Angrehand despertou pela manhã com a claridade do sol agredindo violentamente suas retinas.
Espargindo um ardor que conferia demasiada calidez sobre sua cama, o alvor forte atravessou as venezianas de seu aposento, o que o fez pender a face para a lateral em um movimento que formou curvas no travesseiro.
Ele olhou em volta, ainda deitado, percebendo, meio grogue, que encontrava-se em um desconhecido reduto.
Nada, desde a cama faustosa até a mobília trivial, lhe parecera familiar.
Um suor cálido percorreu-lhe a nuca ao dar-se conta de que estava recluso em um anônimo recinto.
Angrehand escutou então uma voz côncava além daquelas paredes revestidas de tapeçarias de linho com iluminuras, seguida de marteladas com um punho contra a porta. Vagarosamente, um pouco perturbado, ele levantou-se da cama, depois deslocou-se, de maneira imprudente, em direção ao som que se propagava fora do recinto.
Ele abriu as gigantescas portas-duplas.
Parado, de pé, à entrada do aposento, estava um louro rapaz, viril, de jovial aparência, trajando uma túnica feita de algodão com mangas justas, uma sobreveste interior que alcançava os joelhos, e meias verdes das quais cobriam as pernas e a parte superior de seu tronco, além dele usar sapatos de bico pontiagudos. As mãos estavam cruzadas atrás do corpo.
— Bonjour — cumprimentou o garoto desconhecido, com um sotaque francês, em uma estupenda naturalidade, abrindo para ele um sorriso. Depois, usando uma falsa voz amável em tom de deleite, acalentou sua mente deturpada: — Lorde Angrehand — congratulou, de maneira indolente. —, me parece estar tão desairoso agora quanto esteve ontem quando vim deixá-lo em seus aposentos depois do baile. A propósito, foi uma noite estonteante.
Angrehand não recordava-se de nada sobre aquilo. Ele voltou os olhos para o próprio corpo, percebendo, vagaroso, que estava completamente desprovido de roupas. Mesmo assim não envergonhou-se perante o jovem por ter sido flagrado despido e o louro não pareceu importunar-se com a cena também — como se fosse uma narração que repetia-se. Ele tornou a encarar o sujeito.
— Quem é você? — perguntou Angrehand, estreitando o olhar, desnorteado.
— Como assim “quem sou eu”? — O francês prendeu um riso. — Com todo respeito milorde, acho que o senhor ingeriu vinho demais ontem.
— Ah! É você. Meverick, seu canalha. — Ele o reconheceu. Era seu criado.
Angrehand engoliu saliva, dando definição de que estava em um dos diversos dormitórios da casa de seu tio.
Fechou os olhos para reparar a temporária cegueira solar.
— Ontem eu... — Ele abriu os olhos. — Eu não fui julgado? — Veio-lhe á memória que, durante o sono, foi acometido pelo pesadelo atroz de estar defronte a um juiz, e pelo visto foi real ao ponto de deixá-lo no estado de confusão em que estava. Mas, talvez, houvesse mais razões pelas quais sentia-se consternado.
— Não. — confirmou o louro, aparentando estar tão confuso quanto o outro. — Mas creio eu que será em breve caso não compareça ao veleiro no qual seu pai o espera. — Ele analisou, com um semblante de preocupação, Angrehand. — O senhor está bem?
Mas ele não respondeu.
— Que m*l lhe pergunte — Angrehand se recostou no batente da porta. — Saberia me dizer quantas horas marca o relógio de sol? — perguntou.
— Já ultrapassa as onze da manhã, milorde — respondeu o arauto.
— Onze? — Angrehand congelou, estarrecido.
E então num ímpeto ele fechou a porta da alcova, sentindo-se confuso. Fez força para tentar relembrar o que lhe ocorreu momentos antes de acordar naquele aposento.
O que poderia ter acontecido? Como ele foi parar ali? Por que estava pelado?
Angrehand locomoveu-se em direção ao espelho do outro lado do cômodo. Visualizou seu reflexo, e ali estava ele. Avaliou os profusos olhos verdes, o cabelo loiro-acastanhado, o queixo saliente, as maçãs do rosto proeminentes, o corpo esbelto, a pele alva e os músculos definidos, tudo estava em seu devido lugar. Porém alguma coisa ainda o incomodava.
