Capítulo 2 – O Rei Me Espera

885 Palavras
Isabela O motor da caminhonete roncava enquanto subíamos a ladeira estreita. As vielas iam ficando para trás, uma a uma, como se eu estivesse sendo arrancada do mundo que conhecia. Os homens do lado de fora observavam o carro passar, mas ninguém ousava se aproximar. Eles sabiam para onde eu estava indo. E eu também. A mansão de Caio Moreira ficava no topo. Literalmente. Era a única construção com muros altos, portão blindado, câmeras por todo lado. Um castelo de concreto armado. O território dele. Meus dedos tremiam no colo. Segurava minha mochila com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. A sensação de ser levada como uma prisioneira era sufocante. Eu não era criminosa. Não fiz nada de errado. E, ainda assim, ali estava eu. Vendida como se fosse um pedaço de carne. O carro parou com um tranco seco em frente ao portão preto. Um dos homens desceu e falou algo com o segurança. Um instante depois, o portão se abriu com lentidão. Como se estivesse me avisando que, uma vez lá dentro, eu não sairia tão cedo. Desci do carro tentando manter a postura, mesmo com o coração desabando por dentro. O pátio era amplo, e a casa à frente parecia um labirinto de corredores e janelas com vidros espelhados. Duas mulheres passaram carregando sacolas e desviaram o olhar quando me viram. Ninguém ali me olhava nos olhos. Como se eu fosse um peso, ou pior… uma oferenda. — Entra — disse o mesmo homem que me trouxe. Engoli em seco e caminhei. A entrada da casa era fria. Mármore preto no chão, cheiro de perfume caro misturado com pólvora. O som dos meus passos ecoava alto. Me senti pequena. Invisível. — O patrão tá te esperando lá em cima — disse o segurança. — Quarto andar. Porta da esquerda. Quarto andar. Era simbólico. Ele vivia no topo do topo. Acima de tudo e de todos. E eu? Eu estava prestes a entrar no covil da fera. Subi os degraus lentamente, tentando controlar a respiração. Meu peito apertava a cada passo. Quando cheguei no quarto andar, vi a porta de madeira escura entreaberta. Bati levemente. — Entra. — A voz veio firme, grossa, sem hesitação. Empurrei a porta devagar. A sala era espaçosa, luxuosa, com uma parede inteira de vidro revelando a favela lá embaixo. Uma cadeira giratória estava de costas, diante daquela vista. E então ele se virou. Caio Moreira. Era mais jovem do que eu imaginava. Não devia ter mais de trinta anos, mas carregava uma presença que fazia tudo ao redor dele parecer pequeno. Moreno, alto, maxilar forte, olhos escuros como a noite. Ele vestia uma camisa preta com as mangas dobradas, tatuagens subindo pelos antebraços. E um olhar... meu Deus, aquele olhar. Frio. Insondável. Letal. — Então você é a filha do covarde que me deve quarenta mil reais — ele disse, se levantando da cadeira. Fiquei muda. O ar me faltou por um instante. — Ele não tinha o dinheiro — murmurei. Caio caminhou até mim com passos calmos. Cada passo parecia calculado, como um predador que já sabia que sua presa não teria pra onde correr. — E achou que podia me enganar com promessas vazias. — Ele parou na minha frente. — Então decidiu oferecer algo de valor. — Eu não sou "algo"! — rebati, erguendo o queixo. Um silêncio pesado caiu. Ele arqueou uma sobrancelha, como se estivesse intrigado com a minha ousadia. — Corajosa. Isso é raro por aqui — disse, com a voz baixa. — Mas não confunda coragem com burrice. Ele se aproximou ainda mais. Senti seu perfume — amadeirado, denso. Seu olhar se fixou nos meus olhos como se quisesse me despir por dentro. — Você vai ficar aqui, comigo. Até que a dívida esteja quitada. — Sua voz era firme, sem espaço para discussão. — Isso pode durar dias... meses… ou o tempo que eu quiser. — E se eu me recusar? Ele sorriu. Um sorriso c***l. — Você pode tentar. Mas tudo tem consequência, princesa. Inclusive dizer não pra mim. A raiva me queimava por dentro, mas o medo... o medo era maior. Eu sabia o que ele era capaz de fazer. Já tinha visto o que homens como ele faziam quando eram contrariados. — Me dá pelo menos uma razão pra eu não tentar fugir — murmurei, desafiando-o com os olhos. Ele passou um dedo pela minha bochecha, devagar. Um toque que não era carinho. Era aviso. — Porque eu tenho olhos em cada viela. Porque ninguém atravessa o portão sem a minha ordem. E porque, se você fugir… não vai ser seu pai quem vai pagar. Ele se afastou e voltou à cadeira. — A porta do seu quarto fica no fim do corredor. Trancada por fora, claro. Você sai quando eu quiser. Dorme quando eu mandar. E se tentar qualquer gracinha… Ele ergueu o olhar, e naquele instante, entendi. Caio Moreira não precisava gritar para ameaçar. Ele era a própria ameaça em silêncio. Virei de costas, sentindo o coração martelar contra o peito. Caminhei até a porta sem dizer mais nada. Quando fechei, deixei as lágrimas caírem. Mas só ali. Nunca na frente dele. Porque o jogo havia começado. E eu era só a peça mais frágil… … no tabuleiro do rei.
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