para ser paciente com o nosso pai. Não entendi o que ele queria dizer com isso, mas pude ver a dor estampada nos seus olhos verdes. No mesmo instante, fui invadido por uma dor dilacerante e acordei gritando. Eu sabia que algo tinha acontecido com Noah. Rezava mentalmente para estar errado, mas o toque do celular me confirmou o que mais temia.
Pensei que a vida não iria me sacanear novamente, pois já tinha tido que lidar com a perda da minha amável mãe há cinco anos. Mas o destino traiçoeiro arrancou de mim o meu irmão, meu melhor amigo, aquele que eu me espelhava e me orgulhava. Noah, que sempre tivera um coração caloroso, tinha, agora, mãos tão frias. Vê-lo com um semblante tão sereno quase me distraiu do amargor que consumia o meu peito. Como pode o melhor dos homens daquele mundo miserável partir tão cedo? Mais uma vez, eu estava ali: amaldiçoando todos os deuses, afundado num martírio sem fim.
A chuva cai e o cheiro de terra molhada é presente. Sentia o meu corpo retorcer com o vento frio, mas não quero sair daqui. Me recuso a aceitar que Noah deixara este mundo. Desvio os meus olhos do caixão e vejo a minha sobrinha se afastar com a mãe. Como queria poder abraçar Catarina e dizer que tudo ficaria bem, mas a quem quero enganar se nem mesmo eu acreditava nisso. O céu está escuro e, pouco a pouco, as súplicas que se amontoavam ao redor, cessam. Mas pouco importava: dentro de mim, eu gritava a maior das dores que havia sentido. Um sofrimento que nem mesmo se arrebentasse as minhas cordas vocais eu seria capaz de exorcizá-lo. Tinha de me despedir dele.
Despedir…
Essa palavra me destrói de várias maneiras. Não sei se estou preparado para dizer adeus, mas sei que é preciso. A dor que assola o meu peito é dilacerante e me rasga a alma. Diante do túmulo do meu irmão, eu faço uma promessa:
Não amarei mais ninguém!
Pois sou um homem amaldiçoado e todos que amo são arrancados da minha vida sem misericórdia. Não suportaria passar por tudo isso novamente. Noah se foi, e com ele a minha fé neste mundo.
Viverei a minha vida, mas deixarei o amor bem longe dela, porque, para mim, ele não existe mais.
✲ ✲ ✲
Tóquio, Japão.
Aeroporto internacional
[18:26 p.m]
Suzume Yukimura
Mahatma Gandhi dizia que “onde há amor, há vida”. Acho que Gandhi estava redondamente enganado. Para mim, o amor, muitas vezes, havia se provado capaz de tirar vidas. Confesso que, por muito tempo, quis acreditar no amor que conhecera nos romances que lia. Quis acreditar no amor que acalenta na tempestade e que liberta, mesmo que tudo o que mais quisera no mundo, fosse permanecer. Mas tudo o que conheci foi o amor que adoecia, feria e aprisionava.
Nunca pensei que um sentimento fosse capaz de me tirar tanto. Ele me tirou tudo o que tinha, inclusive a minha crença nele mesmo.
Estou esperando o meu voo e deixando toda a minha vida para trás. Tantas coisas eu havia idealizado para mim… para nós. Mas todos os meus sonhos foram interrompidos de repente, sem que eu tivesse tempo de me despedir. Ela partiu e nem pensou em como eu ficaria. Seu amor por ele era maior do que por mim. A paixão doentia a destruiu e a fez esquecer que existia alguém no mundo que a amava incondicionalmente. E eu acabei só, agarrada nos destroços do que, um dia, me fez feliz.
Ele me mostrou uma versão distorcida do amor. E se hoje sou capaz de fazer qualquer coisa para manter esse sentimento e******o longe de mim, devo agradecer ao homem que me colocou no mundo.
Abraço a pequena mala com os destroços do que havia deixado para trás. Tudo o que é importante para mim está aqui dentro. Pequenas lembranças dos dezesseis anos que vivi no que, um dia, chamei de lar.
Última chamada para o Voo 135 de Tóquio para Boston, embarque no portão F.
Suspiro fundo e olho para a passagem que se encontra na minha mão. Me recordo de quem a comprou e agradeço aos céus por meus padrinhos. Levanto e vou em direção ao portão de embarque. Antes de entrar na aeronave, olho para trás e me despeço da vida que eu tinha. Estou certa de que vou me reerguer, mas de uma coisa eu tenho certeza: nela, nunca existirá lugar para o amor.