CECÍLIA
Levantei assim que o alarme tocou pela a segunda vez. Já era automático: Levantar, tomar café, pegar um táxi e ir pra lanchonete.
Como sempre, a lanchonete estava lotada. Mas não é pra menos, já que é considerada um dos pontos turísticos da cidade.
Passei a manhã toda na correria pra atender tantas mesas. Quatro funcionários e só eu que trabalho nessa m***a! Tô indignada, mas se eu falar alguma coisa sou demitida.
É f**a!
— Cecília, tem duas mesas que faltam ser atendidas. Anda logo. — Brenda gritou com a voz fina, me apressando.
Eu e a Brenda não nos damos bem, desde de o dia que eu vim trabalhar aqui. Ela acha que é a chefe do local, e que manda em mim e nos outros funcionários. Basicamente, tenho que aturar ela me dando ordens enquanto ela fica atrás do balcão lixando as unhas.
— E porquê você não vem ajudar? É a única que não faz nada aqui. — Me virei na sua direção. — Não tô vendo você fazer nada além de reclamar.
Ela me fuzilou de lá e quando abriu a boca pra me rebater, o chefe apareceu. Ele se aproximou dela e falou alguma coisa no ouvido.
Revirei os olhos enquanto focava em anotar os pedidos de outra mesa.
Já vi os dois se pegando algumas vezes na sala dele. O Marcelo era o dono da lanchonete, e aparecia aqui depois da academia, para conferir se estava tudo em ordem.
Terminei com os pedidos e quando ia me aproximando do balcão, meu chefe segurou no meu braço, me fazendo virar pra ele.
— Cecília, depois quero conversar com você, na minha sala. — ele desceu o olhar pelo meu corpo e focou nos meus s***s.
Odiava quando ele me olhava assim. E odiava principalmente esse uniforme minúsculo que ele fez todas as funcionárias usarem.
Queria tanto dar uns tapas na cara desse s****o!
— Era só isso, chefe? — chamei sua atenção e ele se recompôs tirando a mão do meu braço.
— Por enquanto é. — riu e colocou as mãos no bolso do short.
Assenti antes de me virar para atender outros clientes que acabaram de chegar.
Me aproximei da mesa que tinha dois homens de terno.
— Bom dia! O que vão querer? — peguei a comanda e esperei eles escolherem.
Anotei tudo e saí com pressa.
Estava encostada no balcão quando a chata da Brenda me chamou.
— Um dos clientes da mesa 10 disse que você errou o pedido.
— Como assim? Eu sempre anoto tudo certinho! — olhei indignada.
— Eu não quero saber. Eles estão esperando para corrigir o pedido.
Saí a procura da mesa e me surpreendi quando vi que era a mesa dos dois homens de terno.
— Você trouxe meu pedido errado, garota. — o moreno de tatuagens me fitou. — Eu falei que o café era sem açúcar.
— Me desculpa, Sr, mas eu tenho a certeza de que anotei tudo certinho. Me lembro que você não falou se queria sem açúcar.
Ele respirou pesado e cruzou os braços.
— Exato, eu não falei se queria sem açúcar ou com. Mas você nem esperou.
Certo, ele tinha razão.
Respirei fundo e corrigi o pedido. Foram exatos cinco minutos sentada atrás do balcão, até minha paz acabar.
— Eu não sei se você tá querendo ser demitida hoje, mesmo assim, tá no caminho certo. — Brenda apareceu no meu campo de visão.
— Que m***a você tá falando, Brenda? — voltei a focar no meu celular.
— O cliente da mesa 10, agora estava reclamando do croissant.
— Ah não! Esse cliente cismou com minha cara. — suspirei cansada.
— Já é a segunda vez que você faz m***a, Cecília. Espera só o Marcelo saber que você está espantando os clientes com sua burrice e ineficiência.
— E porquê você não atende, hein? Já que é a melhor funcionária daqui. — rebati impaciente.
— Eu falei que ia corrigir seu trabalho m*l feito, mas ele falou que quer você lá.
Só o que me faltava!
Me levantei e fui rumo ao Demônio de tatuagens.
— O que houve, Sr.? — me aproximei do sujeito que estava me tirando a paciência.
— O croissant esfriou enquanto você preparava meu café.
Seu tom era sério, mas dava pra notar o divertimento na sua cara.
Claro que ele estava se divertindo. Meu trabalho dependia de como eu tratava esse asno.
— Vou trazer outro. — estiquei meu braço pra pegar o prato, mas ele segurou no meu pulso.
Virei meu rosto e dei de cara com seus olhos azuis me encarando fixamente.
— Você me fez gastar metade do meu tempo esperando esse pedido. Acha que tenho todo o tempo do mundo?
— Que filho da p**a arrogante! — comentei baixinho.
— Não entendi. — franziu o cenho.
— O croissant vai ser por conta da casa. — sorri forçadamente.
— Quero que seja rápido dessa vez. — ele soltou meu braço que ficou formigando.
Olhei com raiva pra cara do sujeito e recolhi o prato.
Depois de uns dez minutos no balcão, me senti sendo observada. Olhei automaticamente para mesa 10, e vi o cliente arrogante me olhando enquanto bebia o café.
Ele nitidamente ficou zangado com a confusão dos pedidos. Será que está me marcando pra mandar me matarem? Por um croissant? Não é possível que ele seja ridículo a esse ponto.
Ri das minhas suposições.
— Tá delirando, garota? — Brenda se aproximou. — A mesa 10 tá esperando a conta, e é pra você levar água também.
— Claro que estão me esperando. — rebati com sarcasmo, e fui até a mesa.
Quando ia me aproximando, escutei o Sr. arrogância falando algumas coisas.
— Concordo! Mas em compensação ela é muito incompetente. — suspirou impaciente.
Ele tava falando de mim?
— Você cismou com essa garota, hein. — o cara que estava do lado dele falou rindo.
— Só fiquei irritado. A garota não consegue trazer um pedido simples.
Me aproximei e pigarreei chamando a atenção do filho da mãe.
— Trouxe minha água com gelo? — me olhou atentamente.
— Aqui. — tirei da bandeja e quando ia colocando na mesa, derrubei de propósito em seu terno.
— Meu Deus! — coloquei a mão na boca pra esconder o riso. — Me desculpa! Escorregou da minha mão.
— Que m***a, garota! — me olhou furioso e se levantou da cadeira.
É, ele era mais alto do que eu pensei.
— Deixa que eu limpo. — peguei o guardanapo e comecei a limpar seu terno.
— Você gosta de provocar ou é desastrada assim mesmo? — segurou nos meus braços e me encarou.
— Eu já disse que foi sem querer. — fiquei séria quando ele me apertou.
Ele olhou pro meu nome no crachá do uniforme. — Tá testando minha paciência, Cecília?
— O que está acontecendo aqui? — Marcelo apareceu, olhou pra mim e depois pro brutamontes. — Houve alguma coisa relacionado a minha funcionária?
— Sua funcionária quer bancar a espertinha. — falou sem tirar os olhos de mim.
— Eu derramei água no terno dele, mas foi sem querer, chefe. — tentei me soltar. — Já pedi desculpas.
— Tem certeza que foi sem querer? — perguntou ironicamente.
— Sou o chefe dela. — Marcelo interferiu. — Vou resolver isso.
— Espero que demita essa incompetente. — o ogro me soltou e cruzou os braços.
— O que? — perguntei sem acreditar.
— Cecília, vai pro balcão e me espere lá. — Marcelo ordenou autoritário.
Sai pisando firme, mas antes de tudo, fuzilei com o olhar o arrogante na minha frente.
— Acho que hoje é seu último dia trabalhando aqui, Cecília. — Brenda riu quando eu me aproximei. — Você não sabe como esperei por esse momento.
— Cala a boca, garota! — me sentei atrás do balcão e fiquei observando a razão da minha provável demissão.
Que raiva desse cara!
Fala m*l de mim, e depois acha r**m porque joguei água nele. Era pra eu ter jogado o café quente no colo do desgraçado!
Depois que o Marcelo se resolveu com o ogro, eles foram embora. Vi ele atravessar a rua com alguns seguranças, e antes de partir me encarou fixamente.
Ah pronto!
Limpei todas as mesas, com a Brenda no meu ouvido falando que hoje eu seria demitida.
Talvez seja melhor.
Saí dos meus pensamentos com o meu chefe me chamando.
— Você vai ficar pra fechar o estabelecimento comigo, Cecília. — me avisou.
— Não era a capivara, digo: Brenda, que fecha tudo?
— A Brenda está dispensada. Você vai ficar comigo e fechar. — ele se levantou da cadeira e quando ia pra sua sala, foi interrompido pela Brenda.
— Mas chefinho... — A chata apareceu do nada suplicando pra ficar.
Se ela soubesse que eu nem fazia questão de ficar pra fechar a lanchonete…
— Vai logo, Brenda. — ordenou sem paciência. — Tenho que resolver alguns assuntos com Cecília.
Ela direcionou o olhar raivoso pra mim e depois riu como se tivesse escutado a melhor piada.
— Vai ser demitida com certeza. — sussurrou quando passou por mim.
— Tomara. — sussurrei de volta e direcionei meu melhor sorriso antes dela sumir pela porta.
Depois de organizar tudo, dei três batidinhas na porta do chefe antes de entrar.
Ele estava olhando alguns cadernos e anotando coisas.
— Senta aí, Cecília. Não precisa temer.
— Estou bem assim, chefe. — fiz questão de ficar em pé.
— Sem formalidades. Me chame de Marcelo. Não estamos mais no horário de trabalho. — ele riu de canto.
— O que queria falar? — fui ao ponto.
— Você sabe que hoje seu comportamento me custou dois clientes?
— Olha, me desculpa! Eu não queria ter derrubado a água. Sério, eu...
— Eu sei, Eu sei que você não fez por m*l. Sabe, você é uma ótima funcionária. — ele começou a me olhar dos pés à cabeça. — Por isso não vou te demitir, Cecília.
— Obrigada, Marcelo! — agradeci, apesar de estar receosa com toda essa benevolência.
— Mas... — ele parou por um instante e se levantou da cadeira.
Fiquei desconfiada e fui andando pra trás.
— Você terá que fazer algumas coisas pra merecer esse favor meu. — ele sorriu enquanto caminhava até mim.
— Do que você está falando? — segurei na maçaneta, pronta para correr.
— Ah, Cecília! Não se faça de sonsa. Você sabe do meu interesse por você. — Ele tocou meu rosto com a mão e desviei pro lado.
— Que m***a você tá sugerindo? — abrir a porta e ele segurou minha mão.
— Nem pense em fugir. — em um movimento rápido ele girou a chave e guardou no bolso.
— Abre essa porta, seu louco! — fiquei desesperada e meus olhos já estavam ameaçando cair lágrimas.
— Fica calma, querida. Só estou te propondo algo que beneficia a nós dois.
— E quem disse que eu quero? Agora abra a m***a da porta! — gritei.
— Você é mais difícil do que pensei. — exclamou para si mesmo. — Mas é das difíceis que eu gosto.
Quando ele ia se aproximando de novo, dei um chute no seu saco.
— p***a! — ele caiu gritando de dor.
Peguei as chaves no bolso do short dele e abri a porta.
— Nunca mais eu piso nessa espelunca. — passei pela porta. — Ah, e pode deixar que vou te denunciar, seu assediador desgraçado!
Saí às pressas do lugar que nem deu tempo de tirar a m***a do uniforme ridículo.
Peguei meu celular e chamei um táxi.
Olhei ao meu redor e não tinha ninguém nas ruas. Comecei a chorar pelo desespero.
— m***a! — andei apressada pela calçada até esbarrar em alguém.
— Olha por onde anda.
Levantei a cabeça conhecendo a voz. Era o cara que eu discuti na lanchonete.
— Olha você por onde anda. — falei com raiva e tentei seguir meu caminho.
— Ah, então a má educação não é só no trabalho.
Parei de caminhar e me virei com raiva.
— Como esperava que eu te tratasse? Hoje você fez um inferno no meu trabalho! — fiquei na sua frente.
Ele me observava com sua postura arrogante. Mãos no bolso da calça, e um quase sorriso nos lábios.
— Ah, quer saber? Vai a m***a!
Seu sorriso aumentou. — Está sozinha em uma rua escura só comigo. Não é esperto ter esse comportamento.
Observei meu estado, mas isso não me impediu de falar o que pensei.
— E você vai fazer o que? — toquei meu dedo em seu peito. Seu olhar foi da minha mão pros meus olhos.
— Cecília! — ouvi o Marcelo gritar e acordei pra realidade.
— m***a! — me virei e vi ele bem distante de onde eu estava.
— Por que seu chefe parece que está a ponto de te m***r? — me perguntou.
— Ele não é mais meu chefe. — expliquei olhando pros lados na esperança de que meu táxi chegar.
— Então te demitiu. — afirmou.
— Eu, que pedi demissão. — me escondi de trás de uma Bugatti preta.
— Por quê tá se escondendo dele? — me olhou sério.
— Para de fazer tantas perguntas. Eu não te devo explicação. Só preciso... Sair daqui.
— O que aconteceu? — seu tom de voz mudou e por um momento achei que estava preocupado.
— Não te interessa.
— Ele te fez alguma coisa? — insistiu.
— Não é da sua conta. — desviei meu rosto do seu olhar analítico.
Escutei o psicopata se aproximando. Meu desespero aumentou conforme escutava seus passos mais de perto.
— Onde ela está? — perguntou. — Eu vi que estava conversando com ela.
— O que quer com… Cecília? — seu tom era grave.
— Só me fale pra que lado ela foi.
Pedir aos céus que ele não me dedurasse.