Dinah olhava para toda a extravagância que a cercava, seu olhar perdido entre as mesas repletas de pratos cheios de manjares, as taças de vinho sendo levantadas com euforia, as mulheres com vestidos de seda e joias cintilando, um espetáculo de riqueza que parecia surreal diante de sua realidade. Ela sabia que tudo aquilo tinha um custo, e esse custo não estava apenas nas riquezas que brilhavam diante dela, mas nas vidas esmagadas pelas mãos daqueles que viviam à margem da opulência.
Lá fora, além dos muros que cercavam aquele mundo luxuoso, a miséria e o sofrimento continuavam a assolar as pessoas. Famílias inteiras morriam de fome, crianças perambulavam pelas ruas, mendigando uma migalha de alimento que nunca chegava. E as mulheres, como sua mãe, eram forçadas a vender seus corpos para sobreviver, arriscando a vida em cada ato, a cada noite, esperando que a doença ou a violência não chegassem primeiro. As lembranças da mãe de Dinah a invadiram, e o peso da dor quase a fez desmoronar ali mesmo.
Ela lutava contra as lágrimas, sentindo uma dor esmagadora no peito. A dor da perda, a dor da desigualdade, a dor de ter vivido uma vida cheia de injustiças, uma vida em que seu próprio pai era uma das maiores causas de seu sofrimento. Ele, que deveria protegê-la, era, na verdade, a razão de tudo o que havia dado errado. Aquele homem, um monstro que se entregava aos seus próprios vícios e egoísmo, fora o responsável por empurrá-las para aquela miséria sem fim.
"Com tantos e outros com tão pouco", pensou Dinah, com amargura. Como a vida poderia ser tão c***l e desigual? Como aqueles com tanto, como Lucifer e todos ao redor dele, podiam festejar enquanto pessoas morriam de fome em cada canto das cidades? A disparidade era gritante, e seu coração se enchia de raiva e tristeza ao mesmo tempo.
Decidida a sair de perto de Lucifer e da festa, Dinah se afastou discretamente. Havia tantas pessoas ali celebrando, todos tão absortos na alegria e nos excessos, que ninguém notou sua ausência. Ela se esgueirou para longe do barulho e das luzes brilhantes, procurando um lugar onde pudesse, pelo menos por um momento, escapar da opressão de ser observada, de ser alguém que não era.
Ela encontrou o caminho para o banho compartilhado, um grande espaço isolado, onde o vapor quente da água era o único consolo para as almas cansadas que ali buscavam alívio. Dinah entrou apressada, desejando apenas sentir a água quente em seu corpo magro, que, apesar de tudo, ainda tinha suas curvas. Desde que se dissera Dino, ela se apertava em faixas, tentando disfarçar sua figura feminina, tentando se tornar mais invisível, mais aceitável no lugar onde estava. O esforço para esconder quem ela realmente era era exaustivo, mas necessário. Os homens, como Lucifer, eram incapazes de compreender a fragilidade e as necessidades das mulheres em Enoque. Elas eram apenas ferramentas, não seres humanos.
Ao entrar na água, um suspiro de alívio escapou de seus lábios. O calor da água envolveu seu corpo, relaxando seus músculos tensos, que estavam sempre prontos para fugir ou se esconder. Por um momento, Dinah sentiu que estava sozinha no mundo, longe dos olhos de todos, longe da pressão de ser algo que não queria ser. A água quente era uma carícia que a fazia se esquecer das cicatrizes que marcavam sua alma. Ela se deixou relaxar, brincando com a água como uma criança, rodopiando e dançando, sentindo-se livre, por mais breve que fosse.
Por alguns minutos, ela se perdeu nesse prazer simples e quase esquecido. A dor da vida cotidiana se dissipava, e ela permitia-se ser apenas Dinah, sem as amarras de ser um escravo, sem o peso do disfarce, sem a culpa do que sua mãe havia sofrido. Se não fosse pela desigualdade social que governava aquele mundo implacável, a vida de um escravo não seria tão r**m, pensava ela. Pelo menos ali, na água quente e confortável, ela podia se esquecer um pouco da sua realidade.
Mas, como sempre, a paz era efêmera. Um barulho vindo de fora quebrou a serenidade que ela estava começando a sentir. Seus sentidos se aguçaram imediatamente, e, instintivamente, ela se levantou da água e se apressou a vestir suas roupas. Ela sabia que não podia ficar ali por muito tempo. Sua mente, embora relaxada pela água, estava alerta. Era um espaço onde ninguém se sentia seguro por muito tempo. A cidade de Enoque, por mais luxuosa que fosse para alguns, sempre oferecia perigos escondidos para outros, especialmente para alguém em sua posição.
Com as roupas ainda molhadas, Dinah se apressou em pegar suas coisas. Seu coração batia mais rápido agora, e a necessidade de escapar do olhar dos outros crescia a cada segundo. Ela se dirigiu para seu quarto, suas mãos tremendo ao tentar esconder o medo crescente de ser pega, de ser vista fora de seu lugar. O medo de ser descoberta, de ter sua identidade revelada, a consumia. Ela não queria ser apenas uma sombra, mas sabia que, naquele mundo, ser quem era poderia significar sua ruína.
A festa continuava lá fora, mas para Dinah, aquele momento de aparente tranquilidade estava prestes a ser interrompido, como tantas outras partes de sua vida. Ela olhou uma última vez para o ambiente e sentiu um nó na garganta. A desigualdade, a fome, a dor, tudo se fundia em um só pensamento: como seria possível viver assim, sem poder mudar nada? Ela sabia que ainda havia muito mais a fazer, que sua jornada ainda estava apenas começando, e que, para ela, a verdadeira luta estava em descobrir como sobreviver em um mundo onde tudo parecia ser feito para mantê-la em silêncio.
Mas naquela noite, naquele instante fugaz de paz, ela sentiu que poderia ser mais do que uma escrava. Ela poderia ser alguém que resistiria, mesmo que tudo ao seu redor parecesse destinado a esmagá-la. Ela se levantou e seguiu para o seu quarto, com uma sensação de que, de algum jeito, ainda haveria esperança. Mesmo em um lugar tão implacável quanto Enoque, mesmo ao lado de Lucifer e seus excessos, ela sabia que sua luta não acabaria ali. E, talvez, com o tempo, ela encontrasse um caminho para mudar sua própria história.