Ele recuou um passo. Em seguida, retrocedeu ao leito no qual havia acordado, percorrendo o piso e deitando-se no colchão. Cochilou, como pretendia.
Despertou, sem saber quanto tempo se passou desde o exato instante em que se acomodou, porém o peso de alguém afundou o colchão o fez perceber que passaram-se instantes. Contudo, Angrehand não se levantou, ou sequer estendeu o olhar para averiguar, continuou deitado, de peito, mostrando seu corpo despido.
Angrehand, ainda de bruços, reconheceu o aroma de preeminência do tio, acrescentado a um cheiro de ervas-doces que exalava do perfume importado que ele usava. O grão-duque Aidan Marlowe foi quem sentara-se ao seu lado na cama.
Sentiu um aperto no peito.
O Tio não mantinha o costume de adentrar em seu alojamento. Ainda mais sem um aviso prévio e de forma sigilosa. Por conta disso, Angrehand suspeitou que acontecera algo extremamente incontinente naquela madrugada. Ou, talvez, na melhor das hipóteses, Meverick apenas informou que Angrehand havia acabado de acordar. Mesmo assim, Angrehand ficou remoto, imaginando os diversos motivos que poderiam ter trazido o grão-duque à seu quarto.
Entretanto, o próprio Aidan fez questão de revelar:
— Você maculou a reputação de sua família ontem, meu caro — Angrehand ouviu um suspiro vindo do Tio ao dizer isso. — Você me desrespeitou perante os monarcas. E burlou minhas regras como anfitrião — Aidan controlava o tom da voz, pois receava ser duro demais com o sobrinho.
Por mais que estivesse com a cabeça enfiada no travesseiro de plumas, Angrehand conseguia imaginar o olhar de decepção do tio voltado para o teto, a face franzida de estresse, o maxilar rígido e rugas onde outrora estivera o semblante de um desbravador no auge da casa dos quarenta anos.
Pela misericórdia divina, o que foi que eu fiz?
A única certeza era que Angrehand aprontara. Porém, ele não recordava-se da outra noite, no entanto sabia que o tio lembrava e, talvez, dependendo do que fosse, jamais iria esquecer.
— Seu comportamento foi mais que ultrajante, foi inadmissível e deplorável — continuou Aidan. — Por conta disto não posso mais abrigá-lo neste lar. Me dói, como seu tio, dizer isto, mas, como nobre, sou obrigado a lhe pedir que arrume seus pertences e saia. Meu cocheiro irá conduzi-lo ao próximo veleiro onde seu pai o espera. Seu criado, sir Meverick Robespiere, o fará companhia.
Angrehand sentiu pesar por estar sendo expurgado, porém resignou-se com sua punição, pois, no momento, não via-se em posição de discordar, ou mesmo rebater a decisão. Se bem o conhecia, seu tio costumava ser decisivo, ou seja, não importava que argumentos utilizasse para se defender, ele não o escutaria. Além do mais, se Angrehand fez o que estava imaginando, ser expulso da casa de Aidan Marlowe era bem menos do que ele merecia.
Angrehand pensou em, no mínimo, pedir desculpas, porém não podia, nem conseguia. E não havia por que ter raiva de seu tio, ele era gentil com ele, sempre foi, até demais. Sua paciência para com o comportamento excêntrico do garoto era ilimitada. Pelo menos costumava ser. Agora, depois de anos de tolerância, sua compaixão havia chegado ao fim.
— Não se culpe. — Aidan o consolou, como que lendo seus pensamentos. — Eu sou o verdadeiro responsável. Eu deveria ter sido mais prudente e menos intransigente. — Ele deslizou os dedos pelos cabelos de Angrehand, afagando a cabeça por afeto.
Angrehand permaneceu calado.
— Você é apenas um garoto. — Continuou Aidan. — Tem de aproveitar sua breve juventude, e seu direito de agir como tal.
Porto de Marselha
Angrehand assentou-se no dantesco estofado de feno conglomerado atrás da carroça — o meio de transporte mais volátil para monopolização e o menos requintado de seu tio, Aidan. O grão-duque não transpareceu se importar com as objeções do sobrinho quanto a maneira pela qual fosse conduzido ao veleiro no porto, nem com a imagem negativa que fosse passar ao ser visto sobre um veículo tão pouco vigoroso, uma descortesia da parte dele, se deseja saber. Porém, de qualquer modo, justificável. Ele ainda estava furioso por conta da outra noite, e resolvera castigar Angrehand mostrando, sem piedade, sua falta de misericórdia.
Angrehand não lhe dirigiu uma palavra que fosse enquanto se arrumava nos aposentos naquela manhã, ou quando deixou o local com os baús nas mãos uma hora depois e viu Aidan na entrada da porta, para se despedir, mas não havia o feito. Então, eles apenas manearam a cabeça um para o outro e Angrehand se foi. Ambos culpados demais para dizer alguma coisa.
Agora, na carroça, aqueles momentos de fugaz arrogo marulhavam em sua mente. Ao seu lado, Meverick, seu criado, apoiava no colo os dois baús de madeira onde continha seus pertences, e, tal como o outro menino, titubeou assim que o cocheiro chicoteou o lombar do alazão e tomou as rédeas, fazendo a carroça se arrastar. Depois de alguns minutos, ela sofreu outra guinada crepitante ao passar por cima de uma ponte de tábuas que atravessava o córrego na estrada rumo ao porto. O condutor compatriota que tomava as rédeas, um elegante criado de seu tio, rogou por cima do ombro esquerdo um sutil, porém formal, pedido de desculpas.
E, sentado sobre o feno, Angrehand apenas assentiu, em seguida voltou os olhos para o criado louro:
— Meverick?
— Sim?
Angrehand suspirou.
— O que aconteceu ontem?
— O senhor deseja realmente saber? — Ele pigarreou.
— Sim.
— Durante a festa, o senhor, milorde, misturou e**a indiana com vinho — ele pausou, aguardando algum manifesto no rosto de Angrehand que revelasse uma lembrança.
— Devia ter sido aquilo o real motivo para minha perda de memória, ervas e plantas nativas da índia são extremamente alucinógenas — essa manifestação verbal foi mais do que se esforçou a demonstrar.
Angrehand não expressou reação facial ou corporal, Meverick, pigarreando, continuou:
— Depois disto, por conta da bebida, o senhor intitulou seu tio como avarento na frente dos convidados, agrediu um criado e se despiu na mesa de jantar... — ele engoliu em seco. — ...não completamente, eu o impedi antes. Mesmo assim o senhor foi detido na prisão da cidade, mas, graças ao seu tio, que subornou com mil francos o guarda, o senhor pôde voltar para casa antes de ser enforcado essa manhã. Sorte essa que seus demais companheiro de cela não tiveram.
Posto isso, explicava o sonho r**m que Angrehand teve durante o sono, onde, de joelhos, esperava, algemado por grilhões, seu veredicto, cujo qual provinha por parte do jure de Marselha. Ao que aparentava, não havia sido apenas um simples pesadelo. Embora ele não pudesse se recordar.
Tudo o que lembrava-se era de enroupar uma túnica masculina em seu quarto, descer o lance de escadas de pedra da casa do tio, e adentrar a solenidade que acontecia no espaço da entrada, onde tocavam música com charamalela e viola de roda, repelindo o alarido. Na ocasião os convidados se espalhavam pelo grande salão. Ele ingeriu dois ou mais copos de vinho. Em seguida acordou nu em um dos aposentos do tio.
Agora as coisas começavam a fazer sentido.
— E quem foi o criado que eu agredi?
Meverick abriu um sorriso.
— Fui eu.
— Não. — Angrehand sorriu também. — Meverick, me desculpe.
— Não há por que senhor.
Angrehand franziu a testa.
— Espero não tê-lo machucado.
— Com todo respeito, milorde, o senhor bate como uma dama.
Os dois riram da piada, mas Angrehand não devia fazer isso em tempos de crise como aquele: a sociedade era repartida em estamentos por três estados (clero, nobreza, e terceiro estado), e vinha trazendo dor de cabeça não somente a população que pagava impostos como, ao que parecia, a que recebia também. Aquela cisão teve seu ponto inicial nos grupos feudais: também chamados de ordens ou estados. Os integrantes de cada estado tinham direitos e deveres específicos.
O clero católico exercia funções religiosas, que, simplificadamente, não era nada além de conduzir os fiéis à obediência dos ensinamentos da igreja, fazer suas preces, e, em termos básicos, cumprir liturgias. A nobreza, por outro lado, embora fosse proprietária de territórios, já não detinha o poder político que possuía no período feudal. Com a criação de exércitos profissionais, por exemplo, os nobres foram aos poucos perdendo a função de defender a sociedade militarmente. Em compensação, porém, desfrutavam de benefícios concedidos pelos soberanos, e muitos viviam em meio ao luxo das cortes reais — como era o caso de Angrehand, seu pai, seu tio e tantos outros membros de clãs refinados. O terceiro estado reunia o maior número de pessoas, pois era formado por diferentes grupos como, por amostra, comerciantes, artesãos, agricultores e profissionais liberais. E todos, sem exceção (burgueses, trabalhadores urbanos e camponeses), trabalhavam e pagavam impostos ao estado monárquico.
Angrehand, um nobre, iria atuar como sucessor do ocupante de um dos cargos mais elevados do estado no parlamento, embora tão jovem. Ele estava de viagem para aprender seu ofício. Agora, porém, ele retornaria para a Inglaterra, onde, por ventura, assumiria seus deveres políticos — e era isso que o incomodava, ele não sentia-se pronto para receber tamanha responsabilidade e seu tio concordava. Não bastava ter sido reprovado no treinamento de aptidão, ainda teria de enfrentar a fúria de seu pai na volta.
E, para piorar, Angrehand m*l curou-se de seu m*l-estar e indisposição causado pela bebida.
Quando chegou ao porto, ele percebeu que o comércio estava movimentado demais para um dia de domingo: armeiros, moleiros, ferreiros, artesãos, e comerciantes no geral se desesperavam para atender uma demasiada população que passava por ali — em um local onde o saneamento não existia. Ele via crianças com roupas marroquinas brincando na estrada. E uma senhora de idade arrastando um carrinho de rabanetes para vender na feira.
A arquitetura fortificada preservava a estrutura da época durante anos, embora, no ápice do período feudal, começaram a embargar novos estilos paisanos. A rua imunda recendia a putrefação dos alimentos da feira matinal, e enquanto se aproximava, ele sentiu um cheiro tenro de peixe, o que significava que estavam aproximando-se do cais.
A carroça estacionou, minutos depois, com um protesto do cavalo, ao lado de uma carruagem no porto, dava para ver dali os mastaréus erguidos — uma floresta de mastros em alto mar, como costumava dizer seu pai, Thereford.
O refinado cocheiro desceu, contornou o automóvel, e estendeu a mão para apoiar Angrehand no desembarque — afinal, não era por que estava em uma carroça que ele iria deixar de lado os bons modos. Ele segurou a mão que o criado estendia e deslizou pelo feno até pisar com as botas de couro na lama fétida do chão, não muito depois foi atingido por uma vertigem, uma queimação no estômago que veio subindo pela garganta, então, instantaneamente, ele regurgitou, sem querer, nos sapatos do cocheiro.
— Perdão — desculpou-se, limpando a boca com a parte posterior da manga de sua sobreveste.
— Eu não gostava desses sapatos mesmo — retrucou o criado, enojado, tentando não olhar para o misto de vinho, pães e sopa sobre a superfície do calçado.
Angrehand cuspiu no chão. Uma lufada de ventos lhe agrediu, refrescando-o.
Meverick desceu logo em seguida, carregando dois imensos baús. Angrehand, de pé, fora da carroça, olhou em volta, avistando a multidão que preenchia cada centímetro do local, carregando suas mercadorias, arrastando potes de leite de c***a, vasos de cerâmica com frutas e legumes, e caixas ou sacos de joio. As pessoas ali falavam um francês caricato e frases ressoavam no ar: Je reçois de l'argent, gracieux, bonjour monsieur, dentre outras.
Ele avistou os diversos navios que estavam atracados, e os portuários que cuidavam manualmente da carga de caixotes tanto para exportação quanto para importação.
O esbelto cocheiro pediu educadamente para que Angrehand e seu criado, Meverick, o seguissem, e juntos lutaram contra a correnteza de pessoas apressadas que iam e vinham no porto. Até enfim alcançarem o cais, onde o navio estava acoplado.
Dois estivadores vieram aliviar o peso das mãos de Meverick, carregando suas bagagens para dentro do navio. E, nas docas, ao lado do criado, Angrehand despediu-se do cocheiro (mas aproveitou-se desvairadamente da oportunidade para roubar-lhe um cordão do bolço de sua casaca) e subiu por uma ponte eriçada que o levava ao convés da embarcação — mas antes admirou os homens suados que levantavam o cordame dos mastros. Um deles, mais rechonchudo, se deslocou da posição dos demais para vir lhe cumprimentar:
— Lorde Angrehand — ele abriu um enorme sorriso, repleto de dentes amarelos e estragados.
— Senhor Eliot.
— O que o trás aqui? — O homem rechonchudo estendeu a mão para ele.
Angrehand apertou a mão suada dele, estremecendo ao tocar, sem querer, no dedo decepado do compatriota. Ou melhor, no lugar onde deveria haver um dedo.
— Negócios — respondeu. — Como sempre.
Eles se conheceram em sua última viagem antes de ir ao encontro do tio, e estava satisfeito por saber que ao menos alguém hoje estava feliz em vê-lo).
— Sempre ocupado. A propósito, sua repartição é a quarta do segundo corredor à direita — informou, e, depois disto, Eliot se foi.
— O senhor conhece aquele sujeito? — perguntou Meverick, assim que o homem se afastou o suficiente para que não pudesse mais ouvi-los.
— Eu não — mentiu Angrehand. — Mas ele acha que me conhece.
Eles riram, enquanto caminhavam em torno do convés.
Angrehand gostava de viajar, de ver as paredes de madeira do navio, os detalhes esculpidos cuidadosamente no metal, e isso lhe distraiu, por um breve instante, do barulho enquanto ele trilhava um corredor rumo a sua cabine.
— Você vai sentir saudades de Marselha, Meverick? — perguntou, enquanto caminhava até seu aposento.
— Perdão?
— Perguntei se você irá sentir saudades de Marselha — repetiu.
— Com toda sinceridade, senhor? — Meverick hesitou.
— Sim. — respondeu Angrehand, evidenciando que não esperava menos dele.
— Não, não irei.
Meverick sorriu, fazendo-o rir também.
Pelo visto Meverick também estava com ânimo para a viagem de volta, ou, talvez, dissera aquilo somente para agradar a Angrehand.
Meverick não apoiava a maioria das decisões de Angrehand, porém respeitava.
— Mas isso não quer dizer que não possa se divertir durante a viagem de navio, senhor. — Meverick sugeriu, otimista.
Angrehand abriu um malicioso sorriso.
— Tem razão.
Ele percorreu, sem perceber, o longo passadiço e alcançou o seu aposento. A porta já estava aberta, então ele apenas entrou. O repartimento cedido a ele era grande, modesto, com uma cama redundante no canto e claraboias pendidas nas paredes. Ele reconheceu as malas ao lado do enorme leito e um balde de gelo. E ligado ao seu dormitório por uma passagem interna, a cabine de Meverick, pequena, porém aconchegante, com uma cama estreita ali e um desordenado tubo de escoamento feito a partir de peças e bambu.
Angrehand sugeriu:
— Vamos nos trocar — ele desabotoou a sobreveste. — Meu pai virá ao nosso encontro em breve, e eu pretendo estar, no mínimo, suntuoso.
Ele baixou as ceroulas, ficando nu, depois se enrolou em um tecido branco.
— Eu vou tomar um banho gelado.
Meverick cruzou as mãos para trás.
— Gostaria que eu lhe fizesse companhia, senhor?
— Sua presença não será necessária, Mev. — Angrehand negou. — Eu não irei demorar. — disse, fazendo movimentos obscenos. — Vou me aliviar um pouco, se é que me entende. Mas pode ficar à vontade para conhecer o navio, se quiser. A não ser é claro se você queira me ver nu novamente — brincou. — Ah. Estou me sentindo enjoado e ficaria agradecido se você me trouxesse algo que cortasse esse efeito — acrescentou.
— Sim, senhor — Meverick sorriu, fez uma breve reverência, pegou o seu baú, colocou perto da cama, então se retirou da repartição